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João Novazzi

Dia 30: o sinal estará fechado para nós?

O resultado do primeiro turno das eleições escancarou alguns dos maiores pesadelos da história recente do país para a ala progressista. Ao contrário do que se pensava, Lula não venceu no primeiro turno, tampouco esteve próximo de fazê-lo. Na realidade, as horas de apuração dos votos foram extremamente tensas, com Jair Bolsonaro na frente do candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) em grande parte do acompanhamento feito pelos noticiários. Não à toa, Bolsonaro já indica que utilizará o mês de outubro para atacar os institutos de pesquisa e desmoralizá-los de vez, colocando ainda mais em risco a já capenga estabilidade democrática brasileira. Mas o que tem sido considerado pelo povo para votar?


(fonte: Sintaemasp)

Como era de se esperar, a campanha bolsonarista focou em três pautas principais: (i) os costumes, (ii) o alegado – e genérico – combate à corrupção e à roubalheira, que teriam sido fortalecidos durante os governos do PT, e (iii) a subtração da realidade, e essas pautas certamente impactaram os votos.

Com base na pauta dos costumes, os bolsonaristas acusam a “esquerda” de ser pró-aborto, anti-religião, pró-drogas e pró-bandido. Os bolsonaristas se ancoraram nos costumes como se apenas eles fossem corretos, íntegros e defensores dos “valores”, imputando à esquerda toda e qualquer prática que não seja benquista e aceita pela religião.

Na realidade, um dos maiores objetivos do bolsonarismo parece ser fazer de Bolsonaro o grande líder supremo, capaz de proteger os cidadãos de bem das ameaças vindas da esquerda. Sendo assim, para esse grupo, “as leis devem ser feitas para servir as maiorias”, e “ou as minorias se adequam, ou simplesmente desaparecem” (nas palavras do próprio Bolsonaro). Ironia ou não, esses mesmos bolsonaristas – que não poupam discursos sobre Deus – adoram armas, revólveres e símbolos militares, questões que qualquer sujeito que um dia leu a Bíblia sabe que são o oposto do que pregou Jesus Cristo na Terra. A coerência, porém, mandou lembranças aos eleitores mais radicais e raivosos, que são, muitas vezes, adeptos da sonegação fiscal, do gatonet, dos clubes de tiro, e adotam a violência e a agressividade como estilo de vida, dentro e fora de seus lares.

O combate à corrupção também é um de seus lemas. O PT teria influenciado a corrupção no país na figura de Lula, que seria o maior representante da “roubalheira”. Votar no Lula seria, além de uma afronta à moral e aos bons costumes, uma defesa de um criminoso. Ao contrário do que os bolsonaristas insistem em repetir e gritar aos quatro cantos do Brasil, porém, Lula não tem hoje nenhuma sentença penal válida o condenando por qualquer crime.


(fonte: Vermelho)

Em 2018, por exemplo, Lula foi de fato condenado por Sergio Moro, mas o STF anulou o julgamento após o vazamento de informações comprovando que Moro atuava em conjunto com a acusação para facilitar a prisão de Lula, o que demonstrou que a sua condenação ocorreu por motivos políticos. Por mais que alguns de seus processos tenham sido arquivados e encerrados por questões técnicas, fato é que, em parte dos processos que existiam, Lula foi realmente absolvido e, com base no que estabelecem as leis brasileiras, Lula é, para todos os efeitos, inocente. Veja: não estou afirmando que Lula deva ser canonizado ou tratado como um ser de luz, imune a qualquer tipo de crítica. A questão é que uma das principais pautas dos bolsonaristas é, justamente, chamar o ex-presidente de ladrão, sendo que, para fins processuais e jurídicos, Lula é inocente. Isso vale para Lula, Bolsonaro, eu, você ou qualquer outra pessoa. Questões técnicas não podem ser violadas, pois não vale tudo para condenar uma pessoa. Caso assim não tratemos mais o Direito, podemos trancar as portas do Judiciário e entregar as chaves nas mãos de um ditador.

Caso o devido processo legal não valha mais – e, de fato, não parece ter importância para alguns – Bolsonaro também deveria ser considerado um “ladrão”? Jair foi preso em 1986 por "ter ferido a ética, gerando clima de inquietação na organização militar" e "por ter sido indiscreto na abordagem de assuntos de caráter oficial, comprometendo a disciplina", segundo trechos de uma reportagem da Folha de São Paulo de 2017, que obteve documentos do Superior Tribunal Militar. Além disso, outro processo condenou Bolsonaro em primeira instância por ter, supostamente, elaborado um plano para explodir bombas-relógio em unidades militares no Rio de Janeiro, sendo que, na época, a perícia da Polícia Federal “foi inequívoca ao concluir que as anotações eram dele”, segundo reportagem da Folha. Assim como Lula, Bolsonaro recorreu da decisão e, assim, foi absolvido. Contudo, na lógica bolsonarista de lidar com os fatos, pau que bate em Luiz Inácio não bate em Jair Messias.

