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Olga Miranda Rojas

Guerra justa? Terrorismo e uso da força, sob a ótica do Direito Internacional

Um mês depois dos acontecimentos do 11 de setembro[1], o acadêmico de direito Jonathan Charney expressaria sua inquietude na seguinte frase: “(…) temo que o uso da força pelos EUA (…) prejudica o sistema das Nações Unidas, incluindo a ordem mundial de interesses compartilhados por muitos”. Percebe-se que o professor e advogado tinha suas dúvidas quanto a ação de uso da força tomada como resposta por parte dos EUA, uma vez que poderia vir a abalar o sistema internacional. Mas afinal, o que é esse tal de “uso da força''?


No passado, entendia-se que os Estados teriam um direito legítimo de recorrer à guerra (uso da força), a fim de garantir seus interesses e assegurar seus direitos. Todavia, depois das duas grandes guerras, especialmente da 2ª Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU)[2], a sociedade internacional começou a mudar e evoluir até o ponto em que a conhecemos hoje. Atualmente, os Estados são guiados pela política de busca pela harmonia e pela paz, nesse sentido, um dos princípios basilares das relações entre Estados é a proibição do uso da força.


Artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas: Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.


Contudo, por mais que exista essa vedação expressa, também há duas exceções ao uso da força: a legítima defesa, individual e coletiva, e a possibilidade do Conselho de Segurança[3] autorizar medidas coercitivas armadas para restaurar a paz e a segurança internacionais. Ainda, sobre o exercício da legítima defesa, cabe pontuar que ele deve acontecer em resposta proporcional, necessária e imediata a um ataque armado, senão o ato incidirá em um caso de uma nova agressão unilateral (VELLOSO, 2003, P. 191).


A sociedade internacional contemporânea identificou o terrorismo como um de seus maiores males, especialmente depois do atentado às torre gêmeas. Todavia, no Direito Internacional, esse assunto ainda gera muito debate.


A primeira questão gira em torno do fato de não haver definição fixa para o conceito de um ato terrorista. Na verdade, existem diversos conceitos e opiniões, o que traz dificuldade para encaixar, com precisão, determinada conduta no campo do terrorismo.


Em segundo lugar, deve-se lembrar que as previsões do sistema do Direito Internacional da ONU sobre o uso da força não se baseiam em pessoas, mas sim, em Estados. Ou seja, toda conduta que possa causar uma resposta ao uso da força deve ser atribuída a um Estado. No famoso Nicaragua case da Corte Internacional de Justiça[4], por exemplo, fixou-se que devem haver provas substanciais para poder responsabilizar um Estado por uma conduta de um grupo não estatal. Questões relativas a ataques terroristas resultam em uma enorme dificuldade para definir um Estado como responsável pela conduta.


Segundo Christine Gray, uma das maiores teóricas sobre o uso da força, “Os ataques terroristas maciços contra o World Trade Center e o Pentágono, no dia 11 de setembro de 2001, conduziram a uma reavaliação fundamental da lei da legítima defesa”. Tais atentados trouxeram à tona uma verdadeira declaração de guerra ao terror, encabeçada pelos EUA e demais países que compõe o Conselho de Segurança da ONU. Em suas resoluções posteriores a esse acontecimento, o Conselho condenou o terrorismo, estabelecendo o direito de legítima defesa contra o mesmo e pedindo a cooperação da comunidade internacional para prevenir os atos terroristas, incluindo sua preparação e financiamento.

Ademais, no mesmo período, chegou-se ao foco da doutrina Bush[5], com a afirmação de George W. Bush de que os EUA não fariam distinções entre terroristas que cometem esses atos (ataques) e aqueles que os protegem. Sobre o novo paradigma estabelecido pela política estadunidense o estudioso de Direito Internacional Andreas Zimmermann discorre:

“foi o pontapé inicial de uma nova era do terrorismo internacional, e, consequentemente, a consolidação de um novo modo de responder às ameaças detectadas. Contrariando o que havia sido decidido pela Corte no caso Nicarágua, os Estados Unidos – e a maioria da comunidade internacional – julgaram que o direito à legítima defesa poderia ser exercido contra um Estado que meramente apoiava ou dava abrigo a um grupo terrorista em seu território, não havendo necessidade de que a participação do Estado nos ataques armados, em si, adquirisse natureza grave” (ZIMMERMANN, 2016, p. 99).


Tal política, que permanece até os dias de hoje, foi duramente criticada por Jonathan Charney em seu artigo de 2001, depois de ter presenciado a invasão de tropas dos EUA ao Afeganistão em outubro do mesmo ano. Charney defende a possibilidade de qualquer Estado se utilizar da legítima defesa, por meio do uso da força, para responder a um ataque armado, todavia, diz que tal medida deve ser realizada com muita cautela e, principalmente, seguindo os parâmetros legais estabelecidos pelo Direito Internacional.


O jurista nota que a mera alegação de conclusão do envolvimento afegão pelos EUA não foi satisfatória para levar à resposta de combate ao terrorismo, ao seu ver o governo estadunidense deveria ter arcado com a obrigação de apresentar “evidências para suas acusações antes da tomada de medidas irreversíveis e irreparáveis” (tradução livre da autora). Ademais, Charney pontuou que os EUA ultrapassaram a posição do Conselho de Segurança no momento de aplicar o uso da força, debilitando, assim, o sistema da ONU e o dever dos Estados de manter a paz e harmonia.

Essa nova política marcou o início dos anos 2000 e continua a nortear boa parte da conduta da sociedade internacional. Exemplos disso são as inúmeras guerras do século XXI ou a grande hesitação em conceder refúgio e asilo às vítimas dessas guerras, pelo medo de elas serem o “inimigo”. Se os Estados deixarem de seguir as condutas e princípios previstos nos textos legais, medidas desproporcionais continuarão a ser tomadas, distanciando a sociedade internacional, como um todo, de seu maior norte, a cooperação, harmonia e paz entre as nações.


[1] No 11 de setembro ocorreram os atentados terroristas realizados pela Al-Qaeda contra as Torres Gêmeas e contra o Pentágono.

[2] Organização internacional responsável por mediar conflitos entre países e promover a paz entre as nações e a defesa dos direitos humanos.

[3] Órgão mais importante da ONU tido como o defensor da paz mundial em relação a potenciais problemas que possam comprometê-la. Seus Estados-membros permanentes são os EUA, Rússia, França, Reino Unido e China.

[4] A CIJ é o órgão judicial mais importante da ONU, responsável por julgar e solucionar disputas entre os Estados. O Nicaragua case é um dos casos referência da Corte, em que considerou-se que os EUA violaram o direito internacional ao apoiar os Contras em sua rebelião contra os sandinistas e ao minerar os portos da Nicarágua.

[5] Conjunto de princípios e métodos adotados pelo presidente George W. Bush para proteger os EUA depois dos atentados de 11 de setembro, consolidar a hegemonia americana no mundo. Parte do pressuposto de que os EUA, única superpotência global, têm o papel de proteger o mundo civilizado de terroristas. Disponível em: https://vestibular.uol.com.br/resumo-das-disciplinas/atualidades/doutrina-bush-presidente-eua-quer-consolidar-hegemonia-mundial.htm


Referências Bibliográficas:

BIAZI, Chiara. CARPIO, David. O terrorismo e o uso da força no Direito Internacional. Caderno do Programa de Pós-Graduação Direito UFRGS, Vol. 12, No. 2, pp. 89-117.

CHARNEY, Jonathan I. The use of force against terrorism and International Law. The American Journal of International Law, Vol. 95, No. 4 (Outubro, 2001), pp. 835-839. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/2674628.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 14ª ed. São Paulo: LTR: 2017.

SCUDELLARI, Theo. VEIGA, Victor. A proibição do uso da força nas relações internacionais: uma introdução - #1. Cosmopolita. 12 de Outubro de 2020. Disponível em: https://www.cosmopolita.org/post/uso-da-for%C3%A7a-1.


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