**Autora convidada
Falar sobre o maracatu é falar sobre a história de Pernambuco, sobre a minha história. Maracatu é resistência, assim como o nordeste e assim como eu. E, como boa nordestina que sou, não poderia deixar de contar essa história.
Bravos, Ioio! Maracatu Já chegou.
Bravos, Iaia! Maracatu vai passar.
“Maxombas e Maracatus” – Mário Sette, 1958
O maracatu é uma manifestação folclórica que surgiu em Pernambuco no Brasil Colonial e possui elementos das culturas africana, indígena e portuguesa. Através da junção de dança, música, religiosidade e cores vibrantes, essa importante manifestação da cultura popular faz parte do cotidiano das famílias pernambucanas dentro e fora de Pernambuco. Existem dois tipos de maracatu: o maracatu nação e o maracatu rural.
Maracatu Nação
O Maracatu Nação, também chamado de Maracatu de Baque Virado, possui como contexto histórico um Brasil escravocrata e tem forte influência do candomblé. Existem muitas teorias a seu respeito, mas a mais aceita é que existe, também, uma forte influência do ritual de coroação dos reis do Congo.
A coroação do rei do Congo é uma celebração do congado no Brasil que simboliza o ritual de troca de coroa, sendo o congado resultado do sincretismo religioso entre cultos católicos e africanos. Os eleitos na coroação eram lideranças políticas que tinham por objetivo ser ponte entre os líderes portugueses do Estado Colonial e dos líderes africanos. É importante ressaltar que a permissão dada aos escravos para “exercerem” sua religião e o incentivo ao sincretismo religioso nada mais era do que um projeto “missionário” da Igreja de catequizar o máximo de pessoas possível.
Com a abolição da escravidão no Brasil em 1888, o Maracatu passou a ser incorporado como fenômeno típico do carnaval em Pernambuco, porém é possível encontrar grupos praticando e se apresentando durante todo o ano nas ruas do centro do Recife e em outras partes do país e do mundo. Isso porque, graças à ação do Movimento Negro Unificado, da Nação Leão Coroado, do movimento Mangue Beat, do grupo Nação Pernambuco, entre outros, no século XX, o Maracatu ganhou mais vizibilidade e importância.
O mais marcante desse tipo de maracatu são os instrumentos e a forma ritmada utilizada na construção das músicas. Nas apresentações, é possível encontrar os seguintes instrumentos: gonguê de uma campana, tarol, ou caixa de guerra, alfaias e mineiro.
Maracatu Rural
Já o Maracatu Rural, ou Maracatu do Baque Solto, surgiu entre os séculos XIX e XX, na Zona da Mata, interior de Pernambuco, e tem como principal símbolo o caboclo de lança. O cortejo, que visa representar brincadeiras dos trabalhadores rurais, é uma junção de várias manifestações: um pouco de bumba-meu-boi e caboclinho, um pouco de congada, reisado, pastoril e cavalo-marinho.
O caboclo de lança é o guerreiro que protege a nação do Maracatu de Baque Solto. Anteriormente esses guerreiros eram reproduzidos pelos trabalhadores das lavouras de cana de açúcar, porém, com a Revolução de 1930, vieram para Recife e trouxeram essa tradição típica da Zona da Mata para a Capital de Pernambuco, despertando o interesse e a vontade de mais pessoas em fazer parte da nação.
Mesmo com as mudanças ao longo dos anos, para que a apresentação ocorra, é necessário alguns rituais de purificação, que ocorrem nos terreiros, como a bênção das lanças, a consagração da Calunga (boneca levada pela baiana que representa a divindade), a abstinência sexual dos homens e a flor na boca para proteção (NETO, Bonald, 1991).
Diferentemente do Maracatu Nação, o Maracatu Rural possui outros personagens, como o caboclo de lança e as damas de buquê (outra estrutura), pois se manifesta através de musicais e danças coreografadas, além de possuir outras características musicais, em razão da apresentação de orquestras nos cortejos. A orquestra do cortejo do Maracatu rural é formada por instrumentos de metais como o clarinete, saxofone, trombone, além de instrumentos de percussão.
Maracatu e coração
O maracatu é uma expressão do pertencimento, da resistência, da valorização da cultura e da identificação com os elementos nordestinos, afinal, o nordeste foi e é um berço para diferentes religiões e manifestações culturais.
Particularmente, fez parte da minha infância passar a tarde no Recife Antigo com minha família, no carnaval ou em um domingo qualquer, caminhar e me encontrar no meio de uma apresentação. O batuque que envolve o nosso corpo e faz o coração pulsar no ritmo da música, como sendo mais um tambor da orquestra. É impossível não apreciar e não se sentir parte do momento, mesmo sem ter em mãos sequer um instrumento.
É comum, ao prestar atenção nos integrantes, encontrar rostos conhecidos: colegas de trabalho, familiares, amigos, pessoas de contextos totalmente diferentes, mas que naquele momento estão fazendo parte de algo comum a todo pernambucano.
Talvez as minhas lembranças destoem das memórias de outras pessoas, porque Maracatu também é mistério e, como tudo que é misterioso, pode causar estranhamento e medo. Porém, algo em comum a todos os tipos de interação, as que admiram e as que temem, é o respeito, afinal, esse rito pernambucano faz parte da nossa história.
**Sobre a autora: Sou graduanda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Atualmente meus estudos são voltados para o Direito do Trabalho. Além disso, me interesso bastante por questões sociais, feminismo e, como nordestina e bairrista, procuro sempre aprender mais sobre as manifestações culturais da minha região.
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