Você sabe o que está acontecendo na Palestina? O que é esse confronto com Israel? Provavelmente você deve ter visto algo sobre.
Recentemente, o judoca argelino Fethi Nourine desistiu das Olimpíadas 2020 para evitar um confronto com o atleta israelense, Tohar Butbul. Fethi afirma que seu apoio à Palestina era mais importante do que a competição. Mas então, o que está acontecendo por lá? Para entendermos o conflito, precisamos voltar no tempo. O caminho é longo, e pode parecer confuso, e por isso é importante entendermos alguns conceitos.
A Palestina é uma área localizada entre o Mediterrâneo, o Rio Jordão e o Mar Morto. O espaço geográfico pertencia totalmente à Palestina até 1948, mas hoje está dividido em três regiões: uma parte corresponde à Israel e as outras duas, ao Estado da Palestina. Porém, todos esses espaços estão ocupados por israelenses, e o povo palestino está distribuido entre outros países ou territórios destinados aos refugiados.
Sionismo é definido como uma ideologia política, que além da posição nacionalista, assume também um caráter colonialista. E essa informação é muito importante. O movimento tem como propósito defender a autodeterminação do povo judeu e leva-los á terra prometida, "uma terra sem povo para um povo sem terra". O problema é que essa terra já tinha um povo.
Com o tempo, o movimento foi crescendo e ganhando poder, e o que era uma legítimabusca por segurança política, econômica e religiosa, tornou-se um projeto de dominação de território palestino, com o mínimo de palestinos dentro. Com a manipulação do direito de autodeterminação do povo judeu, o Sionismo incorporou um novo elemento: o direito de um Estado, e com isso, a criação do Estado de Israel.
O Estado se difere de Nação. Nação é um conjunto de características culturais, como tradições e línguas, e tem um caráter subjetivo e humano. Enquanto o Estado é uma organização que controla e administra uma nação, uma definição de ordem jurídica. Nesse sentido, uma das estratégias usadas por Israel para confundir os discursos é fazer com que acreditem que quer ser antissionista é o mesmo do que ser antissemita, o que é uma mentira. O antissionismo é a oposição ao movimento Sionista e Antissemitismo é a aversão, preconceito, hostilidade ou discriminação contra os semitas. Logo, ser contra o antissemitismo é um dever de todos.
Todo judeu é sionista?
Não, muitos judeus não concordam com o que se tornou o movimento sionista. Existem casos de pessoas que preferem esconder sua crença e descendência, por não concordar com o que Israel vem fazendo, o que afeta diretamente a identidade dessas pessoas. Uma outra estratégia usada para manipular os discursos, é o fato de que você pode ter cidadania, mas não nacionalidade israelense. E por existir apenas nacionalidade judaica, mistura-se legalmente o judaísmo com o Estado Israel.
O Sionismo surgiu por causa do holocausto nazista?
Algumas pessoas acreditam que o movimento surgiu com a necessidade de ajudar os judeus durante a segunda guerra mundial, o que não é verdade. O movimento surgiu no fim do século 19, por Theodor Herzl (1860-1904), que defendia que o lar para os judeus deveria ser em "Sião".
E após o fim da primeira guerra mundial, em 1920, a Palestina passou para o chamado “Mandato Britânico”, uma administração civil britânica que operou até 1948. Porém, antes mesmo da Palestina estar sob o controle britânico, foi publicado em 2 de novembro de 1917 a Declaração de Balfour, um documento de 67 palavras que apoiava a constituição de uma "pátria nacional" judaica na Palestina.
“O Reino Unido, situado entre as duas frentes, tentava evitar a violência dos dois lados e limitar cada vez mais a imigração judaica para a região. Em 1939, ficou estabelecido que somente mais 75 mil judeus poderiam se instalar na Palestina. Na época do Holocausto nazista, tratava-se de uma decisão completamente fora da realidade. A partir de 1944, o estabelecimento de judeus na Palestina foi oficialmente vetado, a fim de assegurar aos Aliados o apoio dos palestinos árabes na guerra. [...] Tais posições não puderam ser sustentadas por Londres durante muito mais tempo, uma vez que os conflitos entre árabes e judeus tornavam-se cada vez mais frequentes.” (Peter Philipp, 2020).
