top of page
Buscar
Maria Fernanda Reis Celso Magaldi Borges

O que é tragédia? O mau uso do termo nas narrativas midiáticas

O que é tragédia? Pesquisando a palavra no Google, é possível encontrar a seguinte definição da editora parceira da empresa, Oxford Languages:

Print do Google

Pensando na origem Grega da palavra, podemos nos remeter a Aristóteles[1], que muito pensou sobre o mundo da representação e os sentimentos humanos. No livro A Poética[2], ele define a tragédia como um gênero narrativo, sendo superior à Epopéia (a narrativa épica, com grandes feitos de homens superiores) e à Poesia (a expressão dos sentimentos, lírica, acompanhada por música).


A superioridade da tragédia se dá por ter o poder de contar uma história e tocar os sentimentos das pessoas, trazendo narrativas de homens com os quais a audiência poderia se identificar, diferentemente da epopéia que contava histórias de deuses, incorporando a música e proximidade com os sentimentos da poesia lírica.


Dessa forma, quando se fala de narração, a tragédia é o gênero onde algo de terrível acontece a um personagem com o qual a identificação e admiração são possíveis. Muitas vezes, o personagem não tem culpa de seu fardo, sendo uma vítima da situação, ou seu pesar não pode ser evitado, está em seu destino; por fim, possui sempre um desfecho fatal. Em peças de teatro e em filmes, o lirismo do trágico se dá por meio da música e da cenografia, como forma de explorar ainda mais os dramas emocionais da narrativa.


Mas, quando se trata de tragédias reais, é possível aplicar a definição clássica grega? Pensando nos fatos marcados e amplamente divulgados pelos meios de comunicação como trágicos, que atualmente assolam o mundo, podemos perceber que o substantivo “tragédia” e o adjetivo “trágico” são usados para designar situações desastrosas sem um culpado definido - pessoas que morrem, carros que batem, desastres naturais que acontecem.

Um exemplo é a Tragédia de Petrópolis, uma série de deslizamentos que ocorreu na cidade de mesmo nome, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022, deixando a área devastada e uma parte de sua população de origem carente desalojada, ferida ou morta. Os deslizamentos ocorreram por conta de uma grande chuva, que superou a precipitação esperada para um mês em 4 horas. Há também uma questão geográfica, já que a cidade se localiza numa área íngreme e entre serras, além do problema das moradias construídas irregularmente, em encostas e morros.


A última grande tragédia ocorrida na cidade havia sido em 2011, acometendo toda a Região Serrana, que totalizou 989 perdas, sendo 71 da cidade de Petrópolis. Além das baixas, muitas pessoas ficaram desalojadas após os deslizamentos; entretanto, desde aquela época, pouco foi feito para prevenir um possível novo acidente e ajudar a população desabrigada e seus entes queridos.


O Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR), por sua vez, começou a ser pensado apenas em 2017, classificando algumas casas em níveis de risco – alto, médio e baixo –, residências essas que foram atingidas na tragédia atual, já que nada se fez para evitar que fossem.


Mesmo Petrópolis sendo uma cidade em uma área topográfica propensa a muitos acidentes por ser uma região serrana, sua prefeitura vem diminuindo a verba da defesa civil, após alguns anos sem grandes destruições na época das grandes chuvas, como aponta Anna Júlia Lopes para o site Poder360.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/02/20/tragedia-em-petropolis-maior-registrada-na-historia-o-municipio.ghtml

Então, partindo do ponto de que se era sabido que haveria chuva, que as pessoas estavam em área de risco e que elas muito possivelmente morreriam, é possível chamar a Tragédia de Petrópolis de tragédia? Quando o que aconteceu naquele lugar foi um caso de negligência pública, de extermínio de toda uma população, assim como aconteceu na Tragédia de Mariana, na Tragédia de Brumadinho, na Tragédia do Sul da Bahia e em tantas outras situações causadas por um Estado relapso.


As palavras têm poder, bem como a maneira de se conduzir narrativas. Se pensarmos as situações de calamidade pública como tragédias e não como absurdos evitáveis, a responsabilidade dos culpados se esvai.


A narrativa trágica de tudo que é absurdo e criminoso acaba sempre caindo num local de pena, que não é o que as pessoas afetadas precisam. Elas precisam de suporte e ações governamentais e que as situações sejam nomeadas da maneira justa: não são tragédias, são não-ações genocidas.


[1] filósofo grego clássico

[2] conjunto de escritos onde Aristóteles discute poesia e arte.

Referências bibliográficas

Infopédia - O que é tragédia

G1: Rio de Janeiro - Com 178 mortos, tragédia em Petrópolis é a maior já registrada na história do município

Em 2011, chuvas na região serrana deixam 918 mortos

Com 152 mortos, Petrópolis tem maior tragédia de sua história:



41 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page