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Giulia Grecco Spada

O que é o Antropoceno?

O conceito de Antropoceno circula pelo campo científico desde o ano 2000, quando criado pelos cientistas Paul Crutzen e Eugene Stoermer, ganhadores do Prêmio Nobel de Química do mesmo ano. A teoria, basicamente, é de que a última época geológica, o Holoceno, teria terminado, dado lugar ao Antropoceno.


O Holoceno caracterizou-se como um período de estabilidade ambiental no planeta Terra, desde a última glaciação há 11 mil anos, o qual proporcionou clima ameno para o desenvolvimento de muitas das espécies que hoje habitam o planeta. Tal época se finda, segundo alguns cientistas, no século XVIII, com a Revolução Industrial, quando o homem passa a interferir incisivamente no meio-ambiente através da exploração de minérios e pela emissão de gases.


Sendo assim, o Antropoceno considera a humanidade como força geológica, capaz de causar danos irreversíveis ao planeta. Desde a Revolução Industrial, o processo de modernização apenas acelera a intervenção humana na natureza, principalmente a partir do enorme crescimento demográfico, econômico e tecnológico dos anos 1940.

Uso de energias não renováveis (carvão e petróleo), protagonismo do plástico, modificação de cursos de rios, produção agropecuária extensiva – estes são apenas alguns dos exemplos da ação degradante do ser humano. Além disso, devemos considerar os fatores sociais e culturais, como o atual padrão de produção e consumo e o incessante crescimento da população. A natureza já não tem capacidade de se regenerar, pois seu tempo é lento, enquanto o homem a está explorando cada vez mais rápido.



É assim que chegamos ao século XXI assistindo às consequências desse processo, seja nas mudanças climáticas, seja nos cada vez mais frequentes e mais extremos fenômenos naturais – como furacões, enchentes, deslizamentos. O homem, atualmente, interfere inclusive nos ciclos bioquímicos naturais, a exemplo do ciclo da água e do oxigênio. Evidências também apontam para a responsabilidade humana na sexta grande extinção em massa de diferentes espécies.


Observa-se a abrangência desse conceito, que não se limita à geologia, conforme aparenta. É um conceito guarda-chuva que levanta questões sobre os limites da natureza, as mudanças climáticas, os processos de produção e consumo, os paradigmas culturais da modernidade, o capitalismo, as lutas socioambientais, entre outros. Em suma, abre as portas para um diálogo entre as ciências naturais, humanas e sociais na análise dessa crise socioambiental.


Dada a amplitude do debate, há diversas correntes de pensamento sobre o tema, cada qual com seu enfoque específico. Uma delas renomeia o conceito como Capitaloceno, colocando o capitalismo como protagonista. Liderada pelo historiador Jason Moore, estabelece a mudança de época geológica nas origens do capitalismo, antes ainda da Revolução Industrial, marcando a expansão das fronteiras de mercado. A economia moderna haveria fundado o ideal da rápida apropriação para a máxima produção, isto é, uma vez esgotados os recursos de determinado espaço, expande-se tal fronteira de exploração, sem pensar na recuperação do espaço já explorado. Dessa forma, compreendemos o impacto humano sobre o planeta, que se acelerou com o passar das décadas e o desenvolvimento do capitalismo.


Outra vertente, também sob a perspectiva da crítica ao capitalismo, afronta o conceito de Antropoceno da seguinte maneira: podemos falar que o homem, no geral, é o responsável? Ou alguns são mais responsáveis que outros? Alguns dados falam por si: mais da metade das emissões industriais no mundo, desde 1988, correspondem a 25 empresas e os líderes do ranking de contaminação são China (29,36%), Estados Unidos (14,27%) e União Europeia (9,57%).

Diante desse cenário, como fica a América Latina e o Brasil no Antropoceno?


Enquanto os países industrializados e desenvolvidos emitem gases poluentes, o neoliberalismo econômico expande as fronteiras do capital e busca lucro a todo custo, destruindo a natureza nos países subdesenvolvidos. É dessa maneira que se impõe um modelo de desenvolvimento aos países periféricos considerados atrasados, os quais almejam uma falsa modernização através de indústrias – de capital estrangeiro –, de produção agropecuária – destinadas à exportação – e de extrativismo mineral, energético ou hidráulico.


Tais países acabam por enviar sua produção e seu lucro para os países já desenvolvidos ou para as mãos de poucos empresários, terminando com seus recursos explorados e sua natureza devastada, todos vendidos. A principal característica desse modelo neoextrativista[1] é a ocupação intensiva do território, em formas de monocultivo e monoprodução, levando à mercantilização de bens nacionais (ambientais), comprados pelo capital privado.


Voltando os olhos para o Brasil, podemos relembrar o caso do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que dizia que deveríamos “ir passando a boiada” enquanto a imprensa estava focada no Covid-19. Defendia que era o momento de afrouxar as leis de proteção ambiental, para que pudesse haver maior entrada de investimentos. Declarou: “O emaranhado de regras irracionais atrapalha investimentos, a geração de empregos e, portanto, o desenvolvimento sustentável no Brasil". Agora, indago: há desenvolvimento sustentável no Brasil quando presenciamos, nos últimos anos, as maiores queimadas no Pantanal, ameaçando a existência do bioma? Ou melhor: há desenvolvimento no Brasil quando o país acaba de voltar ao mapa da fome?


Me parece difícil acreditar que vender nossa fauna e flora para que empresas privadas produzam soja e gado – a maioria destinada à exportação – levará ao desenvolvimento sustentável do país.


Observa-se, portanto, que a falácia dos modelos desenvolvimentistas também é parte da nova época, o Antropoceno, uma vez que contribui para a aceleração do processo de exploração do planeta Terra. Tal perspectiva também confirma suas implicações sociais.


Hoje, a natureza é vista como um objeto à parte do ser humano, subjugado e passível de exploração. O Antropoceno não se trata de uma profecia apocalíptica, mas sim de um diagnóstico do movimento que vivemos, que culmina, finalmente, numa crítica geral da cultura atual – do neoliberalismo, do consumismo, do desenvolvimentismo…



[1] Na história, considera-se que o período de colonização da América seguiu um modelo extrativista, quando os colonizadores extraíam recursos dos colonizados. O neoextrativismo corresponderia a um período recente da mesma atividade, pois, mesmo que já não haja colonização, o sistema neoliberal admite a exploração dos recursos pelos países desenvolvidos.


Referências bibliográficas:

SVAMPA, Maristella. El Antropoceno como diagnóstico y paradigma. Lecturas globales desde el Sur. Utopía y praxis latinoamericana, v. 24, n. 84, p. 33-54, 2019.

VIOLA, Eduardo; BASSO, Larissa. O sistema internacional no Antropoceno. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 31, 2016.

SOARES, Ricardo; MACHADO, Wilson. O programa científico do Antropoceno. 2021.


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