Uma Relação Política de Enfrentamento às Práticas Discriminatórias
É sabido que a conduta dos profissionais da Psicologia deve, indispensavelmente, primar pelo sigilo, pelo respeito e pela ética enquanto princípios básicos e fundamentais de sua prática. Nesse contexto, faz-se necessário reafirmar o compromisso indissociável que deve existir entre as dimensões ético-políticas e a ciência psicológica no combate às práticas discriminatórias e preconceituosas, bem como na legitimação dos direitos humanos, tanto na prática profissional, propriamente dita, quanto na vida cotidiana. Logo, a relação entre a ética e os direitos humanos nos cursos de formação em Psicologia, se constitui a partir do Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005)[1], que teve suas bases sustentadas, principalmente, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)[2].
Valoriza-se a preocupação da ciência psicológica e de sua legislação no combate às estruturas sociais que oprimem e degradam as minorias, através de “práticas não excludentes e não discriminatórias”[3]. Sendo que, compete à academia incentivar e institucionalizar a reflexão e o posicionamento crítico perante à conduta ética e política que deve existir no exercício da profissão, já que as Diretrizes Curriculares Nacionais[4] recomendam que a graduação em Psicologia deve contemplar, para além da ética, a bioética[5], de forma a fazer com que o graduando desenvolva as dimensões morais que se fundamentam no direito à vida[6].
Por outro lado, embora há ênfase na necessidade da existência de uma formação ética, crítica e reflexiva nos cursos de Psicologia; de acordo com Bock e Gianfaldoni (2010)[7], a presença de discussões e matérias que abordem e relacionam a temática dos direitos humanos com a prática profissional é baixa e incipiente na mesma proporção do interesse dos alunos, o que se justifica pela supervalorização de uma postura tecnicista[8] e metodologista[9] do Ensino Superior em relação ao pensamento crítico e ao posicionamento político no contexto dos estudos em psicologia[10].
Sob outra perspectiva, segundo Coimbra[11], “nossas práticas produzem efeitos poderosíssimos no mundo, sendo, portanto, políticas”, ou seja, construir e estruturar uma Psicologia comprometida com as demandas sociais e que coloca o estudante em formação em consonância com as políticas de direitos humanos, é uma necessidade e uma obrigação da ciência psicológica com a sociedade, pois é preciso ter a responsabilidade de “pensar na inclusão dos direitos humanos na formação para garantir o compromisso social do psicólogo”[12].
Nesse contexto, faz-se necessário que os estudantes de Psicologia, desde o começo da graduação até o final dela, estejam familiarizados, atualizados e envolvidos com as discussões sobre raça/cor, sexualidade e gênero, a fim de que, em sua prática, atuem de maneira a garantir os direitos humanos, a partir de uma formação comprometida com a mudança das estruturas discriminatórias que constituem a sociedade. Para isso, é essencial que eles sejam introduzidos durante o curso e revisitem periodicamente depois de formados, o Código de Ética Profissional (2005) e as resoluções e cartilhas informativas do Conselho Federal de Psicologia (CFP)[13].
Por fim, vale salientar que os direitos humanos asseguram, aos indivíduos em geral, mas, em especial, às minorias sociais, o amparo jurídico e legal no sentido de garantir o direito à dignidade, à igualdade e à não-discriminação, “sem distinção de origem geográfica, do fenótipo, da etnia, nacionalidade, sexo, faixa etária, presença de incapacidade física ou mental, nível socioeconômico ou classe social, nível de instrução, religião, opinião política, orientação sexual ou julgamento moral”[14]. Portanto, é imprescindível que a atuação do profissional da Psicologia, tanto em consultórios quanto em organizações ou instituições, esteja fundamentada no respeito às diferenças e, mais do que isso, no combate a qualquer tipo de preconceito, intolerância, opressão ou injúria.
[1] CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional dos Psicólogos, 2005.
[2] MATTOS; SHIMIZU, 2008, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[3] BERNARDI, 2010, p.9, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[4] As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Superior são orientações do Governo Federal para a elaboração do currículo acadêmico nas Instituições de Ensino Superior. O objetivo é fazer com que a educação se dê de forma igualitária em todas as instituições.
[5] A Bioética é uma área de estudo interdisciplinar que envolve a Ética e a Biologia, fundamentando os princípios éticos que regem a vida quando esta é colocada em risco pela Medicina ou pelas ciências.
[6] MATTOS; SHIMIZU, 2008, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[7] BOCK; GIANFALDONI, 2010, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[8] A que se refere, pertence ou é próprio do tecnicismo, valorização exagerada de recursos técnicos ou tecnológicos.
[9] Que se dedica ao estudo e à elaboração de métodos ou metodologias.
[10] BERNARDI, 2010, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[11] COIMBRA, 2000, p. 147, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[12] NÓRTE; MACIEIRA; RODRIGUES, 2010, p.65, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[13] BERNARDI, 2010, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
[14] BENEVIDES, 2007, p. 337, apud CASTELAR; CASTRO; RECHTMAN, 2013.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RECHTMAN, Raizel; CASTELAR, Marilda; CASTRO, Rosângela. Ética e Direitos Humanos na formação de profissionais de Psicologia em Salvador - Bahia. Psicol. Ensino & Form. Brasília, v. 4, n. 2, p. 81-99, 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-20612013000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 08 out. de 2022.
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