Antoni Tàpies é um artista espanhol nascido em Barcelona no ano de 1923 e falecido na mesma cidade, no ano de 2012. Sua trajetória como artista foi marcada desde muito cedo por dois fatos que mais tarde iriam definir sua abordagem na pintura: a guerra civil espanhola e uma doença em seu pulmão que o deixou acamado por dois anos e o fez refletir profundamente sobre sua existência. Foi durante esse período que ele decidiu se tornar um artista. Durante dois anos, Tàpies estudou direito, mas, em 1944, decidiu abandonar esse trajeto para se dedicar exclusivamente à arte, aprendendo sozinho a pintar. Porém, foi apenas no final da década que ele começou a produzir obras que dialogassem com o estilo pelo qual ele é mais reconhecido. Assim, em 1950, ele teve sua primeira exposição individual e, a partir de então, se tornou um artista mundialmente reconhecido, com suas obras circulando em grandes exposições, salões e bienais – inclusive na segunda (1953) e quarta (1957) Bienal de São Paulo. Em 1990, foi inaugurada a Fundación Antoni Tàpies, em Barcelona, objetivando promover a arte moderna e contemporânea, além de possuir a maior parte do acervo de obras do artista.
Como estudante de Artes Plásticas, tenho contato diariamente com inúmeros artistas europeus do século 20 que têm uma obra incrível e que possuem uma biografia tão interessante quanto esta. Mas decidi escrever sobre Tàpies pois ele é o tipo de artista que, a partir do momento em que se tem contato com sua obra, dá vontade de saber mais. E de falar sobre. E de experimentar. Acho que já deu para perceber que a autora deste texto possui uma identificação fortíssima com o artista. Então, por isso, resolvi mostrar um pouco desse artista que, apesar de seu currículo, não são muitos fora do meio das artes que o conhecem (digo, ele não é um Picasso no quesito fama) e que tem uma obra que, realmente, vale a pena ser vista.
Em síntese, é importante dizer que Tàpies possuía um forte interesse em paredes. Não paredes de dentro de casa, lisas e lixadas. Mas sim paredes com furos, pixos, marcas – paredes que contam uma história, que são tão participantes da vida urbana quanto seus próprios cidadãos. Ele conta, em um documentário da BBC (1990), que sua relação com as paredes vem desde muito cedo, quando ia visitar seus avós em um bairro antigo de Barcelona e transitava entre ruas estreitas e pequenas, e reparava naquelas paredes que carregavam marcas e riscos de séculos. Antoni cita uma enorme lista de exemplos dessa significância que as paredes carregam consigo:
Separação, clausura, muro das lamentações, prisão, testemunha da passagem do tempo; superfícies lisas, serenas e brancas; superfícies torturadas, velhas e decrépitas; sinais de marcas humanas, objetos, elementos naturais; um senso de luta, de esforço; de destruição, cataclismo; ou de construção, ressurgimento, equilíbrio; traços de amor, dor, desgosto, desordem; o prestígio romântico das ruínas; a contribuição de elementos orgânicos, formas que sugerem ritmos naturais e o movimento espontâneo da matéria; um senso de paisagem, a sugestão da unidade primordial de todas as coisas; matéria generalizada; [...] (TÀPIES, 1970, tradução nossa[1])
A parede é infinita. E a capacidade de reprodução (ou sugestão) plástica desse elemento é algo que me encanta muito. Na minha opinião, Tàpies se insere na ideia de pintura expandida, que extrapola o uso de materiais convencionais como a tela, tintas e pincéis. Tàpies trabalha os elementos caros da pintura como matéria, composição e cor, mas com materiais como pó de mármore, areia, tecido, barbante… E em suportes igualmente diferenciados, como papelão. Ele introduz a discussão sobre o que o material traz consigo para a obra, que ele também é expressivo e tem um significado inerente a si. Seu interesse começou a ficar tão grande nessa pesquisa sobre materiais e matérias que a pintura se tornou tridimensional. Em um dado momento de sua carreira, Tàpies se torna escultor.
Para Tàpies, uma das histórias mais marcantes que as paredes de Barcelona contam é a da Guerra Civil Espanhola (1936 - 1939). Ele relata como um momento que viria a ter um grande impacto em seu trabalho, uma vez que nesse período Antoni estava entrando na adolescência – época que já é naturalmente muito sensível para qualquer um. No seu caso, com 13 anos, ele teve contato com bombas, fome, destruição:
Se eu fosse contar a história de como tomei conhecimento do poder evocativo das imagens de paredes, teria de voltar muito atrás. Essas são lembranças da adolescência e do início da juventude que passei trancado atrás dos muros dentro dos quais vivi as guerras. Todos os dramas que os adultos estavam vivendo e todas as fantasias cruéis de uma época que, em meio a tantas catástrofes, parecia flutuar de acordo com seus próprios impulsos, foram traçados e inscritos ao meu redor. Todos os muros de uma cidade que, na tradição familiar, era tão minha, testemunhavam os horrores e as reviravoltas desumanas que foram infligidas ao nosso povo. (TÀPIES, 1970, tradução nossa[2])
Nesse sentido, sua obra também se torna política. Além de questionar os meios tradicionais e formais da pintura, ele expõe, através da junção de matéria, percepções da violência, da guerra, da morte. Tàpies diz que seu compromisso político é resultante da sua forma de trabalhar, mas que quem produz a mensagem – seja ela qual for – é o próprio trabalho. (TÀPIES, 1994)
Coincidência ou não, tàpia em catalão[3], também significa parede.
[1] Separation, cloistering, the wailing wall, prison, witness to the passing of time; smooth surfaces, serene and white; tortured surfaces, old and decrepit; signs of human imprints, objects, natural elements; a sense of struggle, of effort; of destruction, cataclysm; or of construction, re-emergence, equilibrium; traces of love, pain, disgust, disorder; the romantic prestige of ruins; the contribution of organic elements, forms that suggest natural rhythms and the spontaneous movement of matter; a sense of landscape, the suggestion of the primordial unity of all things; generalised matter;
[2] If I were to tell the story of how I became aware of the evocative power of wall imagery, I would have to go quite far back. These are memories from the adolescence and early youth I spent shut in behind the walls within which I lived out the wars. All the dramas the adults were living through and all the cruel fantasies of an age – that, amid so many catastrophes, seemed to drift according to its own impulses – were traced and inscribed around me. All the walls of a city, which, in the family tradition, was so much my own, bore witness to the horrors and the inhuman reversals that were inflicted on our people.
[3] língua falada na Catalunha, comunidade autônoma da Espanha que têm Barcelona como capital regional.
Referências Bibliográficas
Antoni Tàpies. Guggenheim. Disponível em: https://www.guggenheim.org/artwork/artist/antoni-tapies
GARCÍA IBÁNEZ, Serafín. Interview with Antoni Tàpies. The UNESCO courier: a window open on the world, XLVII, 6, p. 4-6, 1994. Disponível em:https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000096814
TÀPIES, Antoni.‘Comunicació sobre el mur (Communication on the wall). La práctica de l’art .Barcelona, 1970. Disponível em:https://fundaciotapies.org/wp-content/uploads/2020/05/Communication.pdf
Tàpies. Gregory Rood. BBC, 1990. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Z2GhLfCpDE
Petjades. Antoni Tàpies, 1995. Disponível em: https://fundaciotapies.org/en/the-collection/works/?o=840
Porta. Antoni Tàpies, 1987. Disponível em: https://fundaciotapies.org/en/the-collection/works/?o=278
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