Culpa em ganhar dinheiro em uma sociedade desigual. Já te aviso que esse texto é pra mim, mas eu duvido você não se identificar com a angústia em querer ter mais dinheiro, em querer comprar mais coisas, em enxergar a insustentabilidade do modelo econômico atual, em querer acabar com as desigualdades por decisões e ações individuais, e perceber a ineficiência.
O Capitalismo nos dá a ideia de que esforço está relacionado ao ganho, quanto mais eu me doar ao trabalho, mais serei recompensada. Uma vez que tomamos essa ideia como verdade e os resultados do nosso trabalho não condizem com o nosso esforço, a falha se torna nossa, e aqui nasce uma síndrome de impostora. Será que minha avó, que iniciou sua jornada de carteira assinada com 56 anos, como faxineira de postinho de saúde, não se esforçou o bastante para ganhar mais do que um salário mínimo durante os 15 anos que ela se doou ao trabalho? Eu acho que não.
Afinal, quais os critérios para o merecimento? Se as regras moralistas que seguimos não são
instintivas ao ser humano, dá pra dizer que quem atua melhor ganha o jogo meritocrático. Todo mundo erra, julga, é impiedoso, inveja a conquista alheia, compete por posições em um mercado de trabalho injusto e que não leva em consideração nossa criação, formação, acesso à informação – onde a internet é apenas um dos fatores para o que deveríamos considerar uma acessibilidade justa.
Eu mereço ser melhor recompensada pelo meu trabalho do que minha vó, porque eu tive uma estrutura familiar estável, tive acesso a plano de saúde, estudei em escola particular, não tive que trabalhar pra ajudar com as finanças da casa, nem qualquer ajuda dentro de casa, não tive que casar cedo, nem criar filhos meus e da vizinhança. Sem contar todas as experiências de intercâmbio, de shows e viagens, que me foram proporcionadas por um resultado classe média vindo dos esforços dos meus pais, e que com certeza formaram minhas lentes pro mundo. Então, qual desculpa eu escolho pra me sentir mais merecedora?
Eu não acho que eu deveria me fazer valer menos para equiparar meus privilégios em comparação às outras pessoas, mas já estou. E conversando com minha analista, sobre minha insegurança de impor, a mim mesma e aos outros, minhas necessidades e desejos que vão muito além do necessário para sobreviver, e de querer ter mais dinheiro pra suprir isso, mas me limitar com auto sabotes muito eficientes e complicados de encontrar a raiz (a fim de matá-la), ela me explicou que essa barreira que eu crio ao tentar ser mais profissional e ganhar mais dinheiro está ligada a minha culpa de me sentir mais sucedida do que as pessoas que amo, e das que eu invejo também, convenhamos. Entendamos aqui sucesso como o resultado do trabalho que me dê menos dores na cervical e mais equilíbrio entre o prazer e sofrimento.
Chegou meu dia de citar Olivia Rodrigo em um artigo. Em sua música “Jealousy Jealousy” ela escreve “I see everyone gettin' all the things I want And I'm happy for them, but then again I’m not” e em seguida ‘‘Their win is not my loss; I know it's true; But I can't help gettin' caught up in it all..’’, que traduzido livremente significa que ela consegue ficar feliz em ver todo mundo tendo o que ela gostaria, mas não por muito tempo, e depois continua afirmando que ela sabe que o sucesso alheio não é um fracasso dela, mas ela não consegue escapar dessa comparação. Recomendo a leitura da letra inteira, porque é realmente chocante quão identificável é.
Claro que eu invejo a Olivia Rodrigo, ela canta muito bem, é atriz na Disney, tem roupas incríveis e foi convidada pra festa de aniversário da Billie Eilish. Mas, eu também a julgo bastante, por ela possuir um dinheiro exorbitante enquanto mais de 700 milhões de pessoas passam fome no mundo. E eu sei que ela não está nos bastidores da construção da desigualdade, porém ela é um alvo fácil de comparação e julgamentos que não se sustentam. Eu adoraria me sentir feliz pelo sucesso alheio, enquanto eu nado nas incertezas de um mudo em crise, mas infelizmente eu não sei lidar com a desigualdade do mundo e nem com a que vive em mim.
Uma das melhores estratégias de venda que a propaganda usa para sustentar o capitalismo é a venda de soluções para necessidades que ele mesmo criou, e muitas vezes sem visar se o que está à venda é realmente benéfico ao consumidor. O telespectador se sente agoniado por um problema que ele nem sabia que tinha e em seguida sente o alívio de saber como resolver. E a desigualdade dentro de mim se realça quando eu mesma uso essa estratégia para fazer vendas no meu micro negócio.
Minha busca por autonomia, sem conseguir fugir dos padrões capitalistas de como ganhar dinheiro, resulta em culpa. Lembra das regras moralistas? Aquelas normas sociais que nos foram impostas para seguirmos na linha do bem? Então, existe a desigualdade, que é alimentada por essas regras e esse modelo meritocrático capitalista, e a partir do momento que eu me reconheço como uma engrenagem que faz rodar esse modelo, eu passo a me sentir mal tanto por ele existir, quanto por fazer parte dele. Sofrimento em dobro, amém!
Para escrever esse texto, pesquisei entrevistas, de mulheres autônomas e empreendedoras, nas quais muito foi dito sobre como precisamos acreditar no nosso valor na hora de cobrar pelo nosso trabalho, e sobre como é importante ocuparmos posições de poder para darmos oportunidades para que outras venham a ocupar esses lugares com mais facilidade. Também ouvi da importância de agirmos contra esse sistema de forma prática, ao invés de sermos revolucionários no mundo das ideias. Mesmo tendo a consciência de que me falta pesquisa e experiência, para formar uma opinião mais concreta a respeito da medida mais correta de lidar com tantas contradições. Acredito que por muito tempo, na minha jornada pela autonomia, eu ainda irei questionar meu merecimento diante da hipocrisia que é querer ser rica num mundo não capitalista, e como tantas outras angústias que enfrentamos, tem solução junto do fazer acontecer mesmo sem se sentir confortável no processo.
Tropes são recursos repetitivamente usados pra contar uma história. Exemplo: Donzela em perigo que será salva por um homem; Um esbarro no corredor pra que o casal da história se encontre; O bobo da dupla de vilões. (Fonte: TV Tropes por Conversa Cult)
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