Muitas são as famílias com sobrenomes recheados de consoantes dobradas espalhadas pelo Brasil.O presente artigo se destina a apresentar um pouco da história dessas famílias que, saindo de uma Itália recém-nascida, aventuraram-se em um novo continente completamente novo e – até então – (um tanto quanto) desconhecido.
Segundo os registros, foi em 1870 que os primeiros imigrantes da Itália chegaram ao Brasil, instalando-se, inicialmente, na região sul. De acordo com estudos realizados pelo IBGE[1], a maioria dos imigrantes italianos veio da região do Vêneto, no norte da Itália.
A maior parte dos italianos que chegou ao Brasil o fez em decorrência de significativos problemas econômicos e socioculturais pelos quais a Itália passou nos seus primeiros anos de existência enquanto país. No caso italiano em especial, muitas famílias enfrentaram dificuldades financeiras após os longos anos de luta pela unificação[2], e o alto crescimento demográfico que marcou o período do pós-guerra de unificação[3].
Além disso, conforme explica Marco Cabral dos Santos, a entrada das relações capitalistas no campo e a consequente concentração da propriedade da terra na Itália também impactaram fortemente na vinda de famílias italianas para o Brasil e outros países da América. Conforme Marco explica: “as altas taxas e impostos sobre a posse da terra obrigaram muitos pequenos proprietários a empréstimos e endividamentos. Além disso, o pequeno produtor não conseguia competir com os grandes proprietários, que enchiam os mercados com produtos mais baratos. Sem condições de ocupação, esses trabalhadores se proletarizaram, transformando-se em mão-de-obra barata na nascente indústria italiana”[4]. Outras famílias, contudo, optaram por tentar melhor sorte por aqui, e tentaremos contar um pouco dessa história agora.
Inicialmente, é importante esclarecer que a imigração italiana para o Brasil se deu na espécie subvencionada, e se estendeu de 1870 a 1930 e visava a estimular a vinda de imigrantes. Vale esclarecer que o termo “imigração subvencionada” significa que houve uma facilitação por parte do Brasil, por meio de auxílio em dinheiro para compra de passagens dos imigrantes e sua instalação inicial no país[5].
Esse incentivo brasileiro à chegada dos italianos se deu principalmente em decorrência da Lei do Ventre Livre, a qual foi promulgada em 28 de setembro de 1871, e, finalmente, considerava como livres todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir de então. Consequentemente, os fazendeiros brasileiros pressionaram o Estado, uma vez que sabiam que teriam uma redução significativa de mão de obra com a nova lei.
É igualmente relevante pontuar que a imigração subvencionada de italianos para o Brasil buscava convencer a chegada de famílias inteiras, isto é, não apenas um ou outro trabalhador de uma determinada família. Isso ocorreu, em grande medida, por pensamentos de cunho racista, dado o manifesto desejo das elites locais de "branquear" o povo brasileiro[6].
De todo modo, fato é que a propaganda promovida pelo Brasil para os italianos foi tamanha que os italianos corresponderam a 42% do total dos imigrantes entrados no Brasil. Em outras palavras, de 3,3 milhões de pessoas, os italianos eram cerca de 1,4 milhões[7].
Italianos nas lavouras
O destino dos imigrantes no período da imigração subvencionada foram as fazendas de café de São Paulo e os núcleos de colonização, principalmente os oficiais, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo[8].
A maior parte dessas famílias trabalhava em péssimas condições, com forte sol e calor ao longo dos dias e grandes chances de acidentes graves ao longo da labuta. Além disso, poucas famílias conseguiam comprar uma pequena propriedade para si e, quando isso ocorria, geralmente era uma propriedade de baixo valor.
As famílias italianas nas fazendas de café se submetiam a um contrato de trabalho segundo o qual todos, inclusive mulheres e crianças, deviam trabalhar. Esse contrato garantia às famílias casa e quintal, podendo criar animais, fazer horta e plantações de outras sementes entre as fileiras dos pés de café sob a sua responsabilidade. Contudo, por poucas vezes, essas famílias conseguiam vender o que sobrava de suas colheitas.
As condições de vida enfrentadas pelos imigrantes que chegavam nos núcleos de colonização, ou colônias de povoamento, também não foram fáceis.
Nessas condições, o abandono do trabalho por moradores italianos e de outras regiões da Europa era comum no período, uma vez que, após anos de trabalho – por vezes, décadas – quase nada possuíam e ainda deviam ao governo e aos comerciantes do local.
Italianos nas grandes cidades
Outra parte dos imigrantes italianos rumou para grandes centros urbanos do período, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Em São Paulo, que chegou a ser identificada como uma "cidade italiana" nos anos de 1900, os italianos chegaram a representar 90% dos 50.000 trabalhadores ocupados nas fábricas paulistas, em 1901[9].
