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Sofia Groppo

E a Geologia?

A relação da Geociência com o patrimônio cultural


Manifestações culturais são a expressão de um povo. Significam tradição, história e ancestralidade, transmitem valores sociais e compõem uma identidade cultural.


Podem ser imateriais, quando compreendem tradições orais, músicas, histórias, expressões e conhecimentos, e materiais quando compreendem ferramentas, monumentos, artefatos e vestígios humanos preservados. Nesse artigo, vamos focar nestes materiais.


Este vasto conjunto de propriedades sociais é denominado patrimônio, cujo significado se refere à herança familiar[1], ou seja, aquilo que é passado de geração para geração. Preservá-lo é, portanto, preservar a identidade e a memória das mais diversas comunidades e culturas. É, também, um esforço de natureza multidisciplinar. As mais diversas áreas científicas devem trocar conhecimentos, como História, Geografia, Química, Ciências da Conservação, Arqueologia, Biologia, Antropologia, Física e Geologia.


Mas, você sabe o que é a Geologia? Resumidamente, ela é a Ciência, ou melhor, a Geociência, que estuda fisicamente a Terra. Por meio dela, descrevemos a história do planeta em que habitamos, seu futuro e o nosso relacionamento com seus recursos naturais.


Seus objetos de estudo são rochas, minerais, cavernas, fósseis, terremotos e vulcões, por exemplo. Estudam-se os processos que moldaram a Terra como a observamos hoje, como erosão, intemperismo e orogenias (formação de montanhas).


Expandindo para o campo prático, geólogos estudam minérios (de ouro, prata, cobre, ferro, titânio etc.), aquíferos, petróleo e gás natural e trabalham com a utilização responsável destes recursos. Apenas com estes meros exemplos, nota-se a presença da Geologia no dia a dia. Entretanto, seu campo de atuação estende-se muito além disso.


Como mencionado, geólogos contribuem muito em estudos de patrimônios culturais e sua preservação. O primeiro passo, geralmente, é identificar e descrever em todas as escalas, macroscópica e microscópica (com auxílio de lupa e microscópio), os materiais, como rochas, minerais[2], gemas (minerais preciosos, como esmeraldas, rubis, topázio), fósseis[3] e outros.


Com essa caracterização em mãos, descobre-se o nome do material utilizado - por exemplo, sabe-se que a escultura David, de Michelangelo, foi esculpida em mármore Carrara, que os profetas de Aleijadinho e o Cristo Redentor foram feitos em pedra sabão (esteatito, em linguagem geológica[4], (figura z) e que os templos de Petra, na Jordânia, foram entalhados em arenito[5] (figura y).


Figura z: Profeta Nahim, de Aleijadinho. E. visão geral; F. detalhe da mão. Fonte: Neves et al. (2006).

Figura y. Arenito esculpido em Petra, Jordânia. Fonte: UNESCO[8].

Pode-se saber, ainda, a proveniência desse material, ou seja, de onde foi obtido pelos produtores da obra; ademais, determina-se possíveis fraquezas que pode apresentar. Assim, prevemos seu comportamento diante das condições em que ele está exposto na obra.


Um exemplo é a fachada do Teatro Municipal de São Paulo[6], que é revestida por uma rocha ornamental denominada Arenito Itararé. Ela foi minerada em Sorocaba e uma de suas conhecidas características intrínsecas é a presença de minerais expansivos. Isso significa que, em determinadas condições de umidade, estes minerais podem se expandir, estufar o bloco de rocha e causar escamação e lascagem. Em outras palavras, pedaços da pedra se desprendem do bloco, causando efeitos estético e estrutural potencialmente maléficos.


Figura a. Malefícios observados no arenito da fachada do Teatro Municipal, cujas letras correspondem a: escamação (e), fissuras (f), plaqueta (p), colonização biológica (c). Fonte: Del Lama et al. (2008).

A Geologia caracteriza, também, diversos artefatos e obras, enquanto conversa com outras áreas de estudos. Por exemplo, numa escavação arqueológica, contribui com análises de cerâmicas para verificar sua composição e sua temperatura de queima. Em conjunto com historiadores da arte e arqueólogos, estudam-se pinturas rupestres, a fim de conhecer quais foram os materiais empregados nelas e onde podem ter sido adquiridos.


Numa restauração de um edifício antigo ou de uma pintura mural (afresco), determinam-se detalhadamente a composição da argamassa e a técnica utilizada para a confecção da obra. Assim, trabalhando com conservadores de arte, a composição original dos materiais é mais aproximada e garantimos uma restauração melhor sucedida.


Até aqui, a relação entre a Geologia e o patrimônio cultural foi explorada principalmente em termos de pesquisa e aplicações práticas. No entanto, há um aproveitamento muito relevante em termos de divulgação e ensino de Geociências.


Trata-se do turismo geológico, ou melhor, do Geoturismo. Ele nada mais é do que turismo com ênfase na Geologia e nos materiais geológicos (gemas, fósseis, minerais, rochas) de um local.


Visitar um ponto turístico pode ser mais do que presenciar sua relevância para a comunidade local, sua história e significado! Sob a ótica geológica, analisa-se os diferentes tipos de rochas utilizados e, claro, admiramos a beleza de todas elas. Além disso, conhecendo os materiais, tem-se uma visão mais integrada do contexto da obra e da cultura do povo que a produziu.Vários roteiros geoturísticos já foram elaborados, dentre eles, o geotour “As rochas que construíram o Centro Velho de São Paulo”[7], que se propõe a mostrar as rochas mais presentes nas construções do centro velho da cidade.


Dessa maneira, conhecer a Geologia nos dá uma visão completamente diferente em relação à totalidade de uma manifestação cultural material! Ela oferece uma oportunidade de aprofundar nosso conhecimento sobre elas e agir de forma responsável a preservá-las e garantir sua apreciação para as gerações futuras.


Como mencionado, as diversas áreas científicas se complementam na interpretação e conservação do patrimônio, de forma que sua interação é imprescindível. Isso também contribui para a divulgação das ciências e do valor da cultura na sociedade.


Referências bibliográficas:

[1]: Patrimônio. Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/patrimonio/

[2]: minerais: sólidos homogêneos, de composição química definida, estrutura cristalina ordenada e de origem inorgânica e natural. Disponível em: https://museuhe.com.br/minerais/

[3]: fósseis: “restos ou vestígios preservados de animais, plantas ou outros seres vivos em rochas, como moldes do corpo ou partes deste, rastros e pegadas”. Disponível em: https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Seresvivos/Ciencias/fosseis.php

[4]: Neves M. P., Costa A. G., Ruchkys U. A. Aspectos Macroscópicos dos Esteatitos Encontrados no Santuário Bom Jesus do Matosinhos, Congonhas/Mg. Geonomos, 24(2), 245-251, 2016. Disponível em: www.igc.ufmg.br/geonomos

[5]: arenito: rocha cujo principal constituinte é areia.

[6]: Del Lama E.A, Kihara Y., Szabó G. A. J. Impacto do Intemperismo no Arenito de Revestimento do Teatro Municipal de São Paulo. Geologia USP Série Científica, 8(1), 75-86, 2008.

[7]: As rochas que construíram o Centro Velho de São Paulo. Disponível em: https://www.arcgis.com/apps/Cascade/index.html?appid=fc5dac81fdb64e8e9c1d7b1cb4307527

[8]: Petra. Disponível em: https://whc.unesco.org/en/list/326/gallery/&index=13&maxrows=12


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