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Sofia Groppo

Arte rupestre: diário de um povo

A arte rupestre é a manifestação expressiva e estética mais antiga da humanidade. A arqueóloga Annete-Laming Emperaire afirma que a arte pré-histórica é um “[...] testemunho consciente e voluntário do homem pré-histórico. Feita para significar. Ela já representa uma linguagem, uma escrita, uma mensagem que nós tentamos compreender e traduzir”. E é por isso que ela é tão importante para nós: a arte rupestre é um registro das pessoas que as fizeram, do seu tempo, das suas práticas e do seu mundo, o qual é completamente diferente do que vivemos hoje.


As pinturas rupestres são encontradas em todo o mundo, em pedras de cavernas e abrigos naturais. As mais famosas certamente são as da caverna de Altamira, na Espanha, e as da gruta de Lascaux, na França. A caverna de Altamira está repleta de representações geralmente realísticas, contendo animais, como o cavalo e o bisão da Figura 1 em grandes detalhes, e outras emblemáticas, como as impressões de mãos da Figura 2. Algumas dessas pinturas alcançam 30 mil anos de idade.


Figura 1. Cavalo e bisão realisticamente representados na caverna de Altamira, Espanha. Fonte: https://dinosaurioss.com/pinturas-rupestres-de-altamira/

Outra pintura rupestre conhecida é a da caverna de Chauvet, localizada na França. O que impressiona nessas representações, além de imagens realísticas de 425 animais, é a habilidade dos artistas de dar movimento à pintura com o uso de irregularidades na parede da caverna ou com a chama crepitante de uma fogueira. A Figura 3 é um exemplo disso e de como era possível usar o jogo de luzes para passar a impressão de dimensão e vivacidade dos animais, como se eles estivessem dentro da caverna. Imaginem a importância que isso tinha para o humano pré-histórico!


No Brasil também há diversas pinturas rupestres de grande relevância, como as da Serra da Capivara/PI, das Cavernas do Peruaçu/ MG e do Vale do Catimbau/PE. Essas pinturas são evidência de que já haviam pessoas habitando a América do Sul muito antes da chegada dos portugueses e espanhóis, há pelo menos 28 mil anos antes do presente. Tratava-se provavelmente dos primeiros habitantes das Américas e a arte rupestre é um dos registros que comprovam essa teoria.


Ela é registro do mundo dos humanos que as fizeram. Numa região da Líbia, no norte da África, há um exemplo disso, observado nas pedras de Tadrart Acacus, um sítio considerado patrimônio da Humanidade pela UNESCO. As fascinantes pinturas desse patrimônio são animais como camelos, cavalos, hipopótamos, girafas, bois, pessoas retratadas em ritos mágicos, caçando e em carroças, e plantas, como a tamareira[1], representada na Figura 4. As primeiras pinturas datam de 12000 a.C.


Figura 2. Impressões de mãos em parede da caverna de Altamira, Espanha. Fonte: https://dinosaurioss.com/pinturas-rupestres-de-altamira/

Figura 3. Pinturas de bisões e cavalos em irregularidades na parede da caverna de Chauvet, França. Fonte: https://historia.nationalgeographic.com.es/a/cueva-chauvet-ultima-revelacion-arte-prehistoria_7692

Figura 4. Pinturas de humanos, animais e tamareira em rocha do sítio Tadrart Acacus, Líbia.

Você pode ter achado que essas são pinturas como outras quaisquer, que representam apenas o cotidiano das pessoas da época, mas como hipopótamos e girafas podem existir no mesmo ecossistema que camelos? A resposta nos é dada pela datação das pinturas e pelo que vemos hoje: um dos maiores desertos do mundo.


Na verdade, eles não coexistiram, e sim, houve uma transição entre um ambiente ideal para hipopótamos e girafas para um outro, em que os camelos estavam adaptados, o deserto. Analisando historicamente e cronologicamente as pinturas, entendemos que estamos diante de um registro fiel da desertificação do Saara, um processo que demorou milhares de anos para acontecer. Por isso sua importância tão grande para a região.


