À exceção de Kafka, não lembro de nenhum escritor que tenha expressado o desespero com tanta força e constância quanto Emily Dickinson – Harold Bloom
QUEM FOI EMILY DICKINSON?
Emily Elizabeth Dickinson nasceu em Amherst, Massachusetts, em 10 de dezembro de 1830. Ela começou seus estudos numa escola local e, logo depois, aos dezessete anos, se matriculou em um colégio exclusivo para meninas, o chamado Mount Holyoke Female Seminary, mas o abandonou em menos de um ano, alegando problemas de saúde. Foi então que Emily optou por ficar reclusa na casa de seus pais e manteve contato apenas com familiares e amigos próximos, desse modo, passou a dedicar sua vida à escrita, tendo seu primeiro poema publicado no periódico Springfield Republican.
A escritora morreu em 1886 de nefrite[1], praticamente desconhecida do público. Após seu falecimento, a família encontrou entre seus pertences mais de 1750 poemas escritos por ela que, posteriormente, corroboraram para a imortalização da poeta através da literatura, levando-a a ser reconhecida como um dos grandes nomes da literatura norte-americana e, até mesmo, a ser enaltecida como uma grande gênia à frente de sua época.
QUAIS OS TEMAS MAIS RECORRENTES NAS POESIAS DE EMILY?
Emily, muito cedo, decidiu retirar-se do mundo, mantendo contato apenas com pessoas restritas do seu ciclo social, o que a influenciou a mergulhar numa busca interior e, também, refletir sobre vários temas, dentre eles: família, religião, amor, morte, guerra, botânica, liberdade, mulheres na sociedade, misticismo, entre outros. Uma grande influência em suas poesias foi a educação religiosa, o que pode ter feito da Bíblia uma de suas grandes referências, inclusive no que diz respeito à estrutura e à métrica de suas poesias. Mas, mesmo tendo uma educação puritana, Emily não deixou de ir além do que lhe era apresentado e, com isso, chegou até a rejeitar o paraíso e os supostos privilégios divinos.
Os primeiros poemas de Emily foram convencionais, no entanto, nos anos posteriores à 1860, seus versos já tinham um caráter mais maduro e altamente experimental, especialmente na linguagem e nos termos utilizados nas poesias. Sua escrita passou a tornar-se gradativamente precisa e melancólica, despojada de palavras que exploravam o ritmo tanto lento quanto rápido. Hoje em dia, suas poesias são mais estudadas dentro dos espaços acadêmicos e, a cada estudo mais aprofundado em suas líricas, encontra-se uma maior complexidade intelectual e, também, um retrato social da época extremamente à frente de seu tempo. Assim, Emily conseguiu enxergar e retratar em versos a condição da mulher dentro de uma sociedade patriarcal, característica que consagra sua genialidade e a coloca em diálogo com poetas que fariam a mesma denúncia tempos depois.
A IMPORTÂNCIA DE TER UM ‘QUARTO TODO SEU’
Já sabemos que Emily Dickinson era genial, entretanto, não se pode deixar de lado um aspecto muito importante de sua vida: seus privilégios. Emily Dickinson foi uma mulher branca de uma família burguesa e muito influente na cidade em que morava; isso possibilitou que ela nunca precisasse trabalhar, como ocorria com mulheres negras já nessa época - lembrando que a escravidão nos EUA ainda não havia sido abolida e a segregação era intensa. Nesse contexto, Emily veio de uma família endinheirada e que deu à ela a possibilidade de conseguir exercer sua criatividade em um espaço próprio e recluso, que atendia, curiosamente, um conceito cunhado posteriormente pela autora Virginia Woolf sobre ter ‘’um quarto todo seu’’, próprio para que uma mulher conseguisse exercer sua escrita criativa, sem ser interrompida. Mesmo tendo esses privilégios, Emily ainda era uma mulher e, por conta disso, foi repetidamente ignorada pela sociedade machista do século XIX, que não reconhecia mulheres como autoras de livros. Por isso, ela teve poucos poemas publicados em vida. Certamente, Emily foi tão ignorada pela sociedade que encontrou a liberdade de criação estando sozinha em seu quarto, um território livre e seguro onde poderia construir e explorar suas reflexões e pensamentos para dar origem aos seus tão sensíveis e geniais poemas.
A SEXUALIDADE DE EMILY E SEU AMOR POR UMA MULHER
A amiga de infância e ex-parceira de estudos de Emily na Academia Amherst, Susan Gilbert, foi seu grande amor, a quem dedicou vários poemas e trocou cartas. As duas mantinham relações muito fortes desde pequenas e sempre foram confidentes uma da outra, até que essa relação se estendeu para além da amizade. No entanto, numa época onde a mulher sequer era vista como um indivíduo apto para construir uma vida sozinha, a relação amorosa entre duas mulheres era inaceitável. Isso fez com que as duas mantivessem relações de forma secreta, até porque Susan se casou com o irmão de Emily. Mesmo assim, nada foi capaz de proibir Emily de dedicar pelo menos 300 poemas de amor à sua amada - nunca se referindo ao nome dela, mas deixando claro que se tratava de alguém com a qual jamais poderia se casar, embora a amasse.
ALGUNS POEMAS
Esta, minha carta para o mundo.
Esta, minha carta para o mundo,
Que nunca escreveu para mim —
Simples novas que a Natureza
Contou com terna nobreza.
Sua mensagem, eu a confio
A mãos que nunca vou ver —
Por causa dela — gente minha —
Julgai-me com bem-querer.
Eu sou ninguém.
Eu sou Ninguém. E você?
É Ninguém também?
Formamos par, hein?
Segredo — Ou mandam-nos p’ro degredo.
Que enfadonho ser alguém!
Tão público — como o sapo
Coaxando seu nome, dia vai, dia vem
Para um boquiaberto charco.
Morrer por ti
Morrer por ti era pouco.
Qualquer grego o fizera.
Viver é mais difícil -
É esta a minha oferta -
Morrer é nada, nem mais.
Porém viver importa
Morte múltipla
Sem o alívio de estar morta.
Escondo-me na minha flor.
Escondo-me na minha flor,
Para que, murchando em teu Vaso,
tu, insciente, me procures -
Quase uma solidão.
[1] Nefrite: trata-se de uma síndrome que afeta o rim, causando inflamações e mal funcionamento do órgão.
Referências bibliográficas
https://fahrenheitmagazine.com/arte/letras/el-amor-secreto-de-emily-dickinson-que-inspiro-sus-poemas
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