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João Novazzi

Amanhã vai ser outro dia

Em meu último artigo, destaquei as minhas preocupações com o resultado do primeiro turno das eleições — marcado pela vitória de diversos deputados, senadores e governadores bolsonaristas — e com os problemas que o bolsonarismo enraizou na sociedade brasileira, tais como o compartilhamento incansável de mentiras e o enfraquecimento da consciência de classe.


Infelizmente, o que Bolsonaro representa (ódio, conservadorismo, preconceito, fundamentalismo religioso, pensamentos antidemocráticos e discursos econômicos sem preocupação com impactos sociais) ainda tem grande força e influência em parte considerável do povo, e é inocência pensar que seus fãs o esquecerão tão cedo. Nada disso mudou até o momento, e teremos um longo e desafiador caminho a percorrer para melhorar o Brasil.


Fonte: Extra Globo

Por outro lado, é inegável que o dia 30 de outubro, marcado por fortes emoções, com a virada de Lula sobre Bolsonaro ocorrendo apenas às 18h44 da noite, foi um bálsamo, um alívio político e poético, após 4 anos extremamente difíceis. Bolsonaro jogou o Brasil para fora do palco da diplomacia, fazendo do país uma piada internacional. Na pandemia, por mais que alguns queiram esquecer, Bolsonaro fez pouco caso do vírus, defendeu a utilização de medicamentos comprovadamente ineficazes e foi contrário à vacinação do povo. No dia 7 de setembro, data da independência do Brasil, Bolsonaro foi o centro das atenções com a sua incessante busca por afirmação de virilidade, esquecendo-se completamente do significado da comemoração nacional. Isso tudo apenas para citar alguns problemas.


No geral, porém, o que mais me incomodou — e sei que incomodou diversas pessoas ao longo desses anos — foi a gênese de um clima hostil, violento, negativo e de baixo astral, que surgiu pelos diversos discursos confusos e odientos de Bolsonaro e seus amigos, pelos casos de ameaças e assassinatos de opositores políticos e pelas crises institucionais criadas constantemente. Dessa forma, talvez a palavra que melhor define os anos do (felizmente) único mandato de Bolsonaro como Presidente seja medo: medo de ser feliz, medo de falar o que pensa, medo de sair para a rua, medo do futuro, medo de ser quem somos.


Fonte: Foto por Pablo PORCIUNCULA/AFP

No domingo, esse clima parece ter acabado como na linda cena do final do episódio de O Retorno de Jedi (1983), da franquia Guerra nas Estrelas (Star Wars), em que a Estrela da Morte, a máquina destruidora de mundos, é explodida pela Aliança Rebelde e os povos dos planetas excluídos da galáxia celebram em festa e em uníssono a queda do regime tirânico e opressor do Império Galático. Em terras tupiniquins, o totalitarismo foi derrotado, e fogos de artifício foram ouvidos nas principais cidades, e até na minha rua, lotada por bolsonaristas, algum progressista anônimo se empolgou e iluminou o céu da região. Isso já foi o suficiente para que meu pai e a minha madrasta, que tanto sofreram com os difíceis meses de isolamento pela pandemia e com as perdas de familiares e amigos, se emocionassem e gritassem pela primeira vez depois de muito tempo — e sem medo de ser feliz — que esse clima sombrio estava prestes a acabar.


Na famosa Avenida Paulista, milhares de pessoas de todas as cores, origens, classes sociais e idades se juntaram para comemorar, chorar, beber e celebrar o final de uma fase e o início de uma nova era no país, que promete recolocar o Brasil nos trilhos rumo a uma segurança política, social, cultural e institucional que existia desde a redemocratização e que sofreu duros golpes com Bolsonaro. Assim como na Paulista, no Rio Vermelho (Salvador – BA), na Barra da Tijuca (Rio de Janeiro – RJ) e em centenas de cidades pelo Brasil, o grito de esperança e do amor ecoou e ressoou com firmeza após anos de silêncio pelos quatro cantos do Brasil.


Fonte: Foto por Ricardo Stuckert

A vitória de Lula não representa apenas o retorno do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência. A vitória de Lula representa a vitória da lucidez contra a farsa, da verdade sobre a mentira, da tolerância contra o ódio, da democracia contra a repressão, do amor contra a violência e da civilização contra a barbárie, e é por isso que o dia 30 foi tão marcante. A beleza do momento foi perceptível, pois venceu o lado que fala de amor, de união, de respeito e do povo. Todo esse amor reprimido, esse grito contido e esse samba no escuro — mencionados na obra de Chico Buarque (1978) — deram lugar para incontáveis demonstrações de amor e afeto, muitos gritos esperançosos e muita música.


Novamente, não sejamos inocentes de pensar que tudo se resolverá como nos filmes, mas tenhamos a esperança de que dias melhores virão. As tentativas barulhentas e grosseiras de intimidação que partem dos bolsonaristas — com assassinatos, fechamento de rodovias e uma possível invasão futura a Brasília — perderão espaço pouco a pouco, na medida em que a nossa coragem de falar, denunciar e amar voltar a crescer.


O Brasil não tem espaço para novas ameaças antidemocráticas, porque o povo está aflito por comida no prato, programas sociais, vagas na universidade, vacina no braço, empregos dignos e por respeito. E podemos voltar a sonhar com tudo isso agora, com muito mais amor e sem medo de ser feliz, pois a onda do amor e da razão está jogando o ódio, a mentira e a intolerância na lata de lixo da história. Definitivamente, o dia 30 mostrou que amanhã vai ser outro dia.



Referências bibliográficas

APESAR de você. Intérprete: Chico Buarque e grupo MPB4. Compositores: Chico Buarque. In: CHICO Buarque. Intérprete: Chico Buarque. [Brasil]: Polygram Discos, 1978. 1 disco vinil, lado B, faixa 6 (4 min).

O RETORNO de Jedi (Return of the jedi). Direção: Richard Marquand. Produção: George Lucas. Estados Unidos da América: Lucasfilm, 1983. 1 vídeo (134 min).



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