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Ester Souza C. Bottazzo

A descriminalização do aborto no Brasil como uma questão de saúde pública

Desde o início da formação social brasileira, as questões que envolvem o corpo feminino têm sido taxadas como tabu. A figura da mulher enquanto um ser inferior ao homem, incapaz de fazer o mesmo uso da razão, impedem com que esse grupo possa ter conquistas importantes em relação à emancipação feminina e à igualdade de gênero. À medida em que nos outros países do mundo e da América Latina a luta feminista tem tido sucesso com a descriminalização do aborto - como na Irlanda em 2018 e na Argentina em 2020 - no Brasil, assuntos que envolvem a autonomia pessoal e sexual da mulher ainda são decididos em espaços políticos compostos majoritariamente por homens.



“A proporção de mulheres continua a ser bem inferior à de homens, apesar de a participação feminina na Câmara ter saltado de 51 para 77 na comparação de 2014 com 2018. As mulheres passam a ocupar, portanto, 15% das cadeiras na Casa. Os homens conquistaram 436 vagas na Câmara – o que responde pelos 85% restantes.”, é o que afirma a redatora do G1, Gabriela Caesar[1].


Segundo a legislação brasileira, o aborto só é legal e garantido de maneira segura pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em casos de estupro, quando há risco de morte para a mãe e o bebê, e em fetos com anencefalia. Não obstante, ao considerar os altos índices de morte materna em decorrência do aborto clandestino, sobretudo das mulheres pobres e pretas, fica evidente que a descriminalização do aborto, independente do motivo, deveria ser considerada como uma questão de saúde pública. Segundo um artigo da Revista Piauí, “As principais vítimas de procedimentos de aborto em geral são mulheres negras. De 2009 a 2018, o SUS registrou oficialmente 721 mortes de mulheres por aborto. A cada 10 que morreram, 6 eram pretas ou pardas.” (LICHOTTI; MAZZA; BUONO, 2020)[2].


Ao analisar a questão cultural da criminalização do aborto no Brasil, nota-se que ela pode se dar por diversos fatores. Primeiramente, podemos constatar que a sociedade brasileira é uma sociedade historicamente sexista e patriarcal, isto é, a estrutura da nossa organização social segue a lógica do homem como sujeito superior à mulher e, sendo assim, como principal figura de liderança para a tomada das decisões políticas, até mesmo aquelas que não condizem com a realidade masculina.


Além disso, segundo dados mais recentes, o Brasil é o segundo país com o maior número de cristãos do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Mas o que isso teria a ver com a legalização do aborto? Pois bem, é notório que, desde as antigas civilizações no mundo, a religião tem tido uma grande influência no meio social. Embora ela tenha surgido como uma tentativa de explicar dúvidas existenciais do ser humano, nota-se que no decorrer da história ela passou a ter um papel significativo na formação dos princípios éticos e morais da humanidade e, por isso, a sua influência é presente em temas tão polêmicos como o aborto.


Dessa maneira, entendendo o fato do aborto estar entre as cinco causas de morte materna no Brasil, é necessário o questionarmos se realmente cabe ao Estado a decisão de se uma mulher deve ou não abortar. Vemos a importância de se analisar a descriminalização como uma questão de saúde pública, pois o direito à vida deve começar pelo direito da própria mulher de poder escolher se ela quer dar continuidade a uma gravidez ou não. Afinal, independente dela assumir a maternidade, são 9 meses de gestação, 9 meses em que o seu corpo passará por uma transformação extremamente intensa e exaustiva.


Também, é preciso compreender que muitos estudos apontam o seguinte fato: com a descriminalização do aborto, diminui-se os casos da sua ocorrência. Isso acontece pois com a regulamentação desse processo, as mulheres podem pensar por contra própria, entender os riscos desse procedimento e refletir se elas realmente querem dar fim à gravidez. Em Portugal, por exemplo, o aborto foi legalizado no ano de 2007, e, entre 2011 e 2015, além de não ter havido nenhum óbito por causa do aborto, os índices de interrupção da gravidez diminuíram 10% em relação ao primeiro ano da legalização[3].


Por fim, é importante pensarmos que uma das raízes dessa questão está na ausência de uma educação sexual nas escolas brasileiras. Segundo dados de 2019 do governo federal, nos últimos anos o Brasil tem conseguido reduzir os casos de gravidez indesejada, sobretudo na adolescência, por meio de ações e campanhas de prevenção. Além de que, promovendo conhecimento sobre o corpo e o sexo de forma natural, assertiva e aberta, crianças e adolescentes passam a saber reconhecer qualquer contato inapropriado de algum adulto.


À vista disso, podemos concluir que a criminalização do aborto não impede as mulheres de abortarem no Brasil, pelo contrário, dificulta o acesso a uma interrupção da gravidez segura e de qualidade pelo SUS. A criminalização contribui para que mulheres pobres e pretas, as quais, segundo os índices, são as que não têm condições de pagar por um aborto seguro, morram por complicações de procedimentos arriscados feitos em condições precárias.


[3] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/08/descriminalizados-abortos-tem-cinco-anos-de-queda-em-portugal.shtml



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

dio-do-deputado-federal-eleito-e-homem-branco-casado-e-com-ensino-superior.ghtml https://mundotop10.com/paises-mais-cristaos-do-mundo/

https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/o-que-diminui-o-aborto-e-a-legalizacao/


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