**Sobre a autora: Fernanda é advogada pela PUC-SP, pós-graduanda na FGV-SP em Direito Penal Econômico e membro do grupo de estudos do Observatório Constitucional Latino-Americano. Seus interesses são literatura, direito penal, direito tributário, música clássica e gastronomia. Procura relacionar o Direito com questões sociais e culturais.
Menstruar é um fenômeno biológico comum às mulheres. Periodicamente, caso a reprodução não aconteça, a camada superficial do endométrio se solta e é expelida pela vagina, caracterizando a menstruação. Então, por ser um ciclo natural, métodos de cuidados, como o uso de absorvente íntimo, deveriam receber a devida atenção por parte do Estado, o qual tem o dever de garantir a realização do bem-estar dessas pessoas[1]. Porém, não é o que a realidade nos mostra.
O absorvente íntimo é um item considerado de uso feminino sobre o qual incide uma carga tributária de 34,48%, segundo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Ou seja: praticamente ⅓ do valor total do produto refere-se a tributos (impostos, contribuições, entre outros).
Dentre esses tributos, observa-se a incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), cuja principal característica é a essencialidade, segundo a qual a alíquota[2] deve ser menor em função de o produto ser considerado essencial. É indiscutível que quanto mais necessário é um item no cotidiano maior deve ser o esforço para reduzir as inviabilidades de adquiri-lo.
Em se tratando de absorvente íntimo, não restam dúvidas da sua essencialidade frequente para mulheres, uma vez que o seu não-uso acaba apenas gerando não apenas constrangimento, mas também impasses para a realização de diversas atividades do dia a dia, como frequentar a escola e trabalhar. No cenário proposto, indaga-se: absorventes não seriam essenciais?
Para contrastar a situação, o referido Impostômetro revela que um ursinho de pelúcia, cuja essencialidade no cotidiano é inexistente, tem uma carga tributária de 29,92%. Outro dado mais chocante ainda: o serviço de hotéis para animais é tributado em 26,86%.
A fim de agregar isonomia ao sistema tributário, o art. 145, §1º, da Constituição estabelece o princípio da capacidade contributiva subjetiva, o qual, nas palavras de Regina Helena Costa:
“Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo, apto, pois, a absorver o impacto tributário.” (COSTA, REGINA, 2021, p. 48)
Ainda, a tributação brasileira concentra-se, majoritariamente, no consumo. A problemática situa-se na peculiaridade dos impostos que recaem sobre essa relação jurídica. Isso porque, de maneira ilustrada: ao comprar um item de cuidado íntimo, quem acaba arcando com os impostos é o consumidor, não o estabelecimento, porque o valor já se encontra inserido no preço final do bem.
Tendo em vista que o encargo tributário é repassado ao consumidor, este acaba não tendo pleno conhecimento dos tributos que paga, de modo que não lhe é possibilitado identificar o montante despendido – e, consequentemente, no cenário em questão, revoltar-se contra a alta tributação dos absorventes íntimos. É o que se denomina de estado de anestesia fiscal (ASSONI FILHO, 2020).
É indispensável atentar-se ao fato de que o período pandêmico, causado pela Covid-19, teve maiores reflexos sobre a população mais vulnerável. Conforme consolidado pela Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, ao longo de 2020, o nível de desocupação das mulheres foi maior em relação aos homens. No mesmo período, o Instituto identificou que, independente do nível de instrução, o rendimento da população branca era superior ao da população não branca, com média de diferença em 69,5%.
Considerando o baixo rendimento entre mulheres, especialmente as não-brancas, a carga tributária incidente sobre os absorventes íntimos acaba sendo mais intensa, de modo que afeta demasiadamente seu poder de compra e, consequentemente, seu bem-estar higiênico. O sistema tributário deve, portanto, distanciar-se do plano de agravamento da desigualdade de gênero, passando a promover efetivamente isonomia em um Estado que se reputa democrático de direito.
[1] O art. 3º, IV, da Constituição prevê dispositivos norteadores de igualdade, ao dispor que é dever do Estado “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
[2] Alíquota: é o valor (normalmente, um percentual) utilizado no cálculo do valor de determinado tributo.
Referências Bibliográficas
ASSONI FILHO, Sérgio. Tributação indireta: remodelagem do impacto fiscal e desoneração da hipossuficiência. Revista Tributária e de Finanças Públicas, 2020.
COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário - Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2021.
FACHINI, Laura Stefenon. Capacidade contributiva subjetiva e tributação indireta: conciliação necessária à justiça fiscal. Revista de Direito Tributário e Financeiro, dez. 2018.
IMPOSTÔMETRO. Disponível em https://impostometro.com.br/home/relacaoprodutos. Acesso em 24 de março, 2023.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira - 2021. Disponível em: liv101892.pdf (ibge.gov.br). Acesso em 24 de março, 2023.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Mercado de Trabalho e Pandemia da Covid-19: ampliação das desigualdades já existentes? Disponível em: bmt_69_mercdetrabalho.pdf (ipea.gov.br). Acesso em 24 de março, 2023.
______. Análise do Mercado de Trabalho. Disponível em: 211125_bmt72_analise-mercado_2.pdf (ipea.gov.br). Acesso em 24 de março, 2023.
PISCITELLI, Tatiane. Desigualdade de gênero nos tributos precisa ser revista. Disponível em: "Desigualdade de gênero nos tributos precisa ser revista" – DW – 19/12/2020. Acesso em: 24 de março, 2023.
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