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Maria Fernanda Viana Chypriades

A chave – baseado em fatos reais

Atualizado: 22 de jun. de 2022

Lá, debaixo da terra, vou sozinha pela linha azul, me preocupando com o típico corre-para-corre-para do metrô, nele vejo as figuras de sempre: o sortudo que se apoia no espaço ao lado da porta, a moça mexendo no celular de capinha rosa com a máscara abaixo do nariz, aquele que tira um cochilo, as fofoqueiras do assento preferencial e o cara de headphone.


De costas para todos, preparado, estendido frente à porta, o cara de headphone sai do trem antes mesmo das portas terminarem de se abrir e os meus olhos, que antes estavam no headphone, despencam junto da chave, provavelmente dependurada segundos antes por uma cordinha no zíper da mochila. A chave no chão e o cara de headphone já estendendo o pé para a próxima passada, uma das fifis é mais rápida quando do banco esbraveja “Mooço, a chave!!”; nada. A outra então, aperta com mais força a bolsa que leva no colo e grita como quem faz um juramento “A chave!!!”; de novo, nada.


Nós três imóveis quando a luz vermelha começa a apitar avisando que a porta se prepara para fechar e arrastar consigo a chave para o próximo ponto, então o seguinte, até o terminal e o cara de headphone chegar à porta de casa, se dar conta que está preso do lado de fora e se lamentar à procura da chave pelos bolsos e bolsinhos sem sucesso. É quando ele pisa no terceiro degrau da escada rolante que eu consigo por um milagre vencer a paralisia e minhas mãos alcançam a chave.


Ficamos, eu e ela, em comunhão apenas por um instante, e ela já ia voando por entre a fresta de porta ainda aberta, arremessada sem cálculo aparente pelas minhas mãos ansiosas. O tempo que até então voava, fica em câmera lenta, o assento preferencial se transforma em arquibancada, as cabeças imitam o trajeto da chave, os olhos e bocas se arregalam e abrem em sintonia; a parábola invisível quase no fim e a chave bate no ombro do cara de headphone.


Incrédula! Nunca antes capaz de acertar uma bolinha de papel no cesto de lixo, essas mãos, agora heroínas, fazem história na linha azul. História essa despercebida: antes do metrô decolar só é possível ver o cara de headphone se agachar sem comoção, ingênuo da sua quase catástrofe. O tal sortudo que se apoiava no espaço ao lado da porta também desceu nesse ponto, a moça mexendo no celular de capinha rosa com a máscara mostrando o nariz nem tchum e o que tirava um cochilo agora está no sétimo sono.


Mas a minha esperança – ah meu fiel assento preferencial – está na premissa da arte da fofoca: que as fifis espalhem para a rua, para o bairro, que alastrem minha façanha pelos quatro cantos de São Paulo e contem, de boca cheia, da humilde mulher que salvou um desconhecido de headphone.



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