Um fenômeno que tem crescido nos últimos anos é o ramo das “curiosidades históricas/ coisas que não te ensinaram na escola”. Existem muitos exemplos de pessoas que fazem vídeos para a internet explicando “A verdade que não te contaram na escola” e pequenos fatos históricos que não foram contados pelos professores em sala.
Existe isso? Existe uma verdade que está sendo escondida das crianças? Os professores de história contam mentiras ou escondem fatos de seus alunos? É o que vou tentar explorar nesse artigo.
A história é uma ciência que depende de documentos, objetos e descobertas; e, em alguns casos, uma descoberta pode mudar um pouco – ou até muito – do que se conhecia sobre uma sociedade ou um evento. É importante ter em mente que muitas coisas que conhecemos hoje podem mudar daqui há alