Não é preciso fazer muito esforço para notar as influências dos Estados Unidos no cotidiano brasileiro. De restaurantes fast food e filmes hollywoodianos ao ideal de american way of life[1], ainda perseguido por muitos, o vizinho do norte se faz presente em diversas esferas da vida dos países latino-americanos. E, para além do âmbito cultural e de consumo, o país tem uma relação de controle para com o resto do continente desde o século XIX, quando começou a institucionalizar políticas internacionais que visavam proteger os países do Sul, mas também proteger seus interesses na região, encontrando sempre justificativas para intervir nas nações vizinhas.
Expansionismo norte-americano
Os Estado Unidos se tornaram independentes da Inglaterra em 1776, conformando um território que parece mínimo se comparado ao seu tamanho atual: as 13 colônias. No início do século XIX, inicia-se a chamada marcha para o Oeste, a qual significou a conquista dos territórios indígenas até o Pacífico em busca de terras férteis e rotas comerciais.
Contudo, nada disso seria possível sem a ideologia que movimentava os colonos rumo ao Oeste: vistos como o povo eleito por Deus e excepcionalmente civilizado, os americanos do século XIX possuíam a missão de levar a civilização às terras selvagens. Obviamente, o que entendiam por civilização era a sociedade branca, protestante e descendente dos europeus, em oposição à selvageria dos povos nativos e da natureza intocada. Tal ideologia, nos anos 1840, ficou conhecida como Destino Manifesto, uma permissão divina para a conquista que, na prática, massacrou os indígenas que lá viviam, confinando-os em reservas ou tirando-lhes a vida.
Além dos territórios conquistados na marcha, a nação obteve terras a partir de compras, como a Louisiana e o Alasca, e guerras, como a Flórida, tomada do México e pivô de um longo conflito entre os dois países.
Observa-se, portanto, uma mentalidade expansionista constituinte da identidade estadunidense, presente tanto nos governantes, que negociam, tomam territórios e planejam políticas estatais, quanto na própria população, que marcha ao Pacífico e se crê predestinada.
Interesse internacional
Dada a mentalidade expansionista e a consolidação das fronteiras nacionais, pareceu natural que a expansão se desse para além delas, ou seja, mantendo controle, de alguma forma, sobre os países considerados “subdesenvolvidos” da América Latina. As motivações não foram apenas de cunho econômico, em busca de mercado consumidor e matérias primas, envolveram também estratégias políticas e crenças culturais na superioridade norte-americana.
Alguns historiadores e cientistas políticos acreditam que o interesse pelo controle do Centro e Sul da América começou a se manifestar nos anos 1820, com a Doutrina Monroe. Tal acordo reconhecia as nações recém independentes da América[2], além de considerar como ameaça direta aos Estados Unidos qualquer tentativa europeia de recolonização. A princípio, pode parecer um ato de solidariedade, mas a perspectiva muda ao observarmos o papel dado aos países latinos, colocados como meros objetos sob tutela da civilização americana e não como agentes ativos da política global.
A partir daí, a nação norte-americana sempre encontrou meios de intervir nos países americanos: constrói inimigos que apenas ela pode combater. O primeiro inimigo foi justamente a recolonização europeia, freada pela Doutrina Monroe. Depois, deviam combater a instabilidade política e o faziam instaurando “ditaduras confiáveis” com a política do Big Stick - o resultado foi de 31 intervenções em nove países da América Central e Caribe entre 1898 e 1925[3]. No período das Guerras Mundiais, o medo de que o fascismo tomasse conta dos governos serviu de justificativa.
E, finalmente, durante a Guerra Fria, o comunismo surge como maior inimigo, fazendo com que os Estados Unidos apoiem as diversas ditaduras militares latinas – inclusive a brasileira -, através de financiamentos, colaboração militar e auxílio na comunicação continental. Isso sem mencionar a dependência econômica, alimentada pelo setor estatal e privado norte-americano, e o imperialismo cultural que atinge principalmente a América do Sul.
Imperialismo estadunidense
As motivações para intervenção na América Latina mudaram ao longo das décadas, se adaptando aos interesses norte-americanos de segurança nacional, desenvolvimento econômico ou conveniência no jogo político internacional. Porém, tudo isso poderia ser feito de maneira a respeitar os países latino-americanos, assim como faziam nos contatos com governos europeus. O que impediu que isso ocorresse foi justamente a ideia de que esses países são inferiores e devem estar sob tutela de uma nação desenvolvida, papel assumido pelos EUA - sempre de acordo com a noção de que são e estão no auge do desenvolvimento da civilização.
É onde entra o imperialismo: assim como os ingleses tinham o fardo do homem branco[4], os norte-americanos assumem o papel de civilizar os países subdesenvolvidos no Sul, levando o que eles acreditam por civilização, por democracia, por sociedade, por progresso. Dessa forma, institucionalizam intervenções políticas, militares e econômicas, ademais do imperialismo cultural.
Podemos citar como as marcas de roupas Estadunidenses invadiram nossos shoppings – um conceito também americano-, ou falar sobre o uso de palavras em inglês no nosso vocabulário, ou até sobre como fomos convencidos de que só atingiremos o desenvolvimento pleno quando nossas capitais se assemelharem às gringas. Essas todas são facetas do imperialismo. Contudo, devemos refletir também sobre como os Estados Unidos ainda buscam problemas em nossa sociedade latina para justificar intervenções incisivas que muitas vezes apresentam resultados nada benéficos para nossas nações, exatamente por não nos considerarem como autônomos. A relação se torna de dependência em diversos âmbitos. Se o inimigo já foi o fascismo e o comunismo, hoje, foi adaptado ao tráfico de drogas e à corrupção, motivos para que estejamos sempre um nível abaixo, subjugados à nação estadunidense.
Por fim, deixo algumas provocações: por que os Estados Unidos intervém e opina nas eleições das nações latinas e o contrário não ocorre (apesar das inúmeras falhas em seu sistema eleitoral)? Qual é o progresso e o desenvolvimento que querem nos trazer, se estamos há tanto tempo sob sua influência e permanecemos na periferia do mundo?
O interesse é manter-nos por baixo, manter-nos como um celeiro, um quintal, toda uma área e uma população a serem exploradas sem medidas.
[1] Ideal estadunidense de vida do fim do século XIX, que tinha como características primordiais o nacionalismo, o liberalismo, o consumismo e a valorização do poder aquisitivo. A felicidade seria atingida através dos bens materiais.
[2] Antes colônias da Espanha, França e Inglaterra, os territórios da América tiveram seus processos de independência no século XIX, conformando novas nações.
[3] FERES JR, página 185.
Referências bibliográficas:
FERES JR, João. A América Latina vista do alto. Revista de Sociologia e Política, 1999, no 13, p. 183-188.
MENDES, Ricardo Antonio Souza. América latina–Interpretações da origem do imperialismo norte-americano. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, 2005, vol. 31, no 2.
SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão uma história da política norte-americana em relação à América Latina. Edusc, 2000.
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