Passei mais de um mês tentando encontrar um assunto para me aprofundar dentro do tema capitalismo e meio ambiente.
Pensei em contar sobre o que ocorre em San Cristobal de Las Casas, no México, onde fica localizada uma fábrica de Coca-Cola, que possui mais direitos sobre a água do local do que os próprios habitantes, forçando-os, assim, a matar a sede com o refrigerante ao invés de água, bem raro de se encontrar em galões ou ter o mesmo preço que a Coca-Cola, quando engarrafado. Com frequência, sinto a necessidade de elaborar como a veganização de produtos de origem animal carrega consigo uma onda de mudanças de hábitos alimentares e de consumo consciente. Todavia, tais produtos são muitas vezes fornecidos pelas mesmas empresas que produzem aqueles tradicionais, não desconstruindo a forma como consumimos e de quem consumimos. Nesse sentido a solução com cara verde e com selo “vegan” não passa de mais uma via insustentável e lucrativa do agronegócio capitalista.
Também poderia discorrer sobre como os aplicativos de delivery incentivam uma lógica imediatista de produção e consumo, que reforça como a indústria coleta sua matéria prima, produz e vende seus produtos de forma destrutiva à natureza e a todos os que pertencem a ela. Nesse ponto, também iria querer conectar o fato de que somos natureza e de que essa alienação de quem somos e do que somos quando separados do todo foi e segue sendo construída para que permaneçamos inconscientes da nossa potência em comunidade.
Assistindo I May Destroy You me identifiquei inúmeras vezes com contradições e ambivalências vividas pelas personagens. A série, que trabalha assuntos como ativismo, sexualidade, racismo e sustentabilidade com muita profundidade, trazidos em contextos bem diversos do habitual, sempre me deixa com a falta de uma verdade única, para me sustentar. Em especial, no episódio “Happy Animals”, foi marcante a discussão a respeito da exploração por trás da influenciadora, que, através de vídeos curtos vestindo a marca, é capaz de chamar a atenção da comunidade negra e atrair mais seguidores, influência, poder e dinheiro para a marca com propósito ambientalista e vegano. No episódio é claro o desprezo que as personagens demonstram às urgências ecológicas, na indignação pela relevância que o ativismo ambiental possui atualmente ou quando o descrevem como mais uma via pela qual o racismo passa despercebido, levando uma mensagem distorcida de paz. Eu não estava inteirada sobre esse lado da história e isso me gerou um desconforto tão grande, capaz de dificultar minha atenção para o desenrolar do episódio.
Na superfície da crise ecológica, conseguimos enxergar os corais marinhos desaparecendo dos oceanos, espécies polares perdendo seus habitats pelo derretimento das calotas, o aumento das secas em regiões onde os habitantes já vivem na vulnerabilidade por esse e outros motivos, a queima de florestas e, por consequência, das espécies que as habitam, nossa ingestão de micro-plásticos através do sal e peixes – acredito que não tenho espaço o suficiente pra continuar listando. Hoje, abaixo do nível visível de eventos e crises que definem nosso mundo, existem estruturas, a narrativa que conhecemos e as fontes responsáveis por criá-las. Charles Eisenstein diz: “Por detrás do declínio florestal e da instabilidade climática está um princípio mais geral e inevitável. Todas as crises resultam de uma espécie de ‘desarranjo’ em nossa sociedade. Tudo vem da percepção de separação da natureza e de uns dos outros, sobre a qual foram construídos todos os nossos sistemas de dinheiro, tecnologia, indústria e tudo mais. Cada um deles se projeta sobre nossa própria psique também. A ideologia do controle diz que basta identificarmos a causa para controlarmos a crise climática. Tudo bem. Mas e se a causa for tudo? Economia, política, agricultura, medicina, religião, psicologia até chegar à nossas histórias mais básicas através das quais apreendemos o mundo?”.
