top of page
Buscar
Foto do escritorIasmin Rodrigues

A representatividade Queer nos games

Quer se admita ou não, videogames são a mais recente expressão de arte criada. Isso é verdade, tanto do ponto de vista de estética, com gráficos mais belos a cada nova geração, quanto do ponto de vista de exploração de temas, temáticas e emoções de modo tão artístico quanto uma instalação de galeria de arte, filme ou música. Dito isso, também é inegável o quão pouca é a diversidade nos jogos, em especial a diversidade queer.


Em 2018, Samantha Greer, jornalista freelancer e desenvolvedora de jogos, analisou milhares de games atrás de personagens LGBTQIA+, mas encontrou apenas 179. O número parece alto, mas se ela olhou para uma quantidade de jogos na casa dos milhares e encontrou personagens queer na casa das centenas, há uma discrepância um tanto quanto grande. Há de se considerar também que ela analisou os jogos com opção para o inglês, um dos idiomas predominantes do cenário dos games. Se formos olhar para os com tradução para o português, o número provavelmente é reduzido.


Do número que Greer encontrou, apenas 83 eram queer PCs, sigla para “playable characters”, isto é, personagens que poderiam ser usados pelo jogador. Deste número já reduzido, apenas 8 eram LGBTQIA+ por natureza, não apenas uma opção do jogador. Considerando que a sexualidade e identidade de gênero não são questões opcionais (as pessoas já nascem assim), é no mínimo cômico que apenas 8 PCs de uma amostragem de milhares de jogos tragam a possibilidade de uma pessoa explorar a vida de uma pessoa LGBTQIA+.


Óbvio que a história não tem de ser apenas sobre existir como LGBTQIA+ mesmo que o personagem principal faça parte deste grupo, entretanto há algumas particularidades que só apareceriam, porque o personagem não é hétero e/ou cis. Um exemplo singelo, mas interessante disso é no jogo Fallout: New Vegas. Neste jogo, apesar do PC não ser obrigatoriamente membro da comunidade LGBTQIA+, o jogador pode optar por isso e conseguir algumas habilidades devido a essa opção. Pode-se inclusive rejeitar o flerte de uma NPC (sigla para Non-Playable Character, personagens que o jogador não pode usar) feminina caso opte por jogar como um homem gay. Já é quase um milagre haver uma opção para rejeitar o flerte de uma personagem (mesmo jogos aclamados por suas escolhas não dão sempre essa opção), mas o mais extraordinário aqui é o motivo dessa possibilidade. Fallout: New Vegas não é uma história apenas sobre personagens LGBTQIA+, mas o fato de alguns deles serem não só aparece no enredo, como também é relevante. Há outros personagens e histórias paralelas de NPCs queer em Fallout: New Vegas, histórias essas que se enlaçam com a construção do mundo do jogo e que tem seus devido peso para cada personagem, mas o texto é curto demais para tantos detalhes.


Falando em relevância, acho que algumas pessoas devem estar se perguntando “tá, mas o que isso importa? Qual a relevância de não ter representatividade LGBT+ nos games?”. Para falar disso, primeiro é interessante considerar que a representatividade é importante em qualquer mídia. Isso porque, segundo uma pesquisa de 2015, a representação de minorias amplia o diálogo sobre inclusão e valida a existência dessas pessoas (algo que, infelizmente, ainda é necessário). Há outras pesquisas que mostram resultados bem semelhantes. Mesmo as obras mais blockbuster[1] podem causar este tipo de efeito. Afinal de contas, esse é o poder que a arte tem, mesmo a arte massificada.


Pensando por esse sentido, os games têm uma vantagem ainda maior sobre o restante da arte, pois é a única forma de arte interativa por natureza. O jogador precisa, obrigatoriamente, estar interagindo com o mundo para que alguma coisa aconteça. Mesmo que seja uma interação pequena, ela é uma condição intrínseca ao meio. Essa interação pode ter o efeito de criar ainda mais empatia pelas personagens representadas porque o jogador não está apenas passivamente observando a história se desenrolar. Ele está envolvido e possivelmente até implicado emocionalmente.


Como a arte e a ficção imitam a vida, e a vida por sua vez imita a arte e a ficção, a presença de personagens LGBTQIA+ em um videogame tem um potencial ainda maior para gerar empatia por esse grupo. Isso tanto no jogo quanto na vida real. Não somos apenas observadores nesses games, mas fazemos os papéis de pessoas próximas de pessoas queer ou temos o papel de ser queer nós mesmos. Daí que se torna uma pena termos tão poucos personagens capazes de gerar esse tipo de reconhecimento.


Alguns podem dizer que é bobagem cobrar esse tipo de coisa de games. Ora, apenas faça com que todos os NPCs sejam atraídos pelo personagem principal (o jogador) e pronto, acabou! O problema desse tipo de pensamento é que fazer os NPCs serem meramente “playersexual” (atraídos pelo player, pelo jogador) apaga as peculiaridades das histórias queer. Vejo Fallout: New Vegas como um bom exemplo anteriormente, mas na mesma franquia, Fallout 4, é um exemplo de representação de má qualidade. Isso porque, o jogo faz os NPCs “playersexual” ao invés de propriamente LGBTQIA+. Não há impacto no mundo o fato de um personagem ser gay ou não. Portanto, não só o mundo de Fallout 4 fica mais pobre quanto diminui-se a conexão que se pode formar com um personagem queer. Não é só quantidade o que importa. Qualidade nas representações também tem grande mérito.


Neste quesito qualidade, infelizmente, ainda há personagens que trazem estereótipos ruins de que ser queer está relacionado a ser também desequilibrado ou até mau mesmo. Exemplos disso são os personagens Trevor de GTA 5, um homem gay, e Alfred Ashford da série Resident Evil, um homem trans. O primeiro, apesar de ser um PC, tem tendências homicidas e distúrbio bipolar, enquanto que o segundo é um dos vilões e apresenta esquizofrenia descontrolada. Claro que pessoas queer também podem ter doenças mentais, mas considerando a pouca quantidade de personagens LGBTQIA+ nos games e em como a comunidade queer é demonizada até hoje, é no mínimo cruel fazer com que essas sejam as representações mais predominantes.


Ainda há esperança para uma melhora. Uma outra pesquisa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra como a representação LGBTQIA+ vem crescendo no mundo dos jogos. São passos pequenos, claro, mas sempre aumentando e melhorando. Também há o cenário de jogos indie, desenvolvidos por um desenvolvedor único ou por pequenas empresas que criam jogos muitas vezes mais inclusivos. Exemplo disso é o “indie darling”[2] do final do ano passado, Hades, no qual vc joga com o personagem Zagreus que pode ter um relacionamento com ou um homem ou com uma mulher (ou com os dois, em uma relação poliamorosa). O problema dos jogos indie é a barreira linguística, considerando que apenas 5% dos brasileiros falam inglês. Porém, assim como Hades está traduzido para o português, nada impede que as traduções se tornem mais comuns, dando mais opções para os jogadores e mais canais para uma representação queer de qualidade.



[1] O termo blockbuster refere-se a um livro, filme, ou outro objeto cultural que atinge grande popularidade e sucesso.

[2] Em tradução livre, “queridinho indie”. Designa um jogo que é aclamado pelos fãs de games indie.

17 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page