Joseph Goebbels, cineasta e ministro da propaganda da Alemanha Nazista, viu grande potencial e utilizou de emergentes sistemas de informação, como o rádio e a televisão, para disseminar ideologias supremacistas, entre elas os triângulos do holocausto. Durante a Segunda Guerra Mundial, Goebbels identificou os homens homossexuais com um triângulo cor de rosa invertido. Não se sabe ao certo o porquê da escolha do rosa, todavia, pela primeira vez a cor veio a ser associada à homossexualidade e penetrou no imaginário cultural como a cor “gay”.
Nessa acepção, o livro de memórias do teutônico austríaco Josef Kohout, pelo seu pseudônimo “Heinz Heger” publicado em 1972 “Die Männer mit dem rosa Winkel” (O homem com o triângulo rosa), colocou em pauta os direitos da população LGBTQIA+ ao narrar a perseguição nazi aos homossexuais, servindo como incentivo às organizações que lutavam em prol dos direitos da população homoafetiva, sobretudo na Germânia e nos Estados Unidos, as quais passaram a usar, em campanhas, o triângulo rosa como atributo, a fim de alavancar a consciência política em relação à contínua vexação.
“Os leprosos dos anos 80”
Em 1987, em razão da pandemia da AIDS, a organização ativista antiestablishment[1] ACT UP (AIDS Coalition to Unleash Power) utilizou o triângulo rosa como emblema central, juntamente à frase “Silence = Death” (Silêncio é igual morte) para disseminar cartazes em Nova Iorque, visando quebrar os paradigmas para com os portadores do vírus (vulgarmente cognominado como: “castigo de Deus”, “câncer gay” e “praga rosa”) e criar consentimento ao sexo seguro entre os homossexuais. Destarte, o rosa da homofobia e opressão começou a se transformar numa insígnia de resistência.
Diante disso, a adaptação do pôster original, apresentada pelo artista Keith Haring (1989), cobre o triângulo em figuras que materializam o ditado: "Não veja o mal, não fale o mal, não ouça o mal"; um trio de figuras cobrem seus olhos, boca e orelhas com ambas as mãos. Os componentes lançam forte culpa sobre aqueles que ignoraram as mortes de milhares, sobretudo pertencentes à comunidade Queer, comparando a epidemia a um genocídio planejado dentro de um regime nazista.
Marcado pelos icônicos pictogramas e sua linguagem visual única, inicialmente visando uma linha direta de comunicação com o público, Keith Haring ganhou notoriedade ao intervir com giz em todo o sistema metroviário nova-iorquino. O artista foi diagnosticado em 1988 como HIV positivo após começar a ter problemas respiratórios. O medo e a raiva o levaram a criar obras cada vez mais macabras e nebulosas. Em “Set of Ten Drawings”[2] (1988), o artista personifica o próprio vírus, retratando-o como um “esperma diabólico”.
Ademais, embora a epidemia da AIDS tenha causado um aumento da homofobia na década de 1980, a resposta da comunidade foi marcada pela solidariedade e forte apoio mútuo. Haring celebrou a homossexualidade confeccionando diversas obras homoeróticas alegres, sendo até hoje símbolo de orgulho pela liberdade sexual. A defesa do sexo seguro adotada pelo artista consiste numa abordagem direta e humorística, transformando pênis em personagens de cartoons, com mensagens objetivas, obtendo grande sucesso em alcançar os jovens. Haring condenou o governo estadunidense por não agir de forma eficaz à medida que a crise da AIDS se tornava mais proeminente.
Sabendo que seu tempo poderia ser curto e querendo ampliar suas contribuições, em 1989 o artista criou a “Fundação Keith Haring”, que ajuda instituições de caridade, jovens marginalizados e ONGs, no combate ao HIV. O artista sabia que sua dinâmica de trabalho nas ruas da metrópole era capaz de atingir as pessoas numa magnitude em que as galerias e museus não eram capazes. Em 16 de fevereiro de 1990, após um breve período durante o qual sua saúde piorou rapidamente, Keith Haring faleceu aos 31 anos devido a complicações relacionadas à AIDS.
“Viver como soropositivo não é fácil; não devido ao tratamento, como se pensa, mas sim por conta da sociedade, que persiste em perpetuar estigmas e falsas constatações. O tabu de se evitar falar sobre assuntos relacionados ao sexo semea o preconceito e principalmente o medo, sobretudo aos que vivem com HIV.
Muitas pessoas acreditam que HIV se transmite pelo ar, como COVID-19, que ficar perto de mim é contagioso; creem que somos tão perigosos ao ponto em que temem beber no mesmo copo que eu. O HIV não é uma sentença de morte e hoje tem tratamento, quem vive com ele e é indetectável não transmite e tem uma vida normal, assim como quem vive com diabetes e outras comorbidades.
Por fim, na hipótese de que fosse você vivendo com HIV, como acha que seria tratado pelos que estão ao seu redor? Caso sua resposta seja negativa, 1% do que lutamos diariamente. Naturalize quem vive como soropositivo, pois esse vírus não é mais perigoso como na década de 1980.”[…]. (Gabriel, soropositivo há três anos, 20 anos).
[1] Em tradução livre: anti estabelecimento; que de acordo com o dicionário Michaelis significa: pessoas ou grupos que se opõem à classe social daqueles que detém o poder e é considerada conservadora e convencional.
[2] Em tradução livre: Conjunto de dez desenhos
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