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Marina Schuwarten

Lei de alienação parental como instrumento de perpetuação da violência de gênero

Ao contrário do que muitos pensam, a Lei de Alienação Parental não tem protegido o direito de crianças e adolescentes, mas vem sendo utilizada como instrumento de violência de gênero e favorecendo genitores agressores que, na maioria dos casos, estão sendo processados por violência doméstica e até mesmo abuso sexual. Nesse contexto, a Lei 12.318/10 tem sido pauta de discussão por ter sua validade e aplicação constantemente questionadas.

Mães protestam na Câmara contra Lei da Alienação Parental (disponível em https://www.metropoles.com/brasil/maes-protestam-na-camara-contra-lei-da-alienacao-parental)

O conceito da “síndrome” em que a Lei se pauta não está fundamentado em estudos científicos e não há registros de que outros países tenham mantido legislações semelhantes, muito pelo contrário, a revogaram. A partir da constatação de que a Lei estava sendo utilizada de forma equivocada, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)[1] foi proposta perante o STF, visando a revogação da Lei de Alienação Parental.


Para contextualizar, a teoria da Síndrome de Alienação Parental (SAP) foi criada na década de 80 pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner e teria por característica a rejeição a um dos genitores por conta da “lavagem cerebral” exercida pelo outro genitor, que seria o “alienador”, objetivando que a criança desprezasse o genitor em questão.


É importante citar que as teses de Gardner têm uma origem misógina e pró-pedofilia, pois ele as criou para defender homens acusados de violência contra mulheres e abuso sexual contra os filhos. Ele atuava como perito em processos de divórcio, guarda e alimentos e usava a estratégia de desacreditar as vítimas e inverter os papéis, culpabilizando a vítima e inocentando o agressor.


Além de ter uma origem completamente reprovável, a teoria da Síndrome de Alienação não tem nenhuma validade científica, não é reconhecida como doença pela Associação de Psiquiatria Americana ou pela Organização Mundial de Saúde, tampouco tem um CID. Na verdade, trata-se apenas de mais uma tese não aceita pela comunidade acadêmica e pelos Tribunais mais prestigiados.


No Brasil, o Projeto de Lei foi proposto por um deputado do Partido Social Cristão e em sua justificativa há diversas fontes informais, como Associações “Pais para Sempre” e “Pai Legal”, na tentativa falha de atribuir alguma legitimidade à fundamentação. Não houve cooperação de nenhuma associação que defenda o direito das crianças e adolescentes ou mulheres.


Em toda a tramitação do Projeto, houve apenas uma audiência pública (onde especialistas no assunto puderam ser ouvidos). Contudo, só foram chamados representantes que eram favoráveis à teoria e ao projeto, exceto por uma psicóloga representante do Conselho Federal de Psicologia, que propôs uma ampla discussão com a sociedade e outros segmentos, aprofundando-se mais no assunto, o que se percebe que não foi feito.


O Projeto foi colocado em pauta para votação de última hora, no meio de uma noite durante a Copa das Confederações. Dessa forma, suspeita-se que os deputados não tinham conhecimento aprofundado sobre o que estavam votando.


Pois bem. Enquanto muito se discute sobre a alienação parental, há algo que é terrivelmente ignorado: as falsas acusações e as consequências disso, principalmente na vida das crianças e suas mães.

Frases são projetadas em apoio à revogação da Lei de Alienação Parental (disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/08/18/frases-sao-projetadas-em-apoio-a-revogacao-da-lei-de-alienacao-parental)

A Lei prevê que qualquer um dos genitores possa ser alienador, sim, é verdade. Mas, o que vemos, na realidade, é que a maioria das alegações de alienação parental são feitas por homens que já não moram mais com seus filhos, conforme pesquisas, como “Alegações de Alienação Parental: uma revisão sobre a jurisprudência brasileira”.


Há uma falsa expectativa de que a Lei e o Juiz sejam capazes de resolver situações complexas que envolvem conflitos familiares, que vêm naturalmente do rompimento de relacionamentos e outras situações, principalmente após a Lei de Alienação Parental, que minimiza a expectativa de resolução das diferenças na divisão de responsabilidades dos genitores à meras “picuinhas” das mães, envaidecidas por sentimentos de vingança e inconformidade com o divórcio.


Na realidade, há muitos fatores que levam uma criança a negar um genitor, como falta de convívio, abandono afetivo, abusos, medo etc. Contudo, em um contexto de alegações de alienação parental, qualquer comportamento mais protetivo da mãe já é interpretado como sinal de que há uma tentativa materna de impedir o contato e alienar a criança, quando, na verdade, pode ser apenas uma postura combativa (e cansada) frente ao descaso do pai, que aparece quando quer, fazendo exigências descabidas.


