Recentemente, os clubes de futebol brasileiros Athletico Paranaense e Coritiba foram punidos por confrontos ocorridos entre torcedores na ocasião do clássico disputado em fevereiro de 2022. O Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná decidiu que apenas mulheres e crianças de até 12 anos poderiam adentrar no estádio mediante a doação de 1kg de alimento.
As arquibancadas sem a presença masculina durante os jogos foi pauta ao redor do mundo, com ótima repercussão, principalmente sob a percepção feminina, dado que precisam enfrentar a cultura machista no futebol ao acompanharem seu time.
Os relatos de assédio nos estádios são comuns, mas essa não é a única forma de violência cometida contra as torcedoras, uma vez que o machismo se faz presente desde as rodas de conversa sobre futebol, onde as opiniões femininas são menosprezadas e invalidadas; muitas vezes as mulheres precisam “provar” que gostam de verdade do esporte e que merecem aquele espaço. Nas palavras de Leda Maria da Costa:
Para os homens criados desde pequenos em contato com a bola e desde cedo fazendo dela assunto compartilhado em rodas de amigos, o interesse e o conhecimento acerca do futebol são tomados como auto-evidentes. Já as mulheres, quase sempre dissociadas do esporte mais popular do país, ainda precisam mostrar que não apenas gostam, mas que também são capazes de compreender o futebol em seus múltiplos aspectos. Elas carecem de credibilidade como torcedoras. (COSTA, 2007, p. 2).
Embora as mulheres representem boa parte da população brasileira, elas são minorias em muitos lugares e tal fato é um reflexo da sociedade em que vivemos; nos estádios, não é diferente.
Para que essa realidade mude algum dia, é necessário muito mais do que apenas um jogo sem a presença de homens, pois isso não atinge a raiz da problemática. É fundamental que haja uma conscientização não só por parte dos torcedores, mas dos times também.
A gestão dos clubes precisa ser capaz de captar as necessidades das torcedoras, trazendo soluções integrativas de qualidade e inserindo-as nos valores da instituição. Há vários casos em que, na tentativa de acertar e agradar o público feminino, os times se mostraram ainda mais machistas e incompreensíveis quanto aos pleitos das torcedoras. Exemplos disso são as campanhas contra o assédio nos estádios, mas nenhum apoio para que haja denúncia dos atos criminosos.
Ademais, campanhas de publicidade são capazes de revelar a falta de preparo dos clubes para lidar com o assunto ou indicar a devida importância sobre o tema. Em alguns casos, o “tiro sai pela culatra” e é alvo de críticas. Em outros, a problemática é bem abordada, sendo possível citar uma campanha do Cruzeiro Esporte Clube em parceria com AzMina no Dia Internacional da Mulher de 2017, em que o time entrou em um jogo da Copa do Brasil usando uniformes com números que expunham estatísticas da desigualdade sofrida pelas mulheres. A referida campanha foi premiada com o Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes, na França.
Ações para conscientização e combate ao machismo e à misoginia deveriam ser realizadas durante todo o ano, porque é isso que as mulheres enfrentam diariamente. No caso do mundo futebolístico, especialmente como torcedoras, elas são alvos de estereótipos como “modinhas”, “marias-chuteira” ou “as que embelezam o estádio” (STAHLBERG, 2009), o que por si só dificulta o simples ato de torcer e admirar o esporte.
Contudo, existem avanços no que tange às mulheres no futebol, como por exemplo a inserção delas como profissionais do meio, produtos e eventos dedicados às torcedoras e torcidas femininas organizadas pelo país. Para a autora Leda Maria da Costa, “o fato é que as torcedoras de futebol vêm ganhando visibilidade, estimulando, desse modo, novas formas de composição identitária feminina, assim como, criando um público apreciador e consumidor de futebol que traz para esse esporte diferentes demandas e significados.” (COSTA, 2007, p. 22).
A ocupação desse espaço pelas mulheres é, sobretudo, política. Assim como nos outros espaços da sociedade, é preciso se preocupar com a roupa, com as palavras e os modos ao tentar exercer uma atividade que para os homens é comum. Mesmo diante de tantos obstáculos, as torcedoras seguem resistindo e aumentando sua presença, autonomia e isonomia nas arquibancadas.
Referência bibliográficas
COSTA, Leda Maria da. “O que é uma torcedora? Notas sobre a representação e auto representação do público feminino do futebol”. Esporte e Sociedade. v. 2, n.4, nov/2006-fev/2007.
ECOTEN, Márcia Cristina Furtado; CORSETTI, Berenice. A mulher no espaço do futebol: um estudo a partir de memórias de mulheres. Fazendo Gênero, v. 9, p. 1-11, 2010.
FILHO, Mamede. “Mulheres e o futebol: uma voz cada vez mais alta nas arquibancadas do Brasil”. Itatiaia, 2023. Disponível em https://www.itatiaia.com.br/editorias/esportes/2023/01/17/mulheres-e-o-futebol-uma-voz-cada-vez-mais-alta-nas-arquibancadas-do-brasil. Acesso em 01 de abr. de 2023.
FONTES, Juliana. “Lugar de mulher é na arquibancada”. Gazeta do Povo, 2020. Disponível em: https://especiais.gazetadopovo.com.br/esportes/lugar-de-mulher-e-na-arquibancada/. Acesso em 01 de abr. de 2023.
MORAES, Carolina Farias. As torcedoras querem torcer: tensões e negociações da presença das mulheres nas arquibancadas de futebol. Seminário Internacional Fazendo Gênero, 2017, 11.
STAHLBERG, Lara Tejada. Jogando em vários campos: torcedoras, futebol e gênero. Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
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