Durante a segunda guerra, a ideia sionista se fortaleceu, e em 1947, por meio da resolução 181, a ONU realizou a partilha da Palestina. E mesmo com uma população muçulmana três vezes maior que a de judeus, a divisão ficou da seguinte forma: 55% da terra para os judeus e 45% para os muçulmanos, cerca de 11.500 Km² para aproximadamente 1,3 milhões de palestinos e 14.500km² para os 700 mil judeus.
Como resposta, alguns países da Liga Árabe declararam, entre maio de 1948 e janeiro de 1949, a Primeira Guerra Árabe-Israelense. Israel teve um grande apoio dos Estados Unidos da América, ganhando a guerra e conquistando um aumento territorial. Cerca de um milhão de palestinos foram expulsos, e este êxodo palestino ficou conhecido como Nakba.
Porque os EUA se interessam em defender Israel?
Muito além do petróleo, os Estados Unidos se interessam por Israel por diversos motivos: (i) para eles, Israel foi refém da influências das ideias marxistas e o avanço da URSS na região; (ii) eles serviram como apoio aos estadunidenses durante a guerra fria; (iii) o Estado de Israel provocou uma corrida armamentista que fez com que as vendas bélicas aumentassem, (iv) a afinidade ideológica, (v) a associação dos serviços de inteligência,(vi) a aliança militar, entre outros.
O poder militar de Israel
Como citado anteriormente, a ideia é garantir o maior espaço palestino, sem palestinos dentro. E são as Forças de Defesa de Israel (exército, marinha e aeronáutica), abreviadas como FDI ou IDF, as responsáveis por isso. Com o alistamento obrigatório para homens e mulheres, exceto para os árabes que residem na região, são consideradas uma das forças mais organizadas e experientes do mundo, que funciona sob um comando unificado, liderado pelo Chefe do Estado-Maior Geral.
Considerado de grande importância, recebe um alto investimento. Em 2014, 5,87% do PIB foi utilizado pela FDI, proporcionalmente maior que os gastos da Rússia e dos EUA, ficando atrás apenas da Arábia Saudita, que gastou mais de 50% do PIB em poder militar.
Com expulsão em massa, assassinatos e táticas políticas coloniais, Israel promove uma limpeza étnica de palestinos com esse exército nas ruas. Em 1948, aproximadamente, 530 vilas palestinas foram destruídas e essas pessoas perderam seus lares. Para Israel, a Palestina é uma ameaça demográfica.
Existe Apartheid em Israel?
Os israelenses defendem que não, já que, segundo eles, os residentes palestinos têm direitos garantidos como votar, se eleger e não existem leis discriminatórias contra os mesmos. Porém, desde 2000, Israel vem criando leis discriminatórias, como por exemplo: (i) a Lei de Cidadania e Entrada em Israel, que impede que cônjuges de cidadãos israelenses obtenham automaticamente vistos de residência e cidadania se forem procedentes de Territórios
Palestinos ou de países considerados hostis (como Irã, Líbano, Síria e Iraque); (ii) a Lei do retorno, que garante o direito de retorno de Judeus e nega aos palestinos (inclusive nas áreas governadas pela Palestina); (iii) a Lei de Terras de Israel, que acaba impedindo que não judeus aluguem ou comprem casas e terrenos estatais; e (iv) a Lei da Nakba, que permite que as autoridades retirem o financiamento público de qualquer instituição que celebre a Independência de Israel como um dia nacional de luto, ou seja, uma lei para silenciar a história da Palestina.
Além da segregação, como, por exemplo, o fato de Israel desconsiderar vilas palestinas, ao ponto de não constar nos mapas e dos recursos destinados aos cidadãos palestinos. Segundo o IJV (Independent Jewish Voices), mesmo com uma população árabe de 20% em Israel, menos de 7% dos recursos públicos são destinados à eles: “as escolas recebiam por aluno judeu aproximadamente 1,100 dólares do Estado, enquanto por aluno palestino apenas $191”. Ademais, existe ainda diferença de tratamento com quem está dentro da fronteira e quem está fora, para aqueles que estão em Gaza e Cisjordânia, o tratamento é muito pior.
A Cisjordânia vive sob ocupação militar, e a região está cada vez mais ocupada por Israel. Em 2013, foi construído uma barreira física, um Muro levantado por Israel com uma extensão aproximada de 760km, além disso, a Anistia Internacional estima que 85% do muro está em território palestino.
