Representatividade não é sobre dor, é sobre vivências.
Não são poucas as narrativas de personagens LGBTQPIA+ [1] que sofrem com histórias de assassinato, morte, apagamento ou constantes violências. Temos como exemplo a série The 100, onde é construído um romance lésbico entre a personagem principal e uma personagem que se torna relevante para a narrativa através dele; do mesmo modo súbito em que o romance é constrído, ele é destruído por uma morte brutal do par romântico da protagonista, uma morte desnecessária e violenta que gerou muitas críticas negativas da comunidade LGBTQPIA+, na época.
Outros exemplos de personagens que são brutalmente mortos ou invisibilizados que podem ser citados: Poussey Washington (Orange is the new black), Edward Meechum (House of cards), Sara Harvey (Pretty little liars), Villanelle (Killing eve). Essa lista só cresce e já estamos cansados de ter representatividade apenas temporariamente, até o tempo de nossos personagens morrerem ou falharem e terminarem em ruínas ou não terem o mesmo desenvolvimento detalhado dos personagens heterossexuais dentro da narrativa da série.
Sobre a representatividade reconfortante de Heartstopper para jovens LGBTQIA+
● Onde assistir? Netflix;
● Autora: Alice Oseman;
● Direção: Euros Lyn.
Dentro desse contexto, a série Heartstopper, original da Netflix, propõe retratar a vida de dois jovens que estudam em um ensino médio restrito para meninos. Charlie é abertamente gay e um personagem bem sensível, demonstrando desde o início um tom mais romântico de ver o mundo e tendo fortes ligações com seus amigos e com a música. Já Nick é um jogador de rúgbi [2], tem uma personalidade bem alegre, extrovertida e gentil; ele vê o mundo de maneira apaixonante e isso irá gerar um interesse mútuo entre ele e Charlie. É então que Nick começa a explorar sua sexualidade, descobrir-se e viver uma paixão por outro menino. Ambos vivem seu ensino médio, como qualquer outro adolescente, expondo suas descobertas, suas amizades, indagações da adolescência, paixões, lealdade e há temas a serem explorados como a saúde mental de adolescentes. A série é originalmente adaptação de uma HQ (História em Quadrinhos) lançada em 2014, ilustrada e escrita por Alice Oseman, uma autora inglesa que conquistou um prêmio no Goodreads Choice Awards 2020 [3] pela ilustração da história.
Desde o início, tanto a série quanto a HQ possuem o objetivo de retratar de maneira apaixonante a vida dos personagens, há um exagerado uso de elementos que retomam a paixão adolescente, calorosa e cheia de atos românticos. De fato, é um recurso usado para que tanto o leitor quanto o espectador se sintam dentro do romance adolescente proposto pela série. Há uma inocência no amor, na amizade e em todas as relações do meio, afinal, trata-se de jovens que estão aprendendo a viver com as liberdades que surgem na juventude. Assim, Heartstopper é um clichê adolescente que encontra sua originalidade em se tratar de um casal LGBTQPIA+. A leveza é tanta que, até ao retratar os conflitos de sexualidade, a HQ/série consegue ser reconfortante tanto na descrição dos momentos de descoberta dos personagens, quanto para criar uma perspectiva positiva para o leitor/espectador que procura um conteúdo doce e que retrate o amor para além do sofrimento.
É por isso que Heartstopper conquistou os corações de muitas pessoas, pois aqui você irá encontrar uma história de amor e conforto. No final de tudo, a representatividade LGBTQPIA + não está em um personagem de fundo da narrativa ou em um protagonista que sofre e morre, o que queremos é ter representatividade num romance com conflitos reais e que retrata clichês adolescentes que todos vivem.
Nós cansamos da morte, porque ela já está presente num mundo ainda LGBTQIA+fóbico, o que queremos é ser representados através da vida e de vivências que não sejam tão dolorosas, queremos ser humanizados. Lutar também é escrever e produzir narrativas que causam esperança de um futuro onde o amor prevalece para todos.
[1] LGBTQPIA+: é o movimento político e social que defende a diversidade e busca mais representatividade e direitos para a população de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, interssexuais, assexuais, panssexuais e tendo o símbolo + como forma de incluir outras identidades sexuais e de gênero que não se encaixam no padrão heteronormativo (isto é, no padrão cisgênero e heterossexual).
[2] Rúgbi: trata-se de uma modalidade de esporte que requer o coletivo e o intenso contato físico. O jogo tem como objetivo levar a bola até a linha do campo do time adversário.
[3] Goodreads Choice Awards: premiação anual de livros com diversas categorias de indicação. Os vencedores são decididos pelos próprios leitores.
Referências bibliográficas
https://rollingstone.uol.com.br/vitrine/heartstopper-serie-em-quadrinhos-lanca-seu-terceiro-e-quarto-volume-no-brasil/
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