Você com certeza ouviu falar bastante de “The Last Of Us” nas últimas semanas. Vencedor de mais de 200 prêmios de Jogo do Ano, “The Last Of Us”, lançado pela primeira vez em 2013, retrata um mundo pós-apocalíptico 20 anos depois de uma pandemia fúngica a qual mudou completamente a civilização.
Em 15 de janeiro de 2023, a plataforma de streaming HBO Max lançou a série “The Last Of Us” sobre a franquia, desenvolvida pela Sony Pictures Entertainment em conjunto com a PlayStation Productions. A nova produção se tornou, em uma semana após o primeiro episódio, a segunda maior estreia da HBO em mais de 10 anos e foi apontada como a melhor adaptação de um jogo até o momento.
Um assunto bastante repercutido sobre a série, é justamente o causador de toda a trama: o fungo Cordyceps. Na ficção, ele seria o responsável por transformar os seres humanos em zumbis, fazendo-os atacar uns aos outros. Mas na vida real, isso seria possível?
Primeiramente, é interessante entendermos mais sobre o assunto. Cordyceps é um gênero de fungos que pertencem ao filo [1] Ascomycota, sendo conhecidos cerca de 500 tipos diferentes. São fungos entomopatogênicos, ou seja, capazes de colonizar diversas espécies de artrópodes [2], principalmente de pragas, causando epizootias, enfermidades que podem ocasionar a morte ou interferir na alimentação e reprodução (ASHRAF et al, 2020).
A relação mais conhecida entre Cordyceps e artrópodes é entre o Ophiocordyceps unilateralis com as formigas. Uma vez dentro dela, se desenvolve consumindo, primeiro, sua estrutura muscular até finalmente atingir o sistema nervoso central, transformando-a em verdadeiro zumbi (NASCIMENTO-SILVA; CUSTÓDIO, 2021).
O fungo consegue controlar os corpos e mentes das formigas (por meio de interações químicas que ainda estão sendo estudadas), alterando seu comportamento. Isso faz com que o inseto abandone o formigueiro e deixe de fazer suas atividades normais. A infectada é obrigada a subir em folhagens e se agarrar na vegetação. Uma vez presa às folhas , a formiga morre e o fungo cresce em seu cadáver, utilizando-o como fonte de nutrientes e base para espalhar seus esporos[3]. A partir desse processo, o fungo consegue infectar mais formigas ou outros artrópodes (DEBEKKER; MERROW; HUGHES, 2014).
A característica de infectar e alterar o comportamento de algumas espécies de artrópodes foi a inspiração para a criação da história de “The Last Of Us”, onde esses fungos passam por uma evolução que os permite infectar seres humanos. Entretanto, cientistas apontam que para começar a hospedar qualquer animal de sangue quente, seria necessário passar por um grande desenvolvimento, que demoraria milhões de anos (GIBBENS, 2023).
Apesar dos estudos apontarem que a contaminação por Ophiocordyceps unilateralis em humanos esteja meramente no campo da ficção científica, a ideia de que o aumento da temperatura do planeta interfira nas doenças fúngicas é plausível. Isso porque há outros tipos realmente perigosos para a saúde, que são resistentes a altas temperaturas e, por isso, conseguem sobreviver no organismo humano (GIBBENS, 2023).
Um exemplo de fungo que pode ocasionar sérios problemas de saúde pública é o Candida auris, um microrganismo capaz de resistir aos principais antifúngicos existentes e que está relacionado a uma alta morbidade e mortalidade. Ele pode atacar a corrente sanguínea e causar outras infecções invasivas. Por conta disso, desde março de 2017, o Brasil possui orientações para os serviços de saúde que ajudam a prevenir e controlar sua disseminação (CNN Brasil, 2023).
As principais medidas de prevenção e controle estão relacionadas com a higienização correta das mãos para todos os profissionais de saúde, acompanhantes e visitantes, além do uso correto dos equipamentos de proteção individual e dos insumos disponibilizados para o manejo do paciente (SECRETARIA DE SAÚDE GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO).
Em resumo, apesar de algumas licenças cinematográficas para trazer o drama e a tensão para a história, a série “The Last of Us” possui elementos científicos reais que são capazes de nos fazer refletir sobre a evolução e resistência de várias espécies de microrganismos e como isso pode afetar a vida neste planeta.
[1] Filo: são agrupamentos de seres vivos que partilham certas características evolutivas em comum.
[2] Artrópodes: são invertebrados (não possuem coluna vertebral) com patas articuladas, e uma carapaça protetora externa, que é seu exoesqueleto. Como exemplo podemos citar as abelhas, lacraias, escorpiões, aranhas, formigas, cigarras e borboletas.
[3] Esporos: são pequenas e leves estruturas produzidas por microrganismos como bactérias e fungos e também por plantas, que possui a capacidade de gerar um novo indivíduo.
Referências bibliográficas
ANVISA orienta serviços de saúde sobre fungo resistente: Casos suspeitos estão sendo acompanhados e a Agência mantém o compromisso de comunicar outras medidas necessárias Anvisa orienta serviços de saúde sobre fungo resistente. In: SECRETARIA DE SAÚDE - GOVERNO DO ESTADO RIO DE JANEIRO. Vigilância Sanitária. [S. l.], 17 abr. 2019. Disponível em: https://www.saude.rj.gov.br/vigilancia-sanitaria/noticias/2019/04/anvisa-orienta-servicos-de-saude-sobre-fungo-resistente. Acesso em: 14 fev. 2023.
ASHRAF, Syed Amir et al. Cordycepin para saúde e bem-estar: um potente metabólito bioativo de um fungo medicinal entomopatogênico Cordyceps com seu potencial nutracêutico e terapêutico. Moléculas , v. 25, n. 12, pág. 2735, 2020. Disponível em: https://www.mdpi.com/741746. Acesso em 23 jan 2023.
CIENTISTAS descrevem maior surto do fungo Candida auris no Brasil. In: CNN Brasil. [S. l.], 19 jan. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/cientistas-descrevem-maior-surto-do-fungo-candida-auris-no-brasil/. Acesso em: 24 jan. 2023.
DEBEKKER, Charissa; MERROW, Marta; HUGHES, David P. Do comportamento aos mecanismos: uma abordagem integrativa da manipulação por um fungo parasita (Ophiocordyceps unilateralis sl) de suas formigas hospedeiras (Camponotus spp.). Biologia integrativa e comparativa , v. 54, nº. 2 p. 166-176, 2014.
GIBBENS, Sarah. Poderia um fungo parasita evoluir e transformar humanos em zumbis?. In: National Geographic - Ciência. [S. l.], 24 jan. 2023. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ciencia/2023/01/poderia-um-fungo-parasita-evoluir-e-transformar-humanos-em-zumbis. Acesso em: 24 jan. 2023.
NASCIMENTO-SILVA, Gabriel; CUSTÓDIO, Márcio Reis. Como os microrganismos mataram a fisiologia animal? Uma visão integrativa. Revista Expressão Da Estácio , v. 5, n. 1, pág. 1-33, 2021. Disponível em: https://estacio.periodicoscientificos.com.br/index.php/REDE/article/view/39. Acesso em 23 jan 2023.
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