E o território de Gaza tem suas fronteiras terrestres, aéreas e marítimas controladas militarmente. A rede elétrica e a água também são controladas por Israel, transformando Gaza em uma área de acesso restrito. Em 2010, o navio Mavi Marmara, que levava ajuda humanitária (como comida, água, remédios e outros mantimentos) à Gaza, foi atacado por Israel, resultando na morte de dez ativistas. Em Gaza, 90% da água não é própria para consumo e mais de 30% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Recentemente, com a crise do novo coronavírus, foi exposto a dificuldade que os palestinos têm de serem vacinados. Segundo o El País, "menos de 10% dos 5,2 milhões de palestinos que vivem nas regiões de Gaza e na Cisjordânia receberam pelo menos uma dose das vacinas, percentual que cai para 3% considerando somente a Faixa de Gaza (onde vivem 2 milhões de habitantes)”.
Resistência
O Hamas é um movimento islamita eleito que governa Gaza, e mesmo sendo violento, repressivo e recebendo críticas dos palestinos, é a sua principal força de resistência e continua legítimo como entidade política. Ele não reconhece o Estado de Israel e se refere ao mesmo como "entidade sionista". Assim como a Palestina deve ser livre de Israel, ela deve também afastar a repressão do Hamas e fortalecer grupos mais democráticos. Mas é importante lembrar que o crime de guerra praticado por Israel é muito maior e não é possível estabelecermos falsa simetria.
O boicote, Desinvestimento e Sanções ou simplesmente BDS, é um movimento global não violento que busca acabar com a ocupação e colonização dos territórios palestinos e garantir a lei de retorno aos palestinos. Para isso, pede um boicote ao Estado de Israel e empresas envolvidas na ocupação e violação dos direitos humanos, para que não invista-se nessas empresas e grupos, e que pressione governos para responsabilizar Israel por suas ações. Uma crítica direta ao Estado e não aos judeus.
Existe solução?
Existiram algumas propostas de negociação, mas elas não foram para frente. Discute-se sobre a solução de dois Estados, ou a solução de um Estado. Mas de qualquer maneira, enquanto Israel não deixar o sionismo de lado e pensar em uma nação plural, tratando palestinos com dignidade, não chegaremos a lugar nenhum. Por isso, conheça mais sobre o movimento BDS, ajude a compartilhar essas histórias, não espalhe notícias falsas, combata o discurso mentiroso de que ser antisionista é o mesmo que antisemita e busque mais informações.
“Chegou o momento de nossos homens, mulheres e crianças voltarem à vida normal. De estudantes irem para escolas e universidades sem parar em postos de controle. Chegou o momento da Primavera Palestina.” - Mahmoud Abbas.
DICAS DE LEITURA:
Jewish Voices for Peace – On Antisemitism: Solidarity and the Struggle for Justice;
Soraya Misleh – Al Nakba: um estudo sobre a catástrofe palestina;
Judith Butler – Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo;
FILMES PARA ASSISTIR:
Lemon Tree (2008), Paradise Now (2005) e Suicide Killers (2006)
GLOSSÁRIO:
Autodeterminação: ato ou efeito de decidir por si mesmo; livre escolha do próprio destino.
Colonialismo: orientação política ou sistema ideológico de que uma nação lança mão para manter sob seu domínio, total ou parcial, os destinos de uma outra, procurando submetê-la nos setores econômico, político e cultural.
Semita: relativo ao grupo étnico e linguístico ao qual se atribui Sem como ancestral, e que compreende os hebreus, os assírios, os aramaicos, os fenícios e os árabes, ou membro desse grupo \ a ou judeu.
Referências Bibliográficas:
Philipp, P. 1917: Apoio britânico ao movimento sionista. DW, 2020. Disponível em: <http://dw.com/pt-br/1917-apoio-britânico-ao-movimento-sionista/a-365813>. Acesso em: 08 de agosto de 2021.
Armanin, N. As 14 razões do apoio incondicional dos EUA a Israel. Revista Movimento, 2018. Disponível em: <https://movimentorevista.com.br/2018/04/as-14-razoes-do-apoio-incondicional-dos-eua-a-israel/> Acesso em: 08 de agosto de 2021.
AF. EUA exige que ONU retire relatório acusando Israel de apartheid. Estado de Minas, 2017. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2017/03/15/interna_internacional,854586/eua-exige-que-onu-retire-relatorio-acusando-israel-de-apartheid.shtml> Acesso em: 08 de agosto de 2021.
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