A educação é um direito fundamental constitucionalmente garantido e desta forma, compete ao nosso ordenamento jurídico pátrio[1] o desenvolvimento de políticas públicas e ferramentas legislativas para a concretização desse direito na vida de todos os brasileiros, principalmente das crianças e dos jovens.
A Constituição Federal estabelece o direito à educação como um direito social e fundamental de todos os cidadãos[2], sendo dever do Estado a garantia de seu pleno exercício através de investimentos mínimos no setor da educação pública, do oferecimento da educação básica pelo poder público, das conquistas das condições de acesso e permanência nas escolas e universidade, e da universalização do ensino gratuito e de qualidade. A partir desta compreensão, pontua-se que a educação, como um direito social, possui eficácia imediata, enquadrando-se como um direito individual e coletivo vinculado aos fundamentos e objetivos do Estado democrático. Ademais, o governo brasileiro é comprometido com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que estabelece ser dever estatal garantir uma educação inclusiva e equitativa de qualidade, com o intuito de promover oportunidades de aprendizagem e ensino a todos.
Nossa Constituição Federal, traduzindo a ideia de uma educação universal para a legislação, dispõe acerca (i) do direito das crianças de até cinco anos de acesso ao ensino infantil e pré-escola; (ii) do ensino obrigatório dos quatro aos dezessete anos; (iii) dos direitos dos adultos de acesso ao ensino fundamental e médio, mediante suas necessidades; (iv) da universalização do ensino médio; (v) da garantia do oferecimento, durante todo o período da educação básica, de material didático, transporte, alimentação, assistência à saúde e atendimento suplementar adequado às necessidades; (vi) da garantia de acesso das pessoas com deficiência.
Dessa forma, o Estado deve implementar, obrigatoriamente, os programas destinados ao âmbito educacional, garantindo e concretizando as previsões da Constituição, não restando espaço para escolhas irrestritas dos governantes. A implementação de uma educação de qualidade significa, como declarado pela UNESCO, garantir a promoção do desenvolvimento em todas as dimensões da vida humana – culturais, antropológicas, políticas e econômica – possibilitando, assim, o desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo na construção da consciência política, principalmente, no exercício de seus direitos, realizando o ideal democrático.
Todavia, a nossa realidade, sobretudo, a realidade dos jovens pobres e negros das periferias não condiz com os preceitos constitucionais e com as diretrizes às quais a legislação brasileira está vinculada. Não é concedida a devida importância à educação no Brasil, prevalecendo o descaso estatal, a ausência de estratégias adequadas e competência para implementá-las.
Como exemplo da atuação contrária do Estado à universalização da educação pública, a Lei do Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95, do ano de 2016), que determinou o congelamento de investimentos nas áreas da saúde e educação por vinte anos, seguindo as orientações dos princípios de desumanidade do programa neoliberal[3], significa o desmonte do sistema público de educação, colocando a população pobre em situação de maior vulnerabilidade. A população brasileira viu o seu acesso e direito à educação ainda mais precarizados. Essa lei impede o Estado de investir em políticas públicas em duas áreas estratégicas, abandonando de forma perversa a população mais pobre e comprometendo as garantias constitucionais e os direitos fundamentais.
O descaso estatal com a educação representa retrocesso social e violação dos direitos dos brasileiros. Este processo de sucateamento da educação pública ignora, completamente, que a educação é um projeto nacional atrelado ao desenvolvimento social, ao desenvolvimento econômico, ao avanço produtivo, à concretização da democracia e da cidadania e à construção de um país que respeita e valoriza sua diversidade social.
Diante desse cenário de descaso com a educação, a negligência estatal em não remediar a grave situação e a crise da educação pública, e a propositura da mencionada Lei do Teto de Gastos, revelam a orientação de um governo que não preza pelo bem-estar e pela boa educação de seus jovens, os quais, frente ao total desamparo dos órgãos estatais, são condenados à violência e criminalidade. É evidente a necessidade de intervenção jurídica para o reconhecimento do estado de inconstitucionalidade das coisas, no que diz respeito à educação pública. O abando do Estado para com a garantia do direito à educação, reforça um sistema de exclusão, que simboliza a manutenção dos privilégios da branquitude integrante das classes mais ricas e a perpetuação do sentimento de não pertencimento dos jovens negros das periferias aos espaços educacionais e universitários.
O direito para a concretização dos preceitos constitucionais, que preveem a educação inclusiva e extensiva, deve desenvolver políticas públicas que englobem variantes múltiplas e complexas: um ensino para todos significa investimentos para a construção de ambientes e infraestruturas inclusivos e lúdicos; investimentos em mobilidade urbana; investimentos em espaços de lazer e cultura nas periferias; investimentos em professores formados e bem preparados, somados à valorização dos profissionais da educação; investimentos em atividades extracurriculares; investimentos e complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) com a finalidade de garantir um padrão nacional mínimo de qualidade; investimentos para a permanência dos estudantes, garantindo moradia, alimentação e transporte; entre outras medidas importantes.
Nestes termos, a garantia do pleno exercício do direito à educação está vinculada à disponibilidade, para todos os cidadãos, de uma educação pública de qualidade, prezando pela diversidade cultural e pelo atendimento às particularidades dos indivíduos, como pessoas com deficiência, pessoas privadas de liberdade, jovens que trabalham, entre outros. O Estado, como defensor da cidade e das pautas sociais, deve ser sensível à questão da educação, compreendendo-a como fator essencial na vida dos indivíduos, desde a educação infantil até a universidade e os cursos profissionalizantes.
Devemos ter em vista que a educação ocupa um lugar estratégico para o desenvolvimento do país, bem como para se alcançar um nível civilizacional mais complexo. Somente a educação possui condições de possibilitar um nível de desenvolvimento capaz de responder às demandas da sociedade. Nesse ponto, é preciso uma educação para a sustentabilidade, uma educação que enfrente os desafios ambientais para um mundo sustentável; uma educação para a tolerância, aberta à diversidade; uma educação para a democracia e os direitos humanos.
[1] Conjunto de leis que regem o Brasil.
[2] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
[3] Doutrina socioeconômica que retoma os antigos ideais do liberalismo clássico ao preconizar a mínima intervenção do Estado na economia, através de sua retirada do mercado, que, em tese, autorregular-se-ia e regularia também a ordem econômica.
Referências bibliográficas
UNESCO. Educação de qualidade para todos: um assunto de direitos humanos. 2ª ed. Brasília: Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe, 2008.
BARROSO, Luís Roberto. A Educação Básica no Brasil: do atraso prolongado à conquista do futuro. Direitos Fundamentais & Justiça, Belo Horizonte, ano 13, n. 41, p. 117-155, jul./dez. 2019, p. 118 a 119. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5749911/mod_resource/content/1/Artigo_Educac%CC%A7a%CC%83o_Barroso_7F32159CFC9EAF_arquivo.pdf.
RANIERI, Nina Beatriz Stocco. Educação obrigatória e gratuita no Brasil: um longo caminho, avanços e perspectivas. In Direito à educação e direitos na educação perspectiva interdisciplinar/ organizado por Nina Beatriz Stocco Ranieri e Ângela Limongi Alvarenga Alves. São Paulo: Cátedra Unesco de Direito à Educação/ Universidade de São Paulo (USP), 2018.
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