Quem nunca sonhou em viajar pelo mundo, ou quem sabe trabalhar fora do país?
Trabalhar e até mesmo realizar pesquisa mundo afora, com incentivos e investimentos é, na realidade, um sonho muito comum e que já foi nomeado há muito tempo.
Desde a década de 50, o termo "fuga de cérebros" ou "brain drain" em inglês, tem sido amplamente discutido academicamente, em artigos científicos ou popularmente, na boca do povo.
De acordo com Silva, Freguglia e Golçalves no artigo publicado em 2011 pela ANPEC, "brain drain, ou fuga de cérebro, é uma das diversas formas de migração. Segundo Kwok e Leland (1982), o termo brain drain refere-se a profissionais qualificados que saem de seu local de origem a fim de buscar oportunidades mais promissoras em outros locais. Para Beine et al. (2008), o termo brain drain designa a transferência de recursos na forma de capital humano e, principalmente, aplica-se à migração de indivíduos com relativa qualificação de países em desenvolvimento para países desenvolvidos."
Analisando essa definição, lendo diversos artigos e conversando com muitas pessoas sobre o tema, observei que, durante muito tempo, o mais comum era a realidade em que países com mais recursos e capital atraíam cérebros (pessoas), de países com menos recursos e capital. Ou seja, muitas pessoas que possuíam um conhecimento diferenciado, especializado e qualificado, saíam de países com menos recursos e capital, para realizar P&D (pesquisa e desenvolvimento) e trabalhos em países com mais recursos e capital. Um país que é um ótimo exemplo e que, durante bastante tempo, buscou incentivar esta prática de iscar estes cérebros de grande valia e que poderiam ser um excelente investimento, é o próprio Estados Unidos.
Entretanto, recentemente pude me deparar com uma perspectiva diferente ao visitar a Ásia, mais especificamente, a Indonésia. Nesses três meses, nos quais tive a oportunidade de viajar, estudar e trabalhar por lá (sendo estudar e trabalhar à distância no Brasil), notei uma quantidade significativa de brasileiros que eram atraídos por oportunidades de trabalho.
Ao realizar uma breve comparação entre o Brasil e a Indonésia, ambos são países considerados em desenvolvimento, mas com uma diferença considerável entre seus PIBs per capita. Ao analisar os gráficos abaixo, no período entre 2010 e 2020, observamos que o PIB per capita do Brasil tem sido maior, mas que o da Indonésia teve uma média de crescimento maior que o do Brasil.
Ou seja, neste caso temos o fenômeno de fuga de cérebro diferente da comumente destacada, em que pessoas estão saindo de um país com mais recursos e capital, para um país com menos recursos e capital. Tendo em vista essa realidade, busquei conversar e entrevistar alguns destes para tentar entender o que os atraíram e os mantêm por lá. O que atraiu tais cérebros a mudar aquele padrão anterior? Com o que eles trabalham na Indonésia?
Logo de cara posso citar um grupo de brasileiros com quem tive contato direto. Percebi que esses brasileiros eram considerados referência na área onde atuam e ótimos profissionais na Indonésia. Alguns deles foram para lá com o intuito de trabalhar, como, na área de Educação Física (com treinamentos funcionais, ginástica artística e ballet); existem os engenheiros que atuam em projetos, em tecnologia (no desenvolvimento de pneus e na área de mineração); outros são economistas que atuam na parte de finanças; uns atuam em áreas voltadas para o agronegócio (na área de solos e avicultura); há aqueles que atuam em áreas mais artísticas sendo modelos e atores/atrizes; têm também os que foram junto com a família e entre muitos outros que buscam oportunidades em qualquer setor, na expectativa de uma vida diferente.
São diversas áreas, com diferentes realidades e oportunidades: como as ofertadas por multinacionais que recebem incentivos para instalarem fábricas por lá (como terras, uma mão de obra barata por conta das relações trabalhistas do país, uma moeda desvalorizada e até isenção de impostos); ou por empresas da própria Indonésia que tem o enfoque num público com um maior poder aquisitivo; empregos relacionados à tecnologia (que enfrentam a carência de profissionais da área dentro do país) e também relacionados a uma área que muito me chamou atenção, a educação física (área que aparentemente não tem regulamentação, um curso de graduação oficial, mas que teve sua ascensão com o esporte sendo muito valorizado pela cultura local, principalmente por aqueles que possuem um maior poder aquisitivo). Um pouco de tudo, com alguns padrões identificados e reproduzidos.
Hoje, depois de um pequeno período em contato com um país tão diverso e cheio de potencial, enxergo que muitas dessas oportunidades agarradas por estes brasileiros, existem graças a diferentes perspectivas atreladas. De acordo com as pessoas que conversei por lá, a Indonésia de fato tem sido vista com muito potencial e como uma ótima fonte de investimento dentro dos olhos do mundo – esta passou a receber confiança e investimentos nos últimos anos, principalmente da China que fica próxima e de países que majoritariamente tem o Islamismo como principal religião (já que mais de 80% da população indonesa é mulçumana[3] e é o país mais populoso de maioria muçulmana no planeta). Enquanto isso, o Brasil dos últimos anos, teve diversos investimentos congelados e/ou reduzidos (junto com a perda da confiança de diversos investidores externos e internos), que tem sido comentado por diversas fontes e economistas.
Ademais, existem outras questões: a Indonésia é um país que teve sua independência declarada há pouco mais de setenta anos, que vive ainda algumas dificuldades, reforçadas por relações de exploração através do tempo. A desigualdade é evidente dentro do país e nos índices, em que são poucos os que possuem acesso à universidade e poucos lugares que possuem um bom saneamento. Muitos cursos ainda nem existem por lá e profissionais como de educação física, por exemplo, não possuem certificação oficial. Todas essas questões e motivos são muito interessantes e podem render um longo aprofundamento e estudo.
Para as famílias de brasileiros que conversei durante a minha estadia em Bali, viver na Indonésia traz mais confiança e benefícios para o futuro do que viver no Brasil. Eles acreditam que a economia brasileira está estagnada e enfrentando diversas dificuldades, enquanto enxergam a Indonésia em ascensão. As empresas que os empregam pagam seus custos com transporte, moradia e educação em escolas internacionais para os filhos, que muitos próximos da minha idade (21 anos) estão em universidades na Europa.
Já para Vinícius Coelho, de 32 anos, que é engenheiro e trabalha na Indonésia há 4 anos e que entrevistei em Jacarta (atual capital), entre as dificuldades de se morar na Indonésia, ele destaca a distância da família e poder vê-la poucas vezes ao ano; além disso, a língua nativa, que se chama Bahasa-Indonesia, é muito diferente - "Num âmbito de supervisores e de gerentes consegue-se conversar em inglês, mas na linha de produção você precisa falar na língua local. Então, muitas vezes o esforço e o desgaste para se realizar uma tarefa e entender um problema é muito maior". Vinícius acredita que morar no país ajudou no seu desenvolvimento e crescimento profissional mais rapidamente do que se ele estivesse no Brasil, principalmente trabalhando numa empresa grande - "O produto final que desenvolvemos na Indonésia e no Brasil é igual, a diferença é de como ele é feito, por conta de como as pessoas são, o comportamento, a cultura e tudo mais. Muitas vezes você se submete às situações em que a empresa necessita de você. É necessário fazer um pouco de tudo e se virar. Então, acho que isso te torna na parte profissional, um profissional muito mais capacitado e preparado para o mercado de trabalho.” Por fim, ele destaca: "Pude aprender aqui, uma cultura, um modo de viver e de trabalhar diferente, as pessoas são mais calmas e sensíveis. E no âmbito profissional, pessoal e cultural – tudo é muito rico, independente de onde você for".
Para Gabriela Madia, de 33 anos, que é personal trainer que já trabalhou por volta de quinze meses na Indonésia, é muito diferente trabalhar em um país que não tem regulamentação com a profissão de educação física, principalmente em relação ao conhecimento dos profissionais locais, que atuam com ela. Ela acredita que morar fora do seu país, te ajuda na evolução profissional – "Morar fora do seu país te faz evoluir como pessoa e profissionalmente como se fossem 10 anos em 1. Percebo que, para mim, nenhum lugar no mundo é tão longe quanto se parecia antes". Essa oportunidade ajudou-a a aumentar seu nível de sensibilidade no tratamento entre pessoas, visto que, é indispensável identificar as diferenças culturais e os motivos pelos quais as pessoas respondem de maneira diferente em situações parecidas. Entretanto, entre os aspectos negativos, ela destacou as dificuldades de se perder parte do desenvolvimento da sua família; o desconhecimento em relação aos serviços básicos e de saúde que trazem desconforto, principalmente em situações de emergência; e a dificuldade em não saber onde exatamente investir seu dinheiro num país diferente do Brasil, em que possui dúvidas se vale a pena mandar o dinheiro para o Brasil ou manter e investir na Indonésia. Isso pode demandar estudo e tempo, enquanto no Brasil ela já sabe como o processo funciona.
Com estes relatos e conversas que tive ficou claro para mim que o anseio destes brasileiros que foram para o outro lado do mundo vai muito além de apenas viajar. É sobre a oportunidade para crescer na carreira e ser valorizado na sua área, de ganhar mais numa moeda diferente como o dólar, de se destacar, conhecer uma nova cultura, construir um futuro diferente, entre muitos outros desejos, que superam o medo das inconstâncias sísmicas que são muito comuns por lá, provocando terremotos, tsunamis e erupções (durante minha visita ao país, vivenciei dois terremotos mais fortes, sendo um deles de magnitude 6,6).
Enfim, indico para você que tem esse sonho e busca por uma oportunidade semelhante, que reflita e pesquise em diversas perspectivas como ele pode se tornar possível, mas que fique claro que existem muitas questões, prós e contras, nas diferentes nações e realidades.
[1] "PIB per capita é o produto interno bruto, dividido pela quantidade de habitantes de um país. O PIB é a soma de todos os bens de um país, e quanto maior o PIB, mais demonstra o quanto esse país é desenvolvido, e podem ser classificados entre países pobres, ricos ou em desenvolvimento (...) é um indicador muito utilizado na macroeconomia, e tem como objetivo a economia de um país, estado, ou região. Para o cálculo do PIB, é considerado apenas bens e serviços finais." - https://www.significados.com.br/pib-per-capita/
OBS:. As imagens 1 e 4 foram feitas através do Canva.
Referências bibliográficas
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SILVA, Estefania Ribeiro Da; FREGUGLIA, Ricardo Da Silva; GONÇALVES Eduardo, 2011. "Composição e Determinantes Da Fuga De Cérebros No Mercado De Trabalho Formalbrasileiro: Uma Análise De Dados Em Painel Para O Período 1995-2006," Anais do XXXVIII Encontro Nacional de Economia [Proceedings of the 38th Brazilian Economics Meeting]048, ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia [Brazilian Association of Graduate Programs in Economics].
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