**Sobre a autora: Zabell é estudante de cinema pela Universidade Federal de São Carlos, tem 22 anos e atualmente mora em São Carlos. Na faculdade, tem como ênfases som e roteiro, além de fazer edições de vídeo e foto. Seus principais interesse são filmes do gênero de horror e suspense, bem como a cultura pop e música. Na revista, escreve artigos mensalmente e participa da equipe de engajamento. Também faz parte de um coletivo audiovisual denominado Por1Fio, originado por um grupo de estudantes do curso de cinema.
O Brasil dos anos de 1920 e 1930 era um país atrasado do ponto de vista industrial. Assim dizendo, ainda predominava o regime agrário[1], havia apenas uma pré-industrialização e, além do mais, o país era recém saído da escravatura[2], que havia sido encerrada por lei há cerca de 40 anos. Tendo em vista esse cenário nacional, a indústria cinematográfica era bem simples e enfrentava sérios problemas para conseguir adentrar o território e se estabelecer. Embora o cinema nacional enfrentasse essa dificuldade, as mulheres já buscavam seu espaço por trás das câmeras. Pioneiras como Cléo de Verberena, Gilda Abreu, Carmen Santos e Gita de Barros (BARBOSA, 2019) desafiaram inúmeros preconceitos que cercavam - e ainda cercam - a atividade para tomarem lugares no cinema de autoria feminina da época. Na América Latina, as argentinas Emilia Saleny e Maria V. de Celestini e a mexicana Mimi Derma foram as primeiras realizadoras de cinema, registradas na época de 1910 (idem).
No Brasil, o primeiro filme assinado por uma mulher foi feito apenas 22 anos depois do começo do cinema em território nacional. Desse modo, conseguimos ver a dificuldade que era para as mulheres fazerem parte da direção dessa arte e dos processos para além da atuação. Segundo os registros da história do cinema brasileiro, a primeira mulher a fazer o registro de um filme em seu nome foi Cléo de Verberena (1909-1972), com o filme silencioso[3] “O mistério do dominó preto”, um filme com trama policial envolvendo o assassinato de uma mulher em pleno Carnaval, lançado em 1930 (BARBOSA, 2019).
O nome real da diretora era Jacyra Martins Silveira. Ela ficou órfã bem cedo e aos 11 anos de idade foi morar na capital do estado de São Paulo. Esses acontecimentos fizeram com que ela se tornasse uma mulher independente cedo e, pelos relatos, seu interesse por cinema cresceu de maneira espontânea e autodidata, tendo em vista que na época ela não poderia contar com uma formação, pois não era comum mulheres terem acesso a este tipo de educação e, para ter, precisava-se de muito dinheiro.
Cléo iniciou a carreira artística como atriz de revista do Theatro Central e, com isso, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a tentar fazer cinema na Cinédia.
Ativa em sua carreira, Cleo fundou com seu marido, César Melani, o estúdio Epica Film, na rua Tupi, dentro do bairro paulistano de Perdizes. Eles importavam diversos equipamentos cinematográficos de origem francesa, tendo em vista que a indústria brasileira não produzia - e isso se segue até hoje - equipamentos para fazer filmes, como câmeras, iluminação, além dos objetos que compõem o cenário (BARBOSA, 2019). Dentro do estúdio, Cléo tinha a função de produtora, diretora e, também, chegou a atuar como protagonista em um de seus filmes. Isso por si só demonstra a tamanha ousadia da cineasta para a época em que viveu, sendo ela um grande nome a ser consolidado na história de nosso cinema.
Mesmo cheia de talento e disposição, Cléo acabou reduzindo seus projetos até que parou de fazer cinema, isso tudo dado à falta de estrutura de apoio, como mecanismos de financiamento e políticas de produção e exibição (BARBOSA, 2019), além de seu apagamento por parte de homens que faziam cinema junto dela, já que, diversas vezes, Cléo apresentava um projeto de direção e ele era dado, através dos produtores, para algum outro homem em vez dela.
No livro “Mulheres atrás das câmeras” fala–se o seguinte a respeito da cineasta:
É importante observar que, nesse primeiro filme, feito por uma mulher, não se registrava uma temática especificamente feminina - era, talvez, uma iniciativa extemporânea e isolada demais para isso. (BARBOSA, 2019)
Ou seja, os filmes feitos por Cléo não eram especialmente para mulheres, embora fosse uma cinematografia feita por uma. Eles abrangiam temas que foram pioneiros no cinema de gênero, já que alguns deles tinham uma temática policial e de suspense, coisa que era e, ainda acaba sendo, rara na cinematografia nacional. Por exemplo, vemos muitos filmes de suspense policial em Hollywood, mas quando falamos desse tipo de cinema aqui em nosso território pouco se é lembrado. Muitos de nós não imaginariam que o filme pioneiro feito por uma mulher abordaria tal temática, porque ainda temos um cinema nacional pouco consolidado e que persiste nas mãos de uma minoria.
[1] regime agrário: um regime dedicado ao cultivo agrícola e à criação de gado.
[2] A escravatura - denominada também de escravidão, escravismo, esclavagismo, ou escravagismo - é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo ou escravizado, imposta por meio da violência física ou moral.
[3] filme silencioso: consiste nos filmes ausentes de trilha sonora, diálogos e ruídos dentro de sua narrativa.
[4] Cinédia: fundada na década de 40, a Cinédia é o mais antigo estúdio nacional em atividade, atualmente ela é alugada para produção de minisséries, especiais e shows para a TV
Referência bibliográficas
BARBOSA, Neusa. Mulheres Atrás das Câmeras: Pioneiras na realização cinematográfica no Brasil. 1. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2019. 364 p. v. 1. ISBN 978-85-7448-308-5.
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