Talvez, por isso, o meu desconforto se expanda quando uma das personagens do episódio “Happy Animals” diz: “Se você for lutar contra qualquer tipo de exploração, é melhor você mesma saber quando está sendo explorada”. E, apesar de ela estar se referindo à mulher que, até então, não havia percebido a exploração racista envolvida em seu trabalho, eu, como mulher branca e fora do contexto de opressão racista, me sinto incomodada ao identificar minha participação nessa história e falta de clareza nas muitas violências existentes. Mas, não confunda participação com culpa. Nós nos sentimos culpadas por não encontrarmos soluções do tipo ‘efeito e causa’ para tais violências, crises, desigualdades, injustiças que constroem a narrativa de mundo que conhecemos. Vou explicar melhor.
Por que foi tão difícil para eu digerir e compreender a relação entre o ativismo ambiental e o racismo estrutural? Poderia começar pelo fato de eu ser branca e não viver o racismo. Mas, apesar da personagem ser negra e politizada, ela também não relacionou esses dois fatores antes do amigo questionar suas ações. O agronegócio tem um grande impacto nas mudanças climáticas, dificultando, assim, a nossa existência e a de outros animais no planeta como conhecemos hoje. Esse devastador impacto faz com que nos seja muito difícil ir de encontro a um ativismo que atua contra essa crise que afeta todos nós. E, por consequência, dificulta nossa percepção das falhas cometidas por tais grupos ativistas.
O ideal seria dar relevância para todas as formas e direcionamentos de lutas em favor de uma vida mais digna a nós demais espécies e nossa casa. Ou seja, lutas em favor de um mundo em que caibam vários mundos. Somos parte desse aglomerado de narrativas inseparáveis. Por exemplo, damos pódio aos tipos de ativismo que lutam a favor de mudanças para aquilo que se encontra na superfície do mesmo iceberg, abrangendo todos os aspectos da nossa humanidade. É muito possível que, dentro das organizações de mudanças, se encontrem as mesmas violências pelas quais queiram mudar, pois seguem os mesmos modelos de transformação que a velha história nos conta. Mais de um mês tentando decidir um assunto pra me aprofundar e falhando. Sinto uma angústia muito grande em não encontrar ferramentas de transformação estilo post de carrossel do Instagram. Em não encontrar verdades absolutas. Em perceber o quão longe – mas, tão perto – me encontro da nova história do mundo. Desse mundo com o clima ideal para nossa existência. Angustiada por tudo que ainda preciso observar, pesquisar e aprender com esse planeta, pra que eu possa aprender sobre mim mesma.
Ao passo que me deparo com toda interligação dos temas, consigo me tranquilizar pela existência de tantas frentes de transformação caminhando e construindo para que surjam novas possibilidades de mudança e de construções utópicas para um mundo com verdades mais justas e dignas para com seus habitantes.
Referências bibliográficas: https://www.youtube.com/watch?v=bBVAYzBteIo&t=35s - TIMES ARE URGENT, SO LET US SLOW DOWN - Bayo Akomolafe https://www.nytimes.com/2018/07/14/world/americas/mexico-coca-cola-diabetes.html?smid=tw-share - In Town With Little Water, Coca-Cola Is Everywhere. So Is Diabetes
https://open.spotify.com/episode/1Wc0kbPnHPlrGzLMYdhZ3f?si=d489318173d34ff1 – Uma Pacto com o Agora https://open.spotify.com/episode/3CRPaV2NBfvdvSHVM5QmPe?si=2004159026e54fea – Cultural Transformation with Charles Eisenstein https://www.youtube.com/watch?v=vkkhrzaIzj0 TEASER What is Emerging? Marz Saffore - Deep Dive Interview 5 https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/causas/ - Causas da mudança climática https://wherever-i-look.com/tv-series/i-may-destroy-you-season-1-episode-7-happy-animals-recap-review-with-spoilers?feed_id=24&_unique_id=5efaacb031798 - I MAY DESTROY YOU: SEASON 1 EPISODE 7 “HAPPY ANIMALS” – RECAP/ REVIEW WITH SPOILERS https://climainfo.org.br/2020/06/02/a-crise-climatica-e-racista/ - A crise climática é racista https://yam.com.vc/conexao/798839/esperanca-ativa-como-acreditar-em-novos-mundos - Esperança Ativa: Como é possível acreditar em novos mundos
Comments