**Sobre a autora: Zabell é estudante de cinema pela Universidade Federal de São Carlos, tem 22 anos e atualmente mora em São Carlos. Na faculdade, tem como ênfases som e roteiro, além de fazer edições de vídeo e foto. Seus principais interesse são filmes do gênero de horror e suspense, bem como a cultura pop e música. Na revista, escreve artigos mensalmente e participa da equipe de engajamento. Também faz parte de um coletivo audiovisual denominado Por1Fio, originado por um grupo de estudantes do curso de cinema.
Primeiramente, precisamos pensar na seguinte questão: o que um zumbi representa em nosso imaginário coletivo, ou melhor, sobre o que realmente estamos dialogando quando inserimos um zumbi dentro de uma narrativa?
Pensando nessa pergunta, há o zumbi que se estabeleceu na cultura pop como um monstro cheio de regras e muito bem definido, no entanto, quando pensamos na história e no surgimento do zumbi, ele possui diversas representações ao longo das ficções que o retrataram (GUIMARÃES, 2023).
Assim, desde a década de 1930 até os dias atuais, a figura do zumbi vem sendo utilizada para retratar diversos medos de certos grupos sociais. Por exemplo, em “A Morta-Viva” (1943), é retratado o medo dos homens brancos pela rebelião dos escravizados, em “O cadáver Atômico” (1955), é retratada a paranoia em relação à utilização de armamentos nucleares, em "Resident Evil” (1996), é representado o medo literal de uma contaminação global por um vírus (pandemia). No entanto, algo que aparece de forma constante é o elemento humano, por meio do qual se desenrola um medo que reflete a nossa sociedade: o medo do outro, do diferente, do estranho, do exótico, do estrangeiro (GUIMARÃES, 2023).
Zumbis, tecnicamente, não são humanos. Mas e se fossem? Essa premissa aparece no livro “Eu Sou a lenda”, de Richard Matheson (1954), que surge para quebrar os pensamentos da época e colocar em questão o zumbi como apenas um monstro de ficção, explorando seu lado humano e evidenciando que ele não é apenas um monstro, mas uma metáfora que aponta o medo que nós possuímos do outro, do diferente. Nesse livro, há a demonstração de uma culpa branca existente na tentativa de reparar os séculos de escravização e assassinato de povos negros, indígenas e originários, que seriam o “outro” da época e que foram e ainda são desumanizados pelas estruturas de controle sociais (escolas, universidades, igrejas, governos, polícia, entre outras) constituídas e fundadas por pessoas brancas (GUIMARÃES, 2023).
Uma representação de zumbi que acabou sendo bem importante para a crítica social de sua época - e é até hoje - é a que aparece no filme “Madrugada dos Mortos” (1978), no qual foi utilizada a figura do zumbi como um retrato da sociedade consumista norte-americana (GUIMARÃES, 2023). No entanto, o filme acabou sendo bem mais do que isso, porque demonstra de forma crítica e satírica a sociedade estadunidense. Uma crítica cinematográfica ao filme publicado pela revista Far Out[1] diz o seguinte:
“Em Madrugada dos Mortos, assim como no mundo profundamente falho que habitamos, são os grupos minoritários que são perseguidos pelos aparatos repressivos do governo quando o apocalipse chega. As pessoas pensam duas vezes antes de matar crianças zumbis, mas não hesitam quando se trata de atirar umas nas outras. Neste ponto, Madrugada dos Mortos deixa de ser só um filme de terror sofisticado que se tornou um clássico cult. É o documentário profético de Romero sobre os Estados Unidos, um país onde as autoridades governamentais, rednecks e motoqueiros são mais aterrorizantes do que zumbis reais “ (BOSE, 2023).
Fugindo um pouco do mundo cinematográfico, mas ainda perpassando o mundo do audiovisual, a música "Zombie", da banda The Cranberries, foi escrita justamente como uma reação à escalada de violência que vitimou duas crianças em 1993 por meio de um bombardeio causado pelo exército republicano irlandês na cidade de Warrenton, na Inglaterra. Assim, a música acaba servindo como um alerta para a desumanização de vítimas em conflitos territoriais, ou seja, para quem lucra com a guerra, civis mortos são apenas uma fatalidade, corpos sem alma e prontos para morrer, assim como os zumbis da ficção, já os agentes de exército são apenas máquinas controladas de destruição.
Por fim, a figura dos Zumbis ainda é relevante nos dias atuais pois estabelece uma crítica perante como enxergamos o outro, o que é desconhecido, além de criticar a forma como nossa sociedade lida com aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social e cuja sua morte gera lucro.
[1] Far Out é uma revista britânica de cultura online, sediada em Londres e fundada em 2010. Far Out se concentra na cultura independente e alternativa, analisando música, filmes e artes, juntamente com entrevistas relativas e listas de reprodução selecionadas.
Referências Bibliográficas
THE CRANBERRIES - Zombie (Official Music Video).Composição: Dolores O’Riordan. Gravação de The Cranberries. [S. l.: s. n.], 1994. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6Ejga4kJUts. Acesso em: 3 abr. 2023.
POR QUE o Apocalipse Zumbi ainda é relevante?. Direção: Thiago Guimarães. Produção: Thiago Guimarães. Roteiro: Thiago Guimarães. [S. l.: s. n.], 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jlKvoq3C0dw. Acesso em: 3 abr. 2023.
BOSE, Swapnil Dhruv. ‘Dawn of the Dead‘ shows consumerism is the real apocalypse. Film, [s. l.], 3 abr. 2023. Disponível em: https://faroutmagazine.co.uk/dawn-of-the-dead-shows-consumerism-is-the-real-apocalypse/. Acesso em: 3 abr. 2023.
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