A gente rodava a cidade no carro dele. No caminho que atravessa de sul a oeste de
São Paulo a gente via o movimento da Avenida Paulista com um olhar algo
saudoso. Ele me perguntava: “Não acabou ainda, né?” E eu tinha muito pouco pra
dizer de volta. Tenho reagido de maneira quase catatônica ao mundo que me
rodeia. Deve ser a diminuição no consumo de álcool. Se fosse há alguns meses eu
provavelmente teria uma resposta lindíssima pra devolver; ou algo bobo; ou eu
apenas estaria apagado no banco de trás. Só saíram da minha boca alguns
vocábulos tristes: “Se acabou, fudeu.”
O deslumbre de jovem é algo que eu ainda tento entender. Tenho muito problema
em fazer aniversário; se possível manteria os sólidos 20 e poucos eternamente.
Síndrome de “Peter Pan”, alguns diriam. Eu acho que é bem pior do que isso.
Síndrome grega! Quando se envelhece para a pólis, quando o corpo fica feio, então
pouco resta a ser feito. Ainda segundo essa cultura, somos segurados pelos fios da
vida conduzidos pelas Moiras, três irmãs que projetavam o destino [Lembra do filme
da “Hércules” Disney, aquelas velhinhas que dividiam um olho só? Então, tipo
aquilo, só que menos espalhafatoso]. Quem envelhecia se aproximava de um
desfecho com as Moiras, que a qualquer momento podiam tentar ceifar a vida.
Sempre que a gente passeia de carro alguma coisa acontece. Dessa vez um carro
parou em paralelo no sinal fechado. Cruzamento com a Augusta. A pessoa do
banco de trás disse alguma coisa em voz alta e eu exclamei: “Oi?!”, de um jeito
quase acidental. Rimos porque logo depois o sinal abriu e eu fiquei morrendo de
vergonha. O som fica por minha conta. Tento impressionar com a coisa que vai
deixar o motorista com mais vontade de acelerar. Só que naquele dia estava difícil
romper com o silêncio. A gente não parava de comentar que tudo o que vinham
dizendo nos últimos bares, com os amigos cativos, dizia respeito ao passado; e as
canções que ecoavam a volume baixo não pareciam ter nome nem compositor
porque já integravam a paisagem soturna daquele final de domingo.
Aquela cena, tirando toda a parte desassossegada, era bastante comum. A
banalidade de me encontrar no banco do passageiro. Eu sempre sou o passageiro.
Não virei motorista por inabilidade, preguiça, dinheiro. Não me comprometer com
um carro, porém, me fez correr atrás de uma personalidade companheira ao lado de
quem dirige; aquele ou qualquer outro. Ofereço o entretenimento necessário para
não te fazer dormir ao volante. Nem chorar ao volante, espero eu - apesar de já ter
ocorrido algumas vezes. Assisto o mundo dali do banco à direita quase como um
narrador de romance, classicamente deslocado na história. O primeiro que me vem
à mente é um perfil como o de um Nick Carraway, de “O Grande Gatsby”. Ele
passeia por entre mansões, festas e dramas como eu passeio com os amigos
motoristas. Por um momento me escondo por detrás da máscara do passageiro e ali
permaneço calado, contemplando o protagonismo de outras pessoas.
Chegamos relativamente cedo nas proximidades de casa. Pedi pra ele parar ali do
lado pra gente jogar conversa fora na pracinha. Caía uma garoa muito fina e, de
longe, os gritos de jovens fumando quebrava com o eco de nossos próprios passos.
Pensava nas Moiras, conduzindo nossas vidas como marionetes, controlando
nossos passos com um caminho certo entre os dedos. Pensava que tudo havia de
ser movimento, sob o risco de parar para sempre. Sob o risco indescritivelmente
trágico de me resignar com a posição de passageiro, sem sequer ter tentado colocar
as mãos num volante.
E a garoa formava um véu. E a garoa não parava de cair, até que o carro estivesse
coberto de gotículas. E tivemos que nos cobrir com os blusões para não morrermos
de frio.
Kommentare