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Zabell Resende

Cinema: entre a linguagem e a estética há algo que deixamos de reparar


“O cinema não é só transfóbico, ele é misógino, branco, racista, elitista; ser transfóbico é só mais uma questão dentro do universo hierárquico que é o universo do cinema.” - Gabriel Lodi, ator e dublador.

As representações nas artes, bem como no cinema, ainda são escassas de uma ampla diversidade de culturas, etnias, gêneros, sexualidades e classes. Isso tudo porque a linguagem cinematográfica nasceu a partir de um discurso derivado de um sistema falho e hierárquico[1]. Ainda que nos dias atuais haja uma maior representatividade quando comparado ao início, o cinema persiste em apresentar fortes problemáticas relacionadas a essas formas de retratar grupos sociais diversos, além de ser um universo construído por uma linguagem artística branca, rica, cisgênera, heterossexual e misógina[2]. É o caso de um dos primeiros longas-metragens que deu início à linguagem cinematográfica clássica, o filme Nascimento De Uma Nação (1915) , de D.W. Griffith. Este filme apresenta uma imagem racista e cercada de ideais fascistas, além de ter construído a forma que tornaria o padrão dessa indústria ao retratar pessoas negras e transsexuais de uma maneira totalmente discriminatória e hostil.


Mesmo com as várias problemáticas que envolvem a construção da linguagem da 7ª arte, há produções que subvertem esses valores e buscam retratar todos aqueles corpos e olhares que apareciam em tela rodeados de estigmas sociais[3]. Um exemplo que contempla essa subversão é o curta NEGRUM3, que será abordado logo mais pelo texto.


Representatividade existe no cinema?

“Precisamos representar personagens contando nossas histórias através de nossos próprios corpos” - Gabriel Lodi, ator e dublador.

Não só Gabriel Lodi, ator brasileiro, mas todos os atores e atrizes transsexuais encontram questões relacionadas aos seus corpos e suas identidades durante o tempo de trajetória como artistas. Isso porque a representatividade trans no mundo e nas artes ainda é escassa e, ainda que exista, acaba sendo realizada por pessoas cisgêneras. Mas então quer dizer que não existem narrativas que contemplem essas pessoas?


Na verdade, narrativas que dão vozes a esses grupos existem e estão aí para subverter o que o cinema inicial construiu perante a imagem de grupos sociais. Desse modo, citarei um documentário nacional que, além de retratar essas pessoas, dá voz e poder para que elas falem sobre seu cotidiano, documentando toda uma luta que ocorre diariamente em suas vidas. O curta metragem NEGRUM3 (2018, de Diego Paulino), propõe um mergulho na caminhada de jovens negros da cidade de São Paulo. É um ensaio sobre negritude, sexualidade e “aspirações espaciais dos filhos da diáspora”, como é colocado em sua sinopse. É uma produção realizada pelo edital da Spcine e que tem uma grande fase de pesquisa e entrevistas com personalidades negras que pensam sobre isso e fazem da estética uma ferramenta política.


O curta usufrui da performance de pessoas, que em momentos diversos da história do cinema foram apagadas ou tiveram seus corpos e almas estigmatizados, para recriar todo um cenário estético voltado para a performance corporal delas, criando um ambiente de manifesto e libertação. Vale muito a pena entrar em contato com essa produção, uma vez que ela é uma das grande maneiras de desfrutar de uma linguagem artística criada por aqueles que oprimem, mas que é subvertida com a apropriação desse espaço para revoltar-se e criar uma nova estética.


Cartaz do curta NEGRUM3. Acesso em: https://reptilia.art.br/portfolio/negrum3/

Com isso, é importante que tenhamos em mente que, por mais que o cinema tenha sido inventado em um meio hostil e de opressão, ele também é a arte dos marginalizados e que pode vir a ser uma ferramenta usada para expor revoluções, documentar os corpos invisibilizados e criar novas estéticas cinematográficas de lutas e protestos. Por isso é tão importante que olhemos para todos os tipos de produções artísticas para além das que são majoritariamente estrangeiras e mais voltadas a uma indústria lucrativa e comercial. Porém, isso não quer dizer que deixaremos de consumir produtos assim, mas que também precisamos treinar nossos olhares para outros tipos de manifestações dessa arte.


[1] hierárquico: representa uma ordem que coloca as pessoas ou atividades em ordem de subordinação umas em relação às outras.

[2] misógina: expressões e comportamentos que sinalizam desprezo, repulsa, desrespeito ou ódio às mulheres.

[3] estigmas sociais: são uma forte desaprovação de características ou crenças pessoais, que vão contra normas culturais. Estigmas sociais frequentemente levam à marginalização.


Referências bibliográficas


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