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Laura Lopes

Uma breve reflexão sobre as emboscadas do Neoliberalismo

A visão do famoso filósofo Michel Foucault a respeito do neoliberalismo nos interessa nesta reflexão porque se direciona para além da simplória definição de uma doutrina sociopolítica, cuja economia funciona sem a intervenção do Estado e impulsiona um mercado totalmente livre. Ela segue para uma análise da racionalidade neoliberal, isto é, o conjunto de crenças e motivações encorajadas nesse sistema, bem como os instrumentos e estratégias utilizadas para a sua manutenção.


Michel Foucault


Em outras palavras, o que temos como base do ponto de vista foucaultiano é que o neoliberalismo não se retém no âmbito econômico. A lógica neoliberal atua como tecnologia de poder, ou seja, é exercida sobre cada indivíduo e cria coletivos adeptos ao sistema vigente e inconscientes das inúmeras desvantagens e injustiças normalizadas nessa realidade.

O Mercado (sim, com M maiúsculo, porque age e é tido como entidade) passa a ser capaz de se auto-regular, suas necessidades e objetivos são muito bem reconhecidos e prezados pelas empresas e corporações. Porém, a sagacidade do neoliberalismo se dá pela falsa ideia de que, nesse contexto, os próprios indivíduos podem (e devem) ser empresários de si, empreendedores que devem buscar a autonomia, partindo de sua iniciativa e persistência pessoal.

Tal ideia se pauta na concorrência, que movimenta o mercado de acordo com a demanda e a oferta, basicamente. Essa dinâmica pressupõe a desvantagem de uns em relação a outros e expõe o principal (e inevitável) elemento a alimentar a lógica neolieberal: a desigualdade. Dessa forma, ocorrem inversões que evidenciam o poder de impacto do neoliberalismo.

O mercado, até então um meio de trocas, um servidor para as necessidades humanas, torna-se o foco. Os cidadãos, por sua vez, tornam-se subordinados à força da concorrência, que propaga a ilusão meritocrática de que tudo se resolve somente com a própria determinação, de que cada um é agente criativo de si e das relações com os outros. Cria-se, então, um mundo que agora, mais do que nunca, invisibiliza problemas sociopolíticos estruturais e normaliza as realidades com jornadas duplas e mesmo triplas de trabalho, e tira de questão doenças mentais e outros obstáculos que vão além da força de vontade.

Não só, a arapuca neoliberal dá margem para o crescimento da precarização do trabalho. Um bom exemplo disso está nos entregadores de delivery e motoristas de aplicativo. Além de precisarem utilizar o próprio carro ou moto para realizar os serviços (o que significa que as empresas não oferecem nenhum tipo de auxílio para a manutenção ou ajuda com as despesas do automóvel, o principal requisito para o emprego), a obrigatoriedade de carteira assinada e piso salarial está sendo discutida somente agora.

Por enquanto, os trabalhadores ganham o que conseguem faturar por conta - com o desconto das taxas tomadas pela empresa para si -, em cada corrida/entrega realizada, e isso resulta em horas abusivas de trabalho, se forem considerados os motoristas que possuem outros empregos e muitas vezes trabalham todos os dias da semana. Essa, entre outras, é a forma da liberdade neoliberal de aprisionar os trabalhadores em uma “autonomia” que favorece somente as empresas e as isenta de muitas responsabilidades que deveriam ser direitos. Sem contar a parcela dos entregadores que sequer tem um carro ou moto e precisam entregar com bicicletas, sem proteção alguma ou preparo para condições climáticas adversas, como muita chuva ou o sol escaldante, além das irregularidades das ruas e riscos no trânsito.

Nesse cenário que intensifica (e precisa da) desigualdade, a pobreza e a necessidade de uma submissão cada vez maior dos indivíduos às más condições de trabalho para conseguir o mínimo em meio a tantos discursos motivacionais de persistência incentivadores da exaustão - e o famoso burnout -, gera e multiplica conflitos que não podem ser mediados ou amparados pelas estruturas estatais e tampouco recebem qualquer apoio sólido das empresas. Será mesmo possível que cada indivíduo resolva seus próprios conflitos em uma sociedade que se constrói e se mantém por meio de interdependências e relações?


Referências bibliográficas:


-Filme: Você Não Estava Aqui (2018) dir. Ken Loach

-NETO, João Leite Ferreira. Foucault, governamentalidade neoliberal e subjetivação - Scielo, Brasil

-CASTANHEIRA, Marcela Alves de Araújo França. A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia – UFG.

-FOUCAULT, M. Nascimento da Biopolítica - Curso no Collège de France, 1978-1979. SP: Martins Fontes. 2008


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