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Laura Lopes

Bye Bye Brasil: o retrato histórico dos impactos da “americanização” da cultura brasileira

Aos arredores do legado do Cinema Novo e beirando o que se chama de “road movie”[1], Bye Bye Brasil (1980, dir. Carlos “Cacá” Diegues) conta com o sublime elenco composto pelo José Wilker, Betty Faria, Fábio Jr. e Marieta Severo e é um reflexo do que podemos observar do propósito do período desenvolvimentista[2] no Brasil, encabeçado durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961)[3]. Os planos do presidente consistiam em encaixar o país nos, até então, novos padrões globais que exigiam o constante consumo das tecnologias de ponta e máxima adesão aos modos de produção e estilo de vida ditados pelas nações (os Estados Unidos, principalmente) que detinham a maior concentração de recursos para isso – e que, portanto, se denominavam as mais desenvolvidas e modernas. Nações essas que colonizaram grande parte do território ocidental e que submeteram diversos países a uma situação de precarização e desvantagem nesse modelo ideal.


José Wilker como Lorde Cigano, ilusionista e líder da “Caravana Rolidei'', espetáculo itinerante que percorria as estradas do sertão brasileiro.

Os protagonistas do longa-metragem em questão se sustentam por meio de um pequeno espetáculo itinerante que percorre o sertão nordestino chamado “Caravana Rolidei”, alusão à palavra inglesa holiday, que circulava apresentando truques de mágica, ilusionismo, música e dança e, eventualmente, se vê ameaçado com a chegada das televisões no país, que roubam toda a atenção de seus possíveis espectadores. Esse evento representa os resquícios do período desenvolvimentista ao mostrar muitas pessoas reunidas em uma praça apertando suas vistas para desfrutar de um pequeno e único aparelho televisivo que exibia conteúdos claramente influenciados pela cultura do glamour americano: músicas em inglês, estética hollywoodiana e protagonismo de grandes estrelas que conseguiram fazer sua carreira nos Estados Unidos – como a atriz paranaense Sônia Braga. Tal aparelho, contudo, fora projetado para pertencer a uma única família, como acontece nos países que de fato possuem condições de usufruir de tal tecnologia. Já, no filme, é utilizado em massa, em plena praça pública. Isso evidencia a agressiva adesão ao ideal de desenvolvimento propagado pelos países de “primeiro mundo” e comprado pelo Brasil, ou seja, a incorporação do capital estrangeiro, que buscou se sentir pertencente a um mundo muito distante e intencionalmente inalcançável.


Logo no começo é mostrada uma cena do espetáculo em que o mágico cigano realiza um truque que faz “nevar”. Em seguida, ele compara a situação com a neve de países europeus já na época vistos aqui como símbolo de sofisticação (Suíça, Alemanha, França, Inglaterra, etc). Para mim, essa cena é de certa forma dolorida, mas ótima para ilustrar a “síndrome de vira-lata” que esses padrões de desenvolvimento acarretaram na cabeça do povo brasileiro. Apesar de todas as riquezas naturais exuberantes presentes em território brasileiro, a neve, fenômeno culturalmente e diretamente associado a países europeus, ricos e idealizados, foi recebida pelos espectadores como uma dádiva, um sonho realizado como se nunca tivessem testemunhado uma coisa tão linda.


Betty Faria, a sedutora dançarina Salomé, em frente à Caravana.

A chegada dos aparelhos televisores e o início da propagação da cultura estadunidense com músicas, filmes e a glamourização do idioma inglês delimitam o período de transição entre um Brasil considerado economicamente “atrasado” e selvagem e um Brasil atrativo, sedutor e descaradamente aspirante a escravo da subordinação aos países mais desenvolvidos, em razão de seus infinitos recursos naturais, mulheres sexualizadas e paisagens paradisíacas. No meio disso, é claro, os cidadãos brasileiros, residentes das cidades mais pobres e esquecidas pelos projetos do governo, encontraram meios de tirar proveito da situação como puderam para sobreviver e se adaptar a uma nova realidade que não fora feita para eles como agentes ativos do crescimento nacional[4] e sim como seguidores e consumidores assíduos dos novos ideais semeados com a ideia de progresso através da modernização e industrialização.


Além dos males impostos pela força maior dos soberanos da economia global, por mais que o desenvolvimentismo tenha visado, teoricamente, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros em geral, partes consideráveis da população ainda se encontram no marco inicial dessa linha de evolução estabelecida desde o momento em que se decidiu voltar o país ao desenvolvimento industrial. Há várias cidades no interior de cada estado do Brasil que ainda não conhecem as maiores tecnologias atualmente presentes como, sinal de internet e as redes sociais que circulam a maioria das informações. Muitas pessoas ainda sobrevivem com os mesmos aparelhos que no tempo da produção cinematográfica de Carlos Diegues eram considerados o que havia de mais inovador e sofisticado[5], mas hoje em dia são considerados artefatos praticamente pré-históricos.


Dessa forma, foi possível compreender de forma mais humana esse processo de incorporação dos brasileiros aos padrões de vida tão diferentes dos seus próprios em nome de uma modernização compulsória que não favoreceu a todos como deveria, mas que apresentou os tesouros que restaram do Brasil ao mundo e ao mesmo tempo, apresentou os tesouros do mundo aos brasileiros deslumbrados.


[1] ”Road movie” é um gênero cinematográfico que caracteriza filmes dos quais a história se desenvolve durante uma viagem, de modo que várias das cenas acontecem no meio de locomoção usado pelos personagens e apresentam vários lugares diferentes conforme o trajeto. Road significa “estrada” em inglês.

[2] Modelo econômico utilizado como projeto estratégico pelo presidente Juscelino Kubitschek para alavancar a industrialização no Brasil e retirar o país da condição de “subdesenvolvimento”, de forma a estimular a produção de capital. Através do Plano de Metas -que viabilizava uma maior intervenção do Estado sobre a economia - o país incorporou capital estrangeiro e obteve recursos externos para crescer economicamente.

[3] Juscelino Kubitschek foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961. Nascido em Diamantina, no interior de Minas Gerais e inicialmente formado como médico urologista, J. Kubitschek foi eleito com a premissa de eliminar o “atraso” de desenvolvimento que rotulava o país em relação à industrialização. Juscelino Kubitschek, também conhecido apenas como “JK”, foi o responsável pelo “plano piloto”: o planejamento e construção da cidade de Brasília, atualmente a capital do Brasil.

[4] O crescimento nacional diz respeito ao processo de expansão econômica do Brasil no período desenvolvimentista que, além disso, visava promover o país internacionalmente e o rompimento com a imagem de subdesenvolvimento e atraso que se carregava. As pessoas postas à margem do crescimento nacional são os cidadãos que, aos olhos do governo e da camada social rica em posses e poder, jamais serviriam ao propósito de fortalecimento do país a não ser como parte da massa consumidora que se pretendia criar.

[5] Os aparelhos televisivos populares nas décadas de 70 e 80 eram modelos de imagem em preto e branco; porém, os aparelhos de imagem colorida foram lançados nesse período e eram considerados tecnologias de ponta e consideravelmente caros e, portanto, de difícil acesso pelas famílias brasileiras. Os aparelhos de televisão da época possuíam pequenas telas e corpos pesados, em formato de caixa. Não havia controle remoto, o volume e a troca de canais eram feitos no próprio aparelho.

Atualmente, apesar de obsoletos os aparelhos de imagem em preto e branco, as televisões “caixa” de imagem colorida eventualmente se popularizaram e ainda ocupam o lar de muitas famílias no Brasil.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



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