Uma das primeiras coisas que se percebe ao começar a estudar História na faculdade é que muito do que se aprende durante as aulas de história na escola não são necessariamente concretas. Um exemplo são as linhas do tempo da História que vemos na escola. Apesar da Antiguidade e a Idade Medieval de fato existirem e serem estudadas pelos historiadores, o seu marco de início e fim não são necessariamente aqueles que nos são ensinados na escola. Ou melhor, os marcos iniciais e finais de cada era da História não são os mesmos para todos os historiadores. Sim, isso é um pouco confuso e chocante, mas eu vou explicar isso.
Uma segunda observação que é comum de se fazer ao começar a faculdade de História, é a de que nem todos os historiadores concordam entre si, pois o que é defendido por um historiador A não é necessariamente o que é defendido pelo historiador B. Calma que tudo já vai fazer sentido.
Tomemos como exemplo a seguinte linha do tempo:
Ela (a linha do tempo) provavelmente se parece com algo que você já viu em algum momento de sua vida. Entretanto, para a historiografia, estas datas e eventos não são tão concretos. O historiador francês Jacques Heers, por exemplo, aponta em seu livro “A invenção da Idade Média” a complexidade em definir quando a Antiguidade acaba e a Idade Medieval começa. O autor escreve que alguns historiadores entendem que a passagem de períodos foi uma transição, a qual já tinha começado com a chegada dos povos conhecidos como bárbaros. Outros historiadores, por sua vez, defendem que apesar da presença bárbara nas vilas romanas, os costumes de Roma não haviam sido abandonados por completo, ou seja, ainda se tinha os templos, as estátuas e tecidos urbanos ao redor das comunidades, o que não as afastava por completo do cotidiano romano. Podemos observar aqui as discordâncias em relação ao entendimento do período de transição, uma vez que, o primeiro grupo entende que a barbarização romana já vinha acontecendo antes da queda do Império Romano do Ocidente, enquanto o segundo, entende que não.
Outro ponto que levanto, pensando na queda do Império Romano do Ocidente, é como a porção leste romana continuou existindo e se entendendo como romana após a queda de Roma. O império romano ocupava um vasto território e possuía mais de uma capital, incluindo a cidade de Constantinopla, a qual continuou existindo e, apesar de a conhecermos como Império Bizantino, a identidade romana continuou presente na região, ou seja, a queda de Roma não destruiu por completo sua cultura e população, uma vez que, estas ainda existiam no leste. (A identidade bizantina é um tema complexo de ser abordado brevemente, principalmente pelo fato do termo bizantino nunca ter sido usado pela população da época para se auto referir. Quem sabe o assunto fica para um artigo futuro.)
O historiador francês chamado Jacques Le Goff acaba complementando um pouco o tema levantado por Heers no capítulo “Uma Longa Idade Média” de seu livro “A História deve ser dividida em pedaços?”. Le Goff, por sua vez, defende que a Europa teria entrado em uma nova era apenas no século XVIII, ou seja, para Le Goff, a linha do tempo mostrada anteriormente estaria errada. O historiador aponta o Renascimento e o período posterior a ele como uma continuação da Idade Medieval, a qual só teria acabado por volta da época em que a Revolução Francesa aconteceu.
Em resumo, podemos observar a partir do que foi escrito anteriormente, um pouco da complexidade da produção de uma linha do tempo. Podemos levantar o caso de Jacques Le Goff como um exemplo historiográfico que foge do que nos é ensinado nas escolas, e que nos mostra uma posição diferente da qual muitos materiais didáticos nos apresentam. Apesar das discordâncias entre historiadores, em relação a quando um período termina e outro começa a ser evidente nos livros de História, o debate sobre o tema não cabe na sala de aula por precisar de recursos e conceitos que fogem do que os alunos e professores conseguem abordar em uma sala de aula escolar. As linhas do tempo escolares não são, portanto, inúteis ou completamente erradas. Sua função é valiosa para o aprendizado da História e não pode deixar de ser utilizada em sala de aula, mas é importante sabermos que nem todos os historiadores concordam com elas.
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