Como se não bastasse, inúmeras são as acusações feitas contra Bolsonaro, membros de seu governo e sua família envolvendo, por exemplo, funcionários-fantasma, rachadinhas, ligações com milicianos no Rio de Janeiro, pagamentos de várias dezenas de imóveis em dinheiro vivo e propina de 1 dólar por dose de vacinas contra o coronavírus. Nada disso, porém, parece abalar a crença dos bolsonaristas de que Lula é um ladrão e Bolsonaro, herói.

Outro artifício que os bolsonaristas sabem usar com maestria é a disseminação de histórias mentirosas que, contadas mil vezes, tornam-se verdadeiras aos olhos e ouvidos de seus apoiadores que, por desconhecimento ou intencionalmente, ajudam a disseminar maldizeres sobre opositores, mulheres, jornalistas, democratas, estudantes, cientistas e instituições. Por meio de grupos de WhatsApp, mentiras e meias-verdades são fabricadas, e textos apelativos, que contêm pedidos desesperados de compartilhamento para “o maior número de pessoas possível”, são colocados nas redes. A título de exemplo, vários vídeos foram compartilhados alegando fraudes nas urnas.


(fonte – Outras Palavras)

Esse é o cenário: o brasileiro perdeu a sua consciência de classe, em que muitos motoristas de Uber agem como se fossem os donos da empresa, muitos bancários agem como se fossem banqueiros, vigias noturnos agem como se fossem os moradores milionários das casas que protegem e imigrantes brasileiros ilegais na Europa demonstram aversão a refugiados de países africanos como se fossem integrantes da alta sociedade parisiense.

O nacionalismo hipócrita à brasileira ganhou força, e carreatas de veículos importados são amareladas por sujeitos que compraram o uniforme da seleção e a bandeira do Brasil, mas que detestam o que é verdadeiramente brasileiro, e contam os minutos para viajar para Miami, onde se sentem parte de uma nação mais evoluída.

A Faria Lima, no alto de seus arranha-céus espelhados, hoje esbanja frieza não pelo ar condicionado de suas salas, mas pela falta de humanidade de alguns de seus funcionários que são incapazes de se perceber enquanto assalariados (consequentemente, descartáveis e substituíveis). Dessa forma, são igualmente incapazes de ver as pessoas por detrás dos números apresentados por seus computadores que refletem as políticas econômicas desumanas dos primeiros quatro anos do governo Bolsonaro. Lá de cima, os funcionários que acreditam com vigor que são patrões se declaram “fechados com o mito”.

Com tudo isso, São Paulo elegeu Marcos Pontes (ex-ministro da Ciência e da Tecnologia que foi omisso durante a pandemia) e Ricardo Salles (ex-ministro do Meio Ambiente que queria “passar a boiada”); Brasília elegeu Damares Alves (ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que quis forçar uma menina, vítima de estupro, a não abortar o filho do estuprador); Rio de Janeiro elegeu Pazuello (ex-ministro da Saúde que foi determinante para que o povo amazonense ficasse sem oxigênio na pandemia); e Paraná elegeu Sergio Moro (ex-ministro da Justiça que ignorou as leis para, futuramente, ingressar na vida política). Como a cereja do bolo amargo, o Brasil deu sinal verde e amarelo para que Bolsonaro vá ao segundo turno com mais de 50 milhões de votos, mesmo tendo criado crises institucionais semanais, feito discursos claramente racistas e machistas, tornado o Brasil uma vergonha internacional e colaborado para a morte de quase 700 mil pessoas durante a pandemia (tendo feito, inclusive, piada sobre os falecidos).

Apesar de tudo isso – na verdade, em razão de tudo isso – o brasileiro indicou que se sente plenamente representado por Bolsonaro e seus apadrinhados, e não tem vergonha alguma disso. Os demônios da Caixa de Pandora[1] se soltaram e passeiam por todo o país. Caso Lula vença no dia 30, dificilmente haverá governabilidade, em razão de um Congresso lotado de fanáticos e extremistas. Caso Bolsonaro vença, o Brasil deverá se preparar para um de seus momentos mais complicados, e a democracia será, enfim, enterrada com indiferença pelos patriotas de plantão.


(Movimento estudantil na Passeata dos Cem Mil, 1968 – fonte: Cultura Genial)

Caso ainda queiramos reverter essa situação, precisamos adotar uma postura combativa e expor ao máximo todas as mentiras usadas pela onda conservadora. Não podemos aceitar com passividade a destruição do que os que vieram antes de nós construíram a duras penas desde a resistência à ditadura de 1964.

Precisamos resgatar a sanidade e a lucidez para o debate público com uma linguagem simples e que seja acessível a todos, bem como valorizar a realidade, a ciência e a educação. Temos menos de um mês até o dia 30 e não temos tempo a perder. Por mais que as desgraças tenham escapado da Caixa de Pandora, assim como na mitologia grega, resta na caixa a esperança, e o sinal pode ser reaberto.


[1] “A Caixa de Pandora é um objeto extraordinário que faz parte da mitologia grega. Trata-se de um caixa onde os deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma”. Disponível em:




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