A história da relação da América Latina com os europeus entre os séculos XVI e XVIII pode ser análoga às muitas histórias das relações de gênero no mundo de hoje: exploração, violência doméstica, estupros, machismos e assassinatos. Todavia, não sem resistência e luta por parte das mulheres latinas, quem tem protagonizado o cenário político atual, buscando a igualdade entre homens e mulheres e o fim do patriarcado.
Não cabe neste artigo dar uma aula sobre o imperialismo, mas sim apresentá-lo como uma das causas da opressão da mulher latina e de uma sociedade doente que trata a mulher como mercadoria.
O corpo feminino latinoamericano foi usado e abusado pelo patriarcalismo desde o período colonial. A expropriação do corpo da mulher latina e da América Latina como um todo, deu base para que, mais tarde, o capitalismo dependente perpetuasse as relações sociais e de gênero injustas (econômica, política e sociais) que reproduzem a miséria social e, portanto, a dependência com os países ricos (em especial os países europeus e os Estados Unidos).
Atualmente, o corpo feminino continua sendo um objeto de cobiça, mas o papel da mulher, no cenário capitalista, nunca foi somente de objeto. A mulher latina tem um papel fundamental no sistema econômico vigente que é o de reprodução social e produção de mão de obra. Trabalhos esses que muitas vezes fazem de maneira inconsciente e quase sempre de graça.
Foi definido que o papel dessas mulheres seria o de submissão, sem quaisquer direitos políticos, econômicos e sociais. As mulheres latino americanas foram privadas do controle e decisão, de forma livre e responsável, sobre questões relacionadas à própria sexualidade, incluindo-se a saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência.
Então, quando falamos da herança deixada pelo imperialismo europeu e americano no que diz respeito à mulher da América Latina, estamos falando de um sistema que as oprime de todas as formas possíveis, explorando sua mão de obra e as transformando em mercadoria e objeto.
Além disso, vivemos hoje em uma sociedade completamente envolvida com a indústria da beleza, a indústria pornográfica e as mídias sociais. Pode ser difícil relacionar a opressão das mulheres com esses agentes (e de fato é), mas a partir do momento em que percebemos que o Brasil é líder mundial no ranking de cirurgias plásticas em jovens e que, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), dos quase 1,5 milhão de procedimentos estéticos feitos em 2016, 97 mil foram realizados em pessoas com até 18 anos de idade[1], não podemos deixar de nos perguntar: por que tantas jovens se veem na necessidade de modificar o próprio corpo? Qual é o corpo ideal?
As mídias sociais têm contribuído imensamente para a propagação do que seria um corpo feminino ideal. Spoilers: ele é branco, magro, sem pelos, sem estrias, sem celulite. Ou seja, tudo menos o corpo de uma mulher adulta e que tenha raízes na América Latina.
Passar adiante a ideia de que só um tipo de corpo pode ser amado e desejado tem dado às mulheres latino americanas não só a ideia de que devem passar por procedimentos estéticos, muitas vezes arriscados e invasivos, na tentativa de se enquadrar nesse padrão europeu (olha a influência do imperialismo aí), mas também tem contribuído para uma indústria que lucra com a insegurança e insatisfação dessas mulheres com a própria imagem. O faturamento do mercado de beleza no Brasil cresce ano a ano e, em 2019, atingiu a marca de 29,62 bilhões de dólares[2].
Essa pequena e breve análise da exploração doméstica e estética das mulheres latinas conta apenas algumas das diversas formas de opressão sofridas que foram herdadas do imperialismo europeu e americano. O que vemos hoje é uma luta muito grande dessas mulheres não só pelos seus direitos políticos e econômicos, mas pelo reconhecimento de suas origens latinas.
Os países da América Latina compartilham de problemas semelhantes: altas taxas de feminicídio, mortes por abortos clandestinos, uma vergonhosa impunidade judicial, sequestros e desaparecimentos de mulheres e meninas, violência generalizada de gênero, difícil acesso à saúde obstétrica e uma pobreza que, como em todo o mundo, causa mais estragos na população feminina.
Com este panorama, o machismo sutil contra o qual as mulheres lutam em outras partes do planeta não é prioridade na terra latina. Aqui o machismo mata em grandes doses e, para combater isso, as mulheres latino americanas estão levantando a voz cada vez mais alto. Não é em todos os países que o vento sopra em favor da igualdade, mas os protestos do 8 de Março tem agora um som latino.
Termino o artigo compartilhando as lutas protagonizadas pelas mulheres em toda a América Latina. Mulheres estas que lutam e que vão às ruas pela igualdade, inspirando as velhas e novas gerações a mudarem o mundo.
O feminismo no México vive momentos de muita mobilização nas ruas e greves de trabalhadoras. Em média, 10 mulheres são assassinadas por dia no país e as medidas tomadas pelo governo no combate aos altos números de feminicídio são insuficientes. O movimento das mulheres mexicanas é movido pela indignação e pela busca de políticas contra violência de gênero.
Na Argentina, o triunfo dos movimentos feministas na conquista do direito ao aborto seguro e gratuito no país foi celebrado pelas mulheres. Após décadas de luta feminista pela ampliação de direitos sexuais e reprodutivos, a lei pela despenalização e legalização do aborto e atenção pós-aborto foi aprovada nos últimos dias de 2020.
A conquista das chilenas, por sua vez, se deu com a substituição da Constituição herdada da ditadura comandada por Augusto Pinochet. Nas palavras de Sofía Brito, ativista da Assembleia Feminista Plurinacional: “A Constituição de 1980 – na qual a palavra mulheres aparece uma única vez no texto – sempre permitiu e protegeu um sistema no qual fomos instaladas como cidadão de segunda classe".
Por fim, cito a luta das mulheres na Nicarágua pela despenalização do aborto, motivada em salvar a vida da mãe que foi vítima de estupro e da malformação fetal grave. Segundo os movimentos feministas, faltam na Nicarágua: educação de qualidade, a redução da pobreza e desigualdade social que proporcione empregos decentes às mulheres e o acesso às terras para as camponesas[3].
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