Sendo a esmagadora maioria dos operários industriais no brasil do início dos anos de 1900, os italianos recebiam baixos salários, tinham de cumprir longas e exaustivas jornadas de trabalho e não possuíam proteção contra acidentes e doenças. Assim como no campo, era muito comum que todos na família tivessem que trabalhar, inclusive mulheres e crianças.
Seja na condição de trabalhadores rurais ou de operários, a “vitória na vida” não era fácil. Dessa forma, diversos são os casos de italianos que optaram por trabalhar por conta própria como, por exemplo, artesãos e pequenos comerciantes; motoristas ou jornaleiros. Alguns, felizmente, conseguiram êxito na jornada, tal como foi o caso do Conde de Matarazzo, que iniciou sua história no Brasil como pequeno comerciante[10].
Participação política dos italianos
Os imigrantes italianos nas grandes cidades também tiveram participações importantes dentro de diversos movimentos grevistas, associações e sindicatos. Esses grupos, conforme escrito por Edilene Toledo, “trouxeram consigo as ideias do anarquismo, especialmente os italianos, muitos dos quais tinham sido seduzidos pelas ideias de Bakunin e Malatesta, do socialismo, inspirado sobretudo em Marx, e do sindicalismo revolucionário, que nasceu não como teoria, e sim de uma prática sindical, mas que tinha também um teórico importante, o francês Georges Sorel. Muitos operários viram na adesão a esses movimentos uma possibilidade efetiva de transformação de si mesmos e da sociedade em que viviam. Embora os militantes fossem uma minoria, estavam em contato constante com as bases, e os trabalhadores em geral demonstravam receptividade às ideias e práticas que pudessem contribuir para o melhoramento da sua vida cotidiana e que apontassem para uma emancipação futura”[11].
Assim, italianos e outros europeus se juntaram com trabalhadores brasileiros participaram da formação de diversos movimentos relevantes, participando de greves, sendo alvos da repressão policial e, de um modo ou de outro, auxiliaram na luta trabalhista dentro do Brasil.
Enfim, o que aprendemos?
Com base no estudo feito aqui sobre as ondas de italianos para o Brasil entre os séculos XIX e XX, foi possível perceber que esses indivíduos – tal como inúmeros outros de outras nacionalidades – tiveram e têm papel fundamental na história do nosso país e na construção de nossos campos e cidades.
Devemos o desenvolvimento rural e industrial do Brasil do século XX às centenas de famílias que, sem medo do desconhecido e dispostas a tudo por melhores condições de vida, abriram mão de sua Pátria-Mãe para trilhar novos caminhos em nossas terras. Conforme descrito na bela música Dakar, de Cuscobayo:
Prometida/ A terra de passagem/ Antes ninguém queria/ Agora vale a viagem
/ E eu/ Que atravessei o mar/ Larguei tudo pra vir pra cá/ Mas é isso que a gente faz/ Criar raiz mas sem ficar/ Porque a raiz tá sempre lá.
Dedico esse breve estudo ao meu querido e saudoso avô, Iracy Potiguara Novazzi, que sempre me contava histórias da imigração italiana no Brasil e das histórias que escutou de seus pais e avós sobre o período.
Referências bibliográficas:
[1] Disponível em:< https://pesquisaitaliana.com.br/imigracao-italiana-tempo/>. Último acesso em 06 out. 2021.
[2] Vale destacar que – apenas considerando o principal período do conflito pela unificação – a guerra na Itália se desenvolveu de 1848 a 1870.
[3] Em resumo, o crescimento demográfico de uma determinada população se dá quando há uma mudança positiva, um aumento, em termos quantitativos.
[4] Disponível em:< https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/imigracao-italianos-alemaes-e-japoneses-substituem-trabalho-escravo.htm>. Último acesso em 06 out. 2021.
[5] Disponível em:< https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/italianos/razoes-da-emigracao-italiana>. Último acesso em 06 out. 2021.
[6] Disponível em:< https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/imigracao-italianos-alemaes-e-japoneses-substituem-trabalho-escravo.htm>. Último acesso em 06 out. 2021.
[7] Disponível em:< https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/italianos.html>. Último acesso em 06 out. 2021.
[8] Disponível em:< https://pesquisaitaliana.com.br/imigracao-italiana-tempo/>. Último acesso em 06 out. 2021.
[9] Disponível em:< https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/italianos/os-imigrantes-nas-cidades>. Último acesso em 06 out. 2021.
[10] Disponível em:< https://www.ebiografia.com/francisco_matarazzo/>. Último acesso em 06 out. 2021.
[11] Disponível em:<https://www.ponteentreculturas.com.br/revista/imigrantes_operarios.pdf>. Último acesso em 06 out. 2021.
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