Em geral, a primeira lembrança que se tem quando falamos sobre filmes de horror nos princípios do cinema é o expressionismo alemão[1], mais especificamente com O Gabinete do Dr. Caligari (1920, de Robert Wiene). No entanto, o medo e o sobrenatural já marcavam presença antes mesmo do misterioso, hipnotizador e macabro doutor do pequeno vilarejo holandês. Algumas dessas primeiras marcas são a adaptação de Frankenstein (1910), o longa O Estudante de Praga (1913) ou ainda certas obras de George Mélies[2] (MELO, 2011, p. 27-28).
Todavia, o gênero ganhou sua força e forma na Alemanha muito por conta da incorporação da estética expressionista, tendo como marcos O Gabinete do Dr. Caligari (1919) e Nosferatu (1922, de F. W. Murnau). Este segundo filme é o primeiro roteiro adaptado do livro Drácula (1827), de Bram Stoker, que inclusive gerou polêmicas na época, uma vez que os herdeiros do escritor não concederam autorização para a adaptação, que acabou sendo processada por violação dos direitos autorais. Dentro do contexto do expressionismo alemão, as características que definiram o Horror no cinema foram: o referencial fantástico, a deformação expressiva dos cenários, o isolamento, a monstruosidade dos personagens e a maldade como personagem e herói (SILVA, 2009, p. 56). Outro elemento fundamental é o diálogo com a literatura, de que Nosferatu (1922) é um dos exemplos mais conhecidos (SILVA, 2004).
A influência estética expressionista se manifestou em diferentes produções, como O Golem (1913 (?)), O Médico e o Monstro (1915) e Fausto (1926). Para além do expressionismo alemão, nos EUA, o estúdio Universal, de Hollywood, realizou algumas das adaptações mais conhecidas de obras literárias, são esses os clássicos Drácula e Frankenstein, ambos de 1931, e, posteriormente, dos contos de Edgar Allan Poe, como O Gato Preto, de 1934, e O Corvo, de 1935. Foi também, nesse mesmo ciclo de horror hollywoodiano, que diversos monstros começaram a ocupar as telas dos cinema: A Múmia (1932), O Lobisomem (1942) e O Monstro da Lagoa Negra (1954) (MELO, 2011, p. 33).
Filme Suspiria (1977)
Na década de 1960, os estúdios Hammer, companhia britânica especializada em Terror, começaram a produzir uma série de longas com os monstros que já apareciam na Universal, como As Noivas do Vampiro (1960), sequência baseada em Drácula, dando origem ao caçador de vampiros Van Helsing, que depois se tornou uma grande franquia dos anos 2000. Outro que marcou o Terror no período de 60 foi Psicose (1960), do cineasta britânico Alfred Hitchcock[3]. O diretor não apenas criou um filme de horror, mas também há quem defenda que ele rompeu as barreiras entre o gênero do Terror e do Suspense, validando o que seria um Horror moderno. Em Psicose (1960), o personagem considerado “vilão” é construído de maneira elaborada e com desenvolvimento psicossexual, concebido pela obsessão patológica pela figura materna. Impossibilitado de tê-la conforme objeto de desejo, desenvolve um transtorno mental aparentemente irreversível, passando a dividir a própria personalidade com a de sua mãe. Norman Bates seria, então, um dos personagens de terror mais marcantes entre os psicopatas, seguido de Hannibal Lecter, protagonista de O Silêncio dos Inocentes (1991).
Já nos anos 70, com o contexto do conservadorismo e controle da libertação feminina, surge o subgênero mais conhecido do cinema de horror: o Slasher. Essa categoria lançou o cenário, quase sempre repetido, em que ocorre uma sucessão de assassinatos, mostrado de forma explícita e expondo um cinema mais apelativo, retratado de modo mórbido e sensacionalista. Nos slashers, há, em maioria, a presença assustadora de um serial killer, muitas vezes mascarado, e que segue um padrão para cometer seus atos: um grupo de jovens, com figuras paternas ausentes e com comportamentos socialmente condenáveis para a época (o uso de drogas, realização de sexo ou outros aspectos julgados impróprios pela ordem social). A única sobrevivente geralmente é uma jovem mulher, conhecida como “final girl”, que personifica o conjunto de virtudes éticas e morais da época, dando uma lição conservadora: se você é mulher, seja controlada socialmente por um homem ou morrerá de forma brutal (FLORES, 2011, p. 10). Dentro disso, temos os filmes: O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978) e Sexta-feira 13 (1980).
