Quando tratamos de democracia, o artigo primeiro da Constituição Federal nos apresenta a narrativa de um Estado Democrático de Direito, transcrevendo,, “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:” (grifo nosso).
Assim, qualquer situação não prevista ou contrária ao texto constitucional pode ser interpretada como uma afronta aos direitos e ao Estado democrático. Desde a eleição, em 2018, do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foram descobertos esquemas de propagação de fake news[1], os quais tinham como articulador seu filho , Flávio Bolsonaro[2].
Recentemente, o sr. Presidente da República alegou fraude no sistema eleitoral brasileiro. Com a propagação de tal notícia, o judiciário se movimentou, o Corregedor-Geral da Justiça eleitoral Luis Felipe Salomão instaurou inquérito administrativo para analisar a conduta do presidente. O Presidente do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) e também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, encaminhou “notitia criminis”, notícia crime[3], ao Ministro Alexandre de Moraes (STF), relator do Inquérito 4781 que analisa as fake News, que apure a conduta do Sr. Presidente da República.
A repercussão é tamanha, pois o fato de o Chefe de Estado alegar fraude nas eleições e dizer que só haverá eleições em 2022 se os votos forem impressos e auditáveis causa afronta ao sistema eleitoral nacional, pondo em risco o Estado Democrático. Houve, ainda, manifestações dos apoiadores do atual governo no 1º dia de agosto, apoiando a façanha, apoiando o estado antidemocrático, a desordem social.
A manifestação presidencial tomou tal proporção que está sendo realizada uma consulta pública no site do Senado Federal, querendo entender a opinião das pessoas sobre o voto impresso[4]. Pasme, há mais votos apoiando os votos impressos em 100% das urnas do que o contrário.
Há que se falar ainda na “proposta” dos apoiadores Bolsonaristas do comprovante de voto. Ou seja, depois de votado, você receberia um comprovante de quem votou, o que acabaria com o sigilo do voto.O direito ao voto universal e secreto é um direito constitucional que jamais poderá ser violado.
A Constituição Federal garante a soberania popular, afinal, estamos num Estado Democrático de Direito, a opinião do povo pode e deve ser levada em consideração. Contudo, a Constituição veda determinados temas que não podem ser objeto de emenda. Nesse sentido, significa dizer que alguns artigos, algumas regras constitucionais, não podem ser alteradas.
Essas regras de carácter imutável são direitos que jamais podem ser revogados ou extintos, o termo técnico dado a elas é “cláusulas pétreas”. As cláusulas pétreas são criadas pelo artigo 60, § 4º da constituição[5].
Em síntese, o voto universal e secreto está resguardado pelo disposto no artigo 14: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:”. Exigir um comprovante de voto, assim como uma nota fiscal, é inconstitucional, pois mostra para qual candidato determinado cidadão votou, pondo em xeque o voto secreto.
Mas como já dito, determinadas normas constitucionais não podem ser alvo de questionamento, alterações, são chamadas estas de cláusulas pétreas. É uma dessas cláusulas não passíveis de modificação do artigo 14 que trata do voto universal e secreto. A própria Constituição tem o de forma expressa o que são cláusulas pétreas e, se encontram no artigo 60, § 4º. Em atenção ao disposto no inciso II, do § 4º, do artigo 60, que diz o seguinte:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
O referido dispositivo legal trata da impossibilidade de se alterar a constituição para modificar o voto direto, secreto, universal e periódico. A proposta do voto comprovante de voto sequer foi alvo de votação na Câmara dos Deputados, pois o fato das pessoas terem o comprovante de voto faria com que o mesmo não fosse secreto, violando a Constituição Federal.
Por fim, o Brasil comemora a vitória da Câmara dos Deputados ter rejeitado o projeto que iria instaurar um sistema de votação impresso e retrógrado. Vitória à Democracia, urna eletrônica sim, ele não.
[1] fake News (Notícia falsa): consiste na propagação em massa de uma notícia falsa, via jornal, televisão, rádio, mídias sociais.
[2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/pf-identifica-carlos-bolsonaro-como-articulador-em-esquema-criminoso-de-fake-news.shtml
[3] É um fato tipificado como crime que chega a uma autoridade competente para investigá-lo. No caso, Barroso encaminhou uma possível notícia crime que irá ser analisada pelo responsável competente (Alexandre de Moraes) que é o Relator do Inquérito das Fake News.
[4] Sugestão nº 9 de 2018 (SUG 9/2018), disponível em https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=132598
[5] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Referências Bibliográficas:
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