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Marina Mascarenhas

Afrofuturismo: dimensões e narrativas

Este artigo tem como objetivo fazer uma breve apresentação sobre a noção de "Afrofuturismo", e como este contribui para a formação da identidade pós moderna de pessoas africanas e afro-descendentes. Nesse sentido, serão apresentados alguns artistas que se baseiam nesse conceito para desenvolver sua poética. O termo afrofuturismo surgiu nos Estados Unidos, em 1994, com o cineasta Mark Dery e seu filme "Black to the Future". Esse conceito pode ser descrito como:


Um movimento artístico que perpassa diferentes meios, utilizando a música, política, moda, entre outras disciplinas. Ele utiliza o resgate à mitologia e histórias africanas e se une com elementos da ciência tendo como objetivo a liberdade de expressão, autoconfiança e empoderamento negro (SILVA, QUADRADO,2016, p. 8).


Nátaly Neri (2018), em sua apresentação no TEDx Petrópolis nomeada “Afrofuturismo: A necessidade de Novas Utopias”, entende o afrofuturismo como uma simples visão de que pessoas pretas estarão presentes no futuro. Ou seja, é um conceito que traz esperança de que as violências contra a população negra terão acabado, e que as pessoas negras poderão viver plenamente, sem estarem constantemente preocupadas com a preservação da própria vida.


Body State, 1999 - Bodys Isek Kingelez

Fonte: Google Arts and Culture


Deste modo, o afrofuturismo desafia todas as heranças coloniais que prendem os corpos negros numa condição de subalternidade, para mostrar novos imáginarios nos quais a colonização e o racismo não sejam a regra. E, isso se torna tão importante pois enfatiza o imaginário de representação que valoriza tanto a ancestralidade, como o que está sendo produzido no presente, bem como a construção do futuro. De acordo com Stuart Hall: "(…) a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato [...] Existe sempre algo 'imaginário' ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece incompleta, está sempre 'em processo', sempre 'sendo formada'" (HALL,1998, p.38).

O afrofuturismo corresponde à diversidade e à fragmentação contemporânea, e pode ser visto como um desdobramento pós-moderno do movimento pan-africanista. Como explica Stuart Hall, o sujeito moderno possui "identidade fixa e estável" enquanto o pós-moderno possui "identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas" (1998, p.46).Tanto o pan-africanismo quanto o afrofuturismo foram cunhados na diáspora africana e conversam com as questões da colonização, tendo um papel importante no aspecto cultural do continente africano. Mas, enquanto o pan-africanismo possuía um caráter mais unificador, de libertação da colonização, recuperação da ancestralidade e renascença cultural africana, o afrofuturismo tem foco na criação de novas narrativas, enfatizando o aspecto da pluralidade do continente africano e de seus descendentes.


O artista congolês Bodys Isek Kingelez pode ser utilizado como um exemplo muito claro do que o afrofuturismo transmite. Utilizando materiais do dia a dia, Bodys produzia maquetes de cidades imaginárias, construindo o que ele sonhava ser uma cidade ideal. Assim, ele "(...) oferece modelos utópicos e fantásticos para uma sociedade do futuro mais harmônica. Uma alternativa mais otimista de sua própria experiência com a vida urbana em sua cidade natal, Kinshasa" (MOMA, 2018) [1].

Uxanduva lwembewu, 2015 - Nicholas Hlobo

Fonte: Lehmann Maupin


O artista sul-africano Nicholas Hlobo também pode ser entendido como afrofuturista, não pelas invenções utópicas, mas por compartilhar sua experiência como um homem Xhosa [2] gay na África do Sul, discutindo sobre temáticas como gênero, sexualidade, colonialidade e etnicidade. O artista recupera práticas e técnicas advindas de sua ancestralidade e as combina com questões contemporâneas, trazendo a questão de suas várias identidades à tona, além de demonstrar o poder de transformação de sua cultura, de seu país e de seu continente.



Usando materiais táteis como fita, couro, madeira e restos de borracha que ele funde e tece, Hlobo cria intrincados objetos híbridos bidimensionais e tridimensionais. Cada material possui uma associação particular com identidade cultural, de gênero, sexual ou étnica. Juntos, os trabalhos criam uma narrativa visual complexa que reflete as dicotomias culturais da África do Sul nativa de Hlobo, bem como aquelas que existem em todo o mundo. Suas imagens evocativas e antropomórficas e materiais carregados metaforicamente elucidam a própria identidade multifacetada do artista no contexto de sua herança sul-africana. [3]


Riding Death in My Sleep, 2002 - Wangechi Mutu

Fonte: Artsy


Já a artista queniana Wangechi Mutu traz uma perspectiva feminina para o afrofuturismo, através de obras que representam criticamente a violência e a erotização do corpo da mulher negra. Suas criações consistem em figuras híbridas, inseridas em paisagens fantasiosas, misturando pintura com colagens e desenhos. Dessa forma, a artista desenvolve narrativas cheias de camadas, inserindo elementos repletos de significância em suas obras. O trabalho abaixo é um bom exemplo dessas características, como é descrito por Chiwoniso Kaitano:


