Há um tempo eu considerei escrever todas as dúvidas e conflitos que aparecem
cotidianamente pra mim, mas também há tempos eu venho me encolhendo e sufocando tudo.
Talvez eu tenha vergonha demais ou minha síndrome do impostor me impossibilita de
expressar todas as coisas que mantenho guardadas, porque, no menor sinal de desejo de
querer cuspir o que sinto, eu me vejo insuficiente, insegura e cada vez mais minha imagem
vai se diminuindo no reflexo do espelho. Esse mesmo espelho que, sob o feitiço da ilusão,
também pode refletir a imagem de um outro com altura suficiente para ser considerado fora
do habitual. O mesmo ser também é pálido, rígido, sério e egóico. Aquele que tem o controle
de parar um oceano com águas subversivas, a menos que essas águas, em algum momento de
sua distração, possam atingir o espelho protegido pela estrutura rígida e espessa e, numa
súbita força, romper tudo que dele foi construído. Toda imagem, todo falso heroísmo, todo
ego, principalmente o ego. É por essas águas que ando esperando, porque, de certa forma,
ainda acredito na imagem delas rompendo todo feitiço dele, toda ilusão que nos faz acreditar
que é apenas nele que está a força.
E, passado tanto tempo desde que escrevi essas primeiras linhas, ainda acredito no poder
delas, das águas que metaforizam eu e as outras elas. Ainda espero atos de subversão, mesmo
tentando ser um pouco no meu cotidiano, principalmente quando minha pele se encosta em
alguma dessas águas e eu encontro o amor em meio ao caos e desobediência, porque amar
elas ainda é meu ato mais revolucionário e, talvez, o que tenho pra dar. Um propósito. Todo
toque, todo suspiro, suor e testa colada em alguma dessas águas tempestuosas, eu me sinto
mais viva, mesmo correndo risco de morte. É como estar em cima de um trapézio e pular,
esperando ser segurada pelos meus pés. Adrenalina. Mas, mesmo pulando, ainda sinto que se
meus pés não me segurarem, alguma dessas águas irá.
A última vez que as senti, foi quando espalhei tinta em uma tela. Foi meu último suspiro até
apagar e reconhecer novamente a imagem do espelho, que nesse momento já não cabia mais
aquela réplica aterrorizante de homem. Havia apenas as águas. Elas. Vermelho sangue e
cacos de vidro em meus pés, esses que se espalharam por todo chão. O espelho estava
quebrado. Eu nunca mais estive nessa epifania, mas ainda sinto todas as suas impressões
surrealistas.
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