Mas você já se perguntou como humanos em diferentes partes do mundo realizavam suas pinturas? Que métodos usavam? Que matérias primas eram utilizadas e onde as pessoas as encontravam? Essas perguntas são pertinentes para entendermos de forma integrada essas manifestações e elas podem ser respondidas por cientistas de diversas áreas, a exemplo de arqueólogos, químicos e geólogos.


O papel das Geociências nesses estudos é proporcionar métodos de análises comumente utilizados por geólogos e aplicá-los na arte. Dessa forma, é possível inferir que os métodos que foram utilizados nos desenhos, a ordem em que eles foram realizados, bem como as matérias primas que foram usadas e de onde elas vieram. Geralmente, são utilizados minerais[1] vindos de fontes locais, como depósitos de solos, além de ossos e carvão vegetal.


Na gruta de Altamira, por exemplo, alguns dos pigmentos encontrados são vermelho, preto e branco, cujas composições são: hematita (um óxido de ferro), carvão animal e mica (um grupo de silicatos ricos em magnésio e ferro) mais quartzo (sílica). Acredita-se que algumas das técnicas utilizadas nessa localidade são a pintura com os dedos, a pintura com pincéis e o aerógrafo, uma técnica em que os artistas assopravam o pigmento na parede e que foi utilizada nas impressões de mãos da Figura 2.


Outro caso é da arte rupestre do Sudeste do Piauí, representada na Figura 5, que apresenta diversidade de cores: vermelho, amarelo, cinza, branco e preto, nas quais foram encontrados óxidos de ferro, argilas e carvão animal. Observa-se que algumas pinturas têm contornos vermelhos, comprovadamente feitos depois do preenchimento, em branco, por meio de análises estratigráficas, ou seja, das camadas da pintura.


Figura 5. Pinturas de animais na Toca do Arapoá do Perna, PI. Fonte: Lage (1997).

Em outras, observa-se variação de tons de uma mesma cor. A investigação feita com infravermelho levou a acreditar que isso não se trata de substâncias diferentes, e sim, da quantidade de pigmento empregada pela pessoa. Também foi possível constatar que as pinturas foram feitas diretamente sobre a rocha, dessa forma, não houve uma preparação da parede para receber o pigmento.


Esses resultados são cruciais para a Ciência. Eles permitem identificar os materiais utilizados por povos pré-históricos e inferir as técnicas pelas quais eles eram utilizados. A partir desses estudos, pode-se sugerir possibilidades, refletir ou especular sobre o processo criativo das pessoas, mas não é possível garantir certeza, já que o mundo era consideravelmente diferente há 10, 30 mil anos.


Uma das perguntas mais recorrentes acerca dessas pinturas é: por que os humanos se dedicavam a fazê-las? Não é possível respondê-la com precisão, mas podemos inferir que as pinturas serviam um propósito para essas pessoas, e que elas tinham um objetivo psíquico, intelectual, ou apenas estético, afinal, até hoje gostamos de apreciar obras de arte. No entanto, esses patrimônios da humanidade permanecerão um quebra-cabeça bem elaborado e cheio de encantamento.


É imperativo o estudo dessas manifestações rupestres com todos os meios científicos, e a tomada de atitudes que assegurem a desaceleração da degradação dos sítios, a fim de garantir sua preservação. Afinal, pinturas rupestres são “[...] obras de arte expostas ao tempo, sujeitas a ações naturais e/ou antrópicas, e por isso precisam ser documentadas, estudadas e conservadas a fim de preservá-las” (Jacques Brunet).


[1] minerais: sólidos de ocorrência natural e inorgânica, que tem uma composição química definida e uma estrutura interna regular. São alguns exemplos o quartzo, a calcita, a hematita, as micas e a fluorita.

[2] tamareiras: palmeiras cujos frutos são as tâmaras.

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