Filme Hellraiser (1987)
É também nos anos de 1970 que ressurgem os filmes com temáticas mais sobrenaturais, tal qual o caso do estrondoso sucesso O Exorcista (1973), que ganhou notoriedade com o conjunto O Bebê de Rosemary (1968) e A Profecia (1976). Muitos desses filmes, até os dias atuais, colocam em cena crianças sendo possuídas por forças demoníacas, além de expressar o conservadorismo, por sempre fazerem apologia à família tradicional, sugerindo que os problemas desencadeados têm relação com a desagregação expressa na composição familiar, como em Carrie (1976) e O Exorcista (1973), nos quais há mães solteiras criando jovens garotas.
Outro tema que rodeou o horror da década de 70, mais especificamente na Itália, foi o subgênero policial Giallo, principalmente com Suspiria (1977),novando tanto na parte visual e estética do terror quanto na deliberação de um filme que tinha potencial de slasher e acabou se revelando sobrenatural. Sua trilha sonora também é impecável e extremamente importante para o desenrolar da trama, demonstrando que o gênero está estritamente vinculado à arte expressionista e à plasticidade das cenas[4]. Na mesma época, apareceu simultaneamente o assunto do monstro moderno: o zumbi. Na trama de George Romero, A Noite dos Mortos-Vivos (1968), há uma das primeiras aparições do que se tornou um grande sucesso até os dias atuais, revolucionando ao trazer um novo vilão que escapou do modelo narrativo hegemônico.
Filme Pânico (1996)
Em 1980, houve o aparecimento do icônico Freddy Krueger, que virou uma febre para a época através de A Hora do Pesadelo (1984). Também nesse momento, Hellraiser (1987) colocou em cena de maneira aberta o sadomasoquismo. Embora soe conservadora em uma narrativa onde essa forma de prazer é apresentada como tortura que pode levar à morte, o filme abre o subgênero Bodyhorror, que ganhou forças nas narrativas mais contemporâneas, como no caso de Crimes Of The Future (2022). Foi nessa década que as produções de horror em Hollywood explodiram com tamanha demanda do público do cinema comercial, especialmente das categorias slashers, até chegarem a uma completa exaustão nos anos 90, o que foi apenas retomado com Pânico (1996), na segunda metade da década. A franquia de filmes Pânico (1996) — que se estendeu aos dias atuais e segue com planejamento de ter seu sexto filme — conquistou o público saturado ao revolucionar o subgênero. Essa sequência conseguiu transformar o slasher num gênero que se apropria da metalinguagem com o próprio cinema e, também, constrói uma história complexa em torno dos assassinatos, dos personagens e traz um vilão que não é fixo, a persona por trás se modifica a cada trama e, com isso, mantém-se todo o suspense junto do apego que o espectador cria com a figura do Ghostface, um assassino que beira ao caos dos filmes trash.
[1] expressionismo alemão (no cinema): O expressionismo alemão foi um movimento artístico surgido entre o final do século XIX e início do século XX, dentro do contexto das vanguardas europeias. O movimento está inserido na pintura, cinema, escultura e também na literatura
[2] George Mélies: foi um ilusionista e cineasta francês famoso por liderar muitos desenvolvimentos técnicos e narrativos no alvorecer do cinema.
[3] Alfred Hithcock: Alfred Joseph Hitchcock foi um diretor e produtor cinematográfico britânico. Amplamente considerado um dos mais reverenciados e influentes cineastas de todos os tempos, Hitchcock foi eleito pelo The Telegraph o maior diretor da história da Grã-Bretanha e, pela Entertainment Weekly, o maior do cinema mundial
[4] plasticidade das cenas: cenas da fotografia do filme que acabam remetendo à estética de pinturas. Exemplo: no filme, a escolha da cor do sangue não tem como objetivo se aproximar do real porque a intenção é remeter à uma cor forte que traga a sensação de tinta e pintura. Portanto, o foco está mais no estético do que em ser fiel à realidade.
Referências:
FLORES, Rubén Higueras. Slashers films: violência carnal. Barcelona:, Quarentena, 2011.
MELO, Marcelo Marques. Autópsia do horror: a personagem de terror no Brasil. São Paulo: LCTE, 2011.
SILVA, Michel. O cinema expressionista alemão. Urutágua, Maringá, n.Nº 10, p.1-10, 20046.
SILVA, Michel Goulart da. Cinema, história e política. Rio de Janeiro: CBJE, 2009.
SIMMER, G. A evolução do terror: entenda como o passado dita o cinema de horror atual. Metrópoles, 2020. Disponível em: https://www.metropoles.com/entretenimento/cinema/a-evolucao-do-terror-entenda-como-o-passado-dita-o-cinema-de-horror-atual. Acesso em: 13 out. 2022.
Comments