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Esther Martins de Carvalho Oliveira

Nota introdutória acerca dos direitos humanos

Atualizado: 3 de out. de 2021

O presente artigo possui como objeto de estudo os direitos humanos fundamentais, propondo-se a construir uma análise sob a perspectiva histórica e evolutiva destes direitos no plano internacional e, principalmente, nacional. O objetivo principal desta análise é tornar clara a importância contemporânea exercida por tais direitos para a humanidade, sobretudo em meio ao atual cenário político e social de desrespeito e de sistemática violação destes no Brasil. A questão fundamental é promover debate no campo dos direitos humanos ressaltando sua relevância política, social e cultural.

A priori, devemos definir os direitos humanos como os direitos fundamentais da pessoa humana cujo objetivo primordial é a proteção das liberdades individuais e da dignidade humana, como caminho de garantir o pleno desenvolvimento de cada ser humano em sua individualidade, sem qualquer forma de discriminação. Entende-se que os direitos humanos sejam direitos universais, uma vez que todos gozam da proteção de tais direitos pelo fato de serem pessoas, independentemente da nacionalidade, da origem étnica, do gênero e de fatores religiosos, políticos, culturais e econômicos.

Deste modo, têm-se que os direitos humanos são (I) universais pois devem contemplar a todos; (II) indivisíveis na medida em que não podem ser fracionados entre as pessoas e; (III) interdependentes ao estarem vinculados entre si para o alcance da plena preservação da dignidade humana.

Os direitos humanos exercem grande importância no plano nacional e internacional ao permitirem o desenvolvimento e a proteção de esferas de autonomia dos indivíduos perante o poder estatal. Nestes termos, esses direitos nos protegem contra as arbitrariedades dos Estados, vinculando internamente as legislações dos países, que devem ser interpretadas consoante às diretrizes e princípios dos direitos humanos. Assim, compreende-se que os direitos humanos trazem um ideal e patamar mínimos de proteção à pessoa humana para todos os povos e nações. Neste ponto, já é possível delinear a relevância deste objeto de estudos na contemporaneidade, principalmente, perante a estruturação de governos tirânicos e opressores que desafiam as instituições democráticas e a liberdade dos cidadãos.

Do ponto de vista histórico, os direitos humanos possuem origem internacional, datada no ano de 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em seu primeiro artigo a declaração prevê que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, e que todos devem agir com espírito de fraternidade em relação aos outros, determinando a não discriminação na garantia desses direitos. Essa declaração emergiu em um contexto de reconhecimento que o desprezo pelos direitos das pessoas humanas levou a humanidade a verdadeiras atrocidades, como os campos de concentração e as câmaras de gás durante a Segunda Guerra Mundial.

De acordo com a Declaração Universal de 1948 os direitos fundamentais do ser humano dividem-se em direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais. Ausente a intenção de exaurir o rol dos direitos previstos, têm-se que o primeiro grupo de direitos confirmam o direito à liberdade em sentido amplo, e dentre eles destacam-se o direito à vida, o direito à liberdade de expressão e a proibição da escravidão. No que diz respeito ao segundo grupo, compreende-se ser dever positivo do Estado a garantia de seu exercício pelos seus cidadãos. Neste grupo estão inseridos o direito à educação, o direito à saúde, o direito à seguridade social, e outros.

A grande importância exercida pela sistematização internacional de proteção dos direitos da pessoa humana consiste em suas finalidades ideais que são (i) a proteção de todos os seres humanos como integrantes iguais da sociedade nas diferentes nações; (ii) a proteção de segmentos específicos da sociedade em razão de suas especificidades e do grupo ao qual pertencem, como a proteção às mulheres ou aos imigrantes; (iii) e a proteção de indivíduos que se encontram em situações de ameaça direita e iminente aos seus direitos, como as pessoas sob regime ditatoriais ou em meio a conflitos armados dentro de seus países.

Em nosso cenário nacional, o reconhecimento dos direitos humanos segue as diretrizes internacionais, buscando sua proteção e garantia com as mesmas finalidades acima postuladas. A Constituição Federal Brasileira integra em suas normas e princípios a inviolabilidade dos direitos fundamentais, que são cláusulas pétreas, visando as garantias legais da pessoa humana no contexto interno em prol da consolidação do estado de direito. Todavia, sob perspectiva geral, o processo de construção e de reconhecimento nacional destes direitos é inacabado e desde o início sofre graves ataques devido ao pouco apreço pelos direitos humanos em nosso país.

No Brasil a incorporação dos direitos humanos, previstos no plano internacional, à legislação constituiu um lento processo. No desenvolvimento evolutivo das Constituições brasileiras, que apresenta como marco inicial a Constituição de 1824, foram sendo integradas, gradualmente, previsões importantes para a proteção da dignidade e liberdade humana. Tendo em vista que a primeira Constituição brasileira (1824) foi elaborada durante o período da escravidão, não havia ainda qualquer preocupação com a garantia dos direitos humanos, o texto desta legislação, inclusive, não concedia status de pessoa à população negra.

As mudanças mais efetivas decorrem da Constituição de 1934 que previa o voto secreto, o direito ao voto das mulheres e incipiente legislação no campo dos direitos trabalhistas. Após, em 1946, o texto constitucional determinou o voto universal e secreto e as liberdades civis. Contudo, a insuficiente e descontínua experiência de um estado de direitos desenvolvida até então foi interrompida pela ditadura militar de 1964, na qual vigoraram violações às liberdades civis, limitações dos direitos políticos, torturas físicas e psicológicas, censura e encarceramentos arbitrários.

Somente com a Constituição de 1988, chamada de “constituição cidadã”, uma série de direitos e garantias fundamentais foi incorporada à nossa legislação. Esta Constituição atual prevê como fundamento primordial a dignidade da pessoa humana e nesta lógica elenca em seu artigo quinto extenso rol de direitos sociais e fundamentais de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país.

Apesar disto, ao nos voltarmos à realidade que enfrentamos, torna-se evidente a sistemática violação e negação destes direitos como produto de uma sociedade desigual. Perante desmoronamento das instituições democráticas não apenas no Brasil, mas também em outros países, há o fortalecimento aberto de discursos de ódio e de perseguições à grupos políticos e sociais, ambos endossados por figuras políticas do poder executivo e do poder legislativo, restringindo, desse modo, as liberdades civis dos brasileiros.

Este cenário se agrava mediante a crise de saúde pública. A pandemia deixou muito evidente a importância central de um Estado forte, com capacidade para amparar a população, sobretudo a população mais pobre e em situação de maior vulnerabilidade social. Com os aparelhos escolares fechados, a desigualdade nas condições de formação escolar se aprofundou, ademais, sem as refeições na escola, muitas crianças e jovens passaram a sofrer com a realidade da fome. No tocante ao direito à saúde, frente aos índices alarmantes de morte, a pandemia também evidenciou a importância de um sistema público de saúde, garantido acesso a toda população.

Dito isso, as penúrias oriundas da pandemia nos servem para maior compreensão da relevância política, social e cultural dos direitos humanos e acima de tudo de sua garantia. A discrepância entre as previsões constitucionais e a atuação estatal concreta é gritante. Salienta-se que a luta em defesa dos direitos humanos é integral e indivisível, o que significa que é dever do Estado prezar pelo acesso de todas as pessoas a todos os direitos, sem permitir exclusões.


Marielle Franco, símbolo da luta pelos direitos de cidadania com a pauta da diversidade no Brasil. Brutalmente assassinada em 2018.


Malala simboliza a luta pelos direitos humanos no plano internacional. No ano de 2014, ganhou o Nobel da Paz aos 17 anos.


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