Os filhos são, por diversas vezes, expostos a danos desnecessários por conta de uma alegação falsa e o genitor que é falsamente acusado pode não suportar tal sofrimento, afetando de fato seu relacionamento com o filho e não conseguindo provar sua inocência.


Não bastasse tudo isso, a Lei de Alienação Parental também é uma iminente ameaça às vítimas de abuso sexual, porque acaba desencorajando de serem feitas denúncias por medo de uma acusação falsa retirar seus direitos, visto que as provas são frágeis e muitas vezes a criança ou adolescente leva muito tempo até buscar ajuda.


Uma questão importante é que as crianças e adolescentes não iriam ficar desprotegidas com a revogação[2] da Lei, porque além da Lei de Alienação Parental não inovar em nada, uma vez que já há instrumentos suficientes no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente capazes de proteger os direitos das crianças e adolescentes que passam por algum tipo de abuso parental, não há qualquer registro de impacto positivo dessa legislação, evitando conflitos. Revelando, assim, a desnecessidade de manutenção da Lei de Alienação Parental.


É importante mencionar que a sociedade está em constante evolução e o Direito não é capaz de acompanhar essas mudanças. Nem sempre as leis são justas ou sua manutenção é justificável, cabendo mencionar, neste ponto, que a escravidão era lei, por exemplo. Assim, conclui-se que, no caso da Lei de Alienação Parental, ela não atende sua finalidade de proteção integral da criança, visto que não há nenhuma credibilidade científica e suas consequências são graves.

Feministas goianas participam de ato contra a Lei da Alienação Parental (disponível em https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/feminismos/feministas-goianas-participam-de-ato-contra-a-lei-da-alienacao-parental-346907/)

O objetivo deste texto não é, de forma alguma, negar que existem situações conflituosas nas famílias envolvendo crianças e adolescentes, mas sim afirmar que essas práticas não decorrem de “alienação parental” e sim de um abuso do poder familiar[3] e que há instrumentos necessários para controlar essa situação e proteger os direitos das crianças e dos adolescentes, sem reforçar estigmas de gênero sobre as mães.


[1] A Ação Direta de Constitucionalidade trata-se de um processo que tem por objetivo declarar que uma lei (ou uma parte dela) é contrária à Constituição Federal Brasileira, ou seja, inconstitucional.

[2] A revogação de uma lei nada mais é que o momento em que a mesma perde sua vigência, não sendo mais válida.

[3] O poder familiar (antigamente conhecido como pátrio poder) é a responsabilidade dos adultos (geralmente os genitores) para com as crianças/adolescentes. São deveres de quem tem o poder familiar o sustento, alimentação, saúde, educação, etc. O abuso do poder familiar acontece quando o indivíduo ultrapassa os limites de sua responsabilidade, como por exemplo quando há castigos sem moderação, abandono da criança, não cumprimento dos seus deveres como responsável, maus tratos, prática de atos contrários à moral e bons costumes etc.



Referências bibliográficas

ALONSO, Felício; ALONSO, Patrícia. Nasce uma lei: alienação parental, o lado obscuro da justiça brasileira. Editora Assaí, São Paulo, 2016.

CONANDA. Nota Pública do Conanda sobre a Lei da Alienação Parental Lei - N° 12.318 DE 2010 - 30/08/2018. Disponível em: <https://www.direitosdacrianca.gov.br/documentos/notas-publicas-dos-conanda/notapublica-do-conanda-sobre-a-lei-da-alienacao-parental-lei-ndeg-12-318-de-2010-30-08-2018/view>. Acesso em 09 de set. de 2021.

FERREIRA, Cláudia Galiberne; ENZWEILER, Romano José. Síndrome da alienação parental, uma iníqua falácia. 2014. Disponível em: <https://revista.esmesc.org.br/re/article/view/97/84>. Acesso em 09 de set. de 2021.

SÃO PAULO. Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Nota Técnica Nudem nº 01/2019. Assunto: Análise da lei federal 12.318/2010 que dispõe sobre “Alienação Parental”. São Paulo, 2019.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado n° 498, de 2018. Ementa: Revoga a Lei da Alienação Parental. Fonte Agência Senado. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/134835 >. Acesso em 09 de set. de 2021.

SOUSA, Analicia Martins. Alegações de alienação parental: uma revisão sobre a jurisprudência brasileira. In: BORZUK, Cristiane Souza e MARTINS, Rita de Cassia Andrade (Org.). Psicologia e Processos psicossoais. Goiânia: Editora da Imprensa Universitária, 2019.


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