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João Novazzi

(Ainda sobre a Guerra na Ucrânia) Afinal, a ONU é incapaz de solucionar conflitos?

Atualizado: 10 de ago. de 2022


A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada logo após o final da 2ª Guerra Mundial e, com ela, surgiram esperanças de que se consolidasse um palco para o multilateralismo[1] e as soluções pacíficas dos conflitos envolvendo os mais diversos povos do globo.

O período histórico em que a ONU surgiu era bastante delicado, e as consequências da guerra ainda seriam sentidas pelo planeta por décadas, com dezenas de cidades destruídas, famílias despedaçadas, milhares de mutilados, crianças órfãs e um clima belicoso latente entre os vencedores[2] que, como se verá adiante, permanece, em muitos sentidos, até hoje. Ainda assim, a adesão de muitos países às Nações Unidas se deu de maneira rápida ao longo da segunda metade do século XX, e a expectativa era de que haveria uma mudança no patamar civilizatório com a sua criação e com a solução de problemas entre os países, através do diálogo entre diplomatas[3] e chefes de Estado.

A prática, contudo, foi bastante diferente do sonho que envolvia a organização, e os anos que sucederam a sua criação foram marcados por diversos conflitos sangrentos em todos os continentes.

A título de exemplo, a criação do Estado de Israel, que contou com diversas discussões na embrionária Assembleia Geral das Nações Unidas, ainda entre 1947 e 1948[4], é até hoje criticada, visto que a região é alvo de incontáveis conflitos armados violentos desde então. As ditaduras dos anos 60 a 90 que assolaram a jovem história democrática da América Latina[5] também tiveram pouquíssima pressão por parte das Nações Unidas, e o Genocídio de Ruanda, de 1994, que causou a morte de mais de 800 mil pessoas, tampouco foi solucionado pela ONU.

Mais recentemente, a ONU também deixou de desempenhar o seu esperado papel de mediadora ao ser incapaz de organizar a distribuição da vacinação contra o coronavírus, sendo que, enquanto alguns poucos países/regiões já estão aplicando a quinta dose (dentre eles, São Paulo, no Brasil), dezenas de países ainda não vacinaram nem 10% da população, por exemplo o Malawi, o Chade, a Eritreia, a Papua Nova Guiné e o Burundi.

Com a tensão crescente na Ucrânia no começo de 2022, confesso que criei uma expectativa de que a ONU pudesse, enfim, solucionar a questão de forma pacífica e demonstrar para o mundo que seus mecanismos de diálogo ainda podem calar os críticos e evitar que uma guerra de agressão em larga escala na Europa voltasse a ocorrer após 1945[6].

De fato, ainda antes da invasão em si, em 31 de janeiro de 2022, o Conselho de Segurança da ONU[7] se reuniu para debater a situação na Ucrânia. Naquela altura, mais de 100 mil tropas russas já estavam mobilizadas na fronteira com o país, e os Estados Unidos e o Reino Unido ameaçavam a Rússia com sanções. Os debates no Conselho, contudo, nem de longe evitaram que a invasão ocorresse e nem menos a morte de quase 5 mil civis pelo conflito. A ONU também não evitou diversos casos – no momento, em investigação – de tortura, crimes sexuais e a utilização de armas proibidas por parte da Rússia em território ucraniano.

Infelizmente, o que mais se vê em buscas rápidas pela internet são notícias como “ONU repudia…”, mas não se encontra nada efetivamente indicando punições ou ações reais para combater o desastre humanitário em andamento. A própria decisão da Assembleia Geral da ONU, de 2 de março de 2022, condenando a ofensiva militar da Rússia à Ucrânia, revela-se pouco eficaz e pro forma[8], visto que nenhuma sanção foi efetivamente tomada com força para impedir os ataques.

Vejam: não estou aqui defendendo ou condenando as motivações dos Estados envolvidos, mas questionando o papel da ONU na guerra. Afinal, é inegável que milhares de pessoas morreram, diversas violações aos direitos humanos ocorreram e suspeitas de crimes de guerra são reais. Esses fatos serão mais bem cuidados e pensados no âmbito da maior organização internacional já criada pela humanidade? É esse o meu questionamento.

Por essas razões, tenho começado a entender que a ordem mundial multipolar, originada após o final da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética[9], tem entrado em declínio, com as nações se fechando cada vez mais para o diálogo. Por conta disso, a tão sonhada busca por um terreno firme e comum para a civilização humana tem ficado de fora dos planos dos chefes das nações e, com isso, a ONU segue longe de desempenhar as funções tão esperadas quando da sua criação. Isso posto, entendo realmente que a ONU, na forma em que se encontra organizada atualmente, é incapaz de solucionar conflitos como a Guerra na Ucrânia

Ainda assim, creio que há uma luz no fim do túnel. A ONU, bem como os Estados, as empresas e outras entidades, é uma criação humana e, como tal, é passível de reformas. Nesse sentido, seria crucial, por exemplo, uma reforma no Conselho de Segurança, de modo que os 5 países com poder de veto (Estados Unidos, Rússia, França, China e Reino Unido), que refletem ainda a realidade do final da 2ª Guerra Mundial, deixassem de deter esse poder. Por mais que eu não acredite que reformas estruturais na ONU ocorram tão cedo – ainda mais no órgão com maior poder decisório da organização, o Conselho de Segurança – tendo a crer que, a longo prazo, possamos ver – e julgar com maior propriedade – se as ações da ONU realmente foram capazes de, ao menos, amenizar e mitigar o conflito que tem trazido tanto sofrimento ao povo ucraniano. Até o momento, porém, não consigo criar muita expectativa.

E, fazendo coro às palavras de Cornel West, grande professor estadunidense, filósofo e ativista dos direitos humanos, “não consigo ser otimista, mas sou um prisioneiro da esperança”.

Notas de rodapé:

[1] Em linhas gerais, o multilateralismo é a cooperação conjunta de um grupo de países em torno de uma temática/agenda/ação de interesse comum.

[2] A aliança dos Países Aliados que contava com França, Reino Unido, Estados Unidos e União Soviética, saiu vencedora da Segunda Guerra Mundial. Foram derrotados a Alemanha, a Itália e o Japão.

[3] Um diplomata pode ser definido como um representante oficial de um país em um outro ou em uma determinada organização internacional, como a ONU.

[4] A Assembleia Geral das Nações Unidas teve sua primeira sessão/ reunião em janeiro de 1946, e é um dos principais órgãos dentro da ONU. A Assembleia Geral é o único órgão dentro da instituição em que todos os países membros têm representação igualitária e cabe a ela supervisionar o orçamento da ONU, nomear os membros não permanentes do Conselho de Segurança, receber relatórios de outras instituições da ONU e fazer recomendações sob a forma de resoluções.

[5] Nesse sentido, recomendo a leitura da obra de Eduardo Galeano, “As veias abertas da América Latina”.

[6] Ano em que se encerrou oficialmente a 2ª Guerra Mundial.

[7] O Conselho de Segurança da ONU é o principal órgão prático da organização, visto que ele é responsável por autorizar sanções econômicas, o envio de missões de paz e o uso da força.

[8] Pro forma seria apenas formal, do mundo das aparências, não tendo impacto efetivo, verdadeiro e contundente no mundo real.

[9] A Guerra Fria foi um período histórico em que as duas principais potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial - Estados Unidos e União Soviética - travaram batalhas políticas e ideológicas para demonstrar ao resto do mundo qual era o melhor país, com a melhor ideologia e as melhores práticas políticas, culturais, sociais e científicas. O nome Guerra Fria se deve ao fato de que os conflitos nunca chegaram às “vias de fato”, ou seja, nunca houve conflito bélico armado direto entre os países. O conflito se deu em territórios de outros países, com as duas potências tentando “aliciar” ou convencer outros países sobre seus projetos políticos e ideológicos, e/ ou mediante inovações tecnológicas (como, por exemplo, a Corrida Espacial, em que os países competiram entre si para chegar primeiro na Lua).



Referências bibliográficas:

[2] https://envolverde.com.br/50-anos-de-fracasso-da-onu/. Último acesso em 01.07.2022.




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