Uma mulher-talvez, de aparência alienígena, está montada em um globo. Suas feições são trans-raciais, a pele é branca. No topo de sua cabeça está um elefante fantástico alado e cauda e ao seu lado, uma cabeça de águia – o símbolo duradouro dos Estados Unidos. A criatura se agacha, pronta como se fosse saltar para fora do quadro. Em jogo estão questões sobre o multiculturalismo, a sexualização e objetificação do corpo feminino (negro), raça, hibridismo e tudo o que ele representa; conflito, isolamento e "alteridade" (KAITANO, 2013). [4]


Os artistas apresentados acima representam o afrofuturismo por produzirem criações de diferentes narrativas sobre sua realidade, quase sempre de uma forma crítica, expondo desigualdades e violências. Sonhando com o que poderia ser, com o que deveria ser, ou criticando o que foi e o que é. Assim, o afrofuturismo se mostra plural, podendo ser entendido e representado de várias formas, sem necessariamente fazer referência a uma ficção científica, mas sim criando novas dimensões e narrativas, que dialogam tanto com a ancestralidade quanto com o presente de quem produz.


[1] Trecho retirado do site MOMA, traduzido por mim.

Trecho original: offer fantastic, utopian models for a more harmonious society of the future. An optimistic alternative to his own experience of urban life in his home city of Kinshasa.

[2] Xhosa é um grupo etnico sul-africano, que fala uma das 11 línguas oficiais do país. É composto por aproximadamente 8400000 pessoas, que se localizam no Cabo Oriental.

[3] Trecho retirado do site Lehmann Maupin, traduzido por mim.

Trecho original: Using tactile materials such as ribbon, leather, wood, and rubber detritus that he melds and weaves together, Hlobo creates intricate two- and three-dimensional hybrid objects. Each material holds a particular association with cultural, gendered, sexual, or ethnic identity. Together, the works create a complex visual narrative that reflects the cultural dichotomies of Hlobo’s native South Africa, as well as those that exist around the world. His evocative, anthropomorphic imagery and metaphorically charged materials elucidate the artist’s own multifaceted identity within the context of his South African heritage.

[4] Trecho retirado do site The Guardian, traduzido por mim.

Trecho original: A piece featured early in the survey is one that fully encapsulates the Mutu aesthetic. The themes with which she grapples in Riding Death in My Sleep are threaded throughout almost all of her work. A maybe-woman, alien-like in appearance, sits astride a globe. Her features are cross-racial, the skin is white. On top of her head is a winged and tailed fantastical elephant and to her side, an eagle head – the enduring symbol of the United States. The creature squats, poised as if to spring right out of the frame. At play are questions about multiculturalism, the sexualisation and objectification of the (black) female body, race, hybridity and all that it represents; conflict, isolation and "otherness".


Referências Bibliográficas

BODYS Isek Kingelez, City DREAMS. MOMA. 2018. Disponível em: https://www.moma.org/calendar/exhibitions/3889. Acesso em: 14 de agosto, 2022

BODYSTATE, Bodys Isek Kingelez. Google Arts and Culture. Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/bodystate/pAH7Ev6fGENq0Q. Acesso em: 14 de agosto, 2022

HALL, Stuart. “Nascimento e morte do sujeito moderno. Descentrando o sujeito”. In: A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 1998. (Pgs. 7-22)

KAITANO, Chiwoniso. The afrofuturism of Wangechi Mutu. The Guardian. 2013. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2013/nov/13/wangechi-mutu-art-afrofuturism Acesso em: 14 de agosto, 2022

NERI, Nátaly. Afrofuturismo, necessidade de novas utopias. TED TALKS. 2018. Disponível em: https://www.ted.com/talks/nataly_neri_afrofuturismo_a_necessidade_de_novas_utopias. Acesso em: 14 de agosto, 2022

NICHOLAS HLOBO, Biography. Lehmann Maupin. Disponível em: https://www.lehmannmaupin.com/artists/nicholas-hlobo/biography. Acesso em: 14 de agosto, 2022

QUADRADO; SILVA. O Afrofuturismo como forma de representação cultural. Quem tem direito à cultura?, São Luiz Gonzaga, v. 2, 2016. Disponível em: http://omicult.org/emicult/anais/wp-content/uploads/2016/11/O-AFROFUTURISMO-COMO-FORMA-DE-REPRESENTAÇÃO-CULTURAL-2.pdf. Acesso em: 14 de agosto, 2022

WANGECHI MUTU, Riding death in my sleep. Artsy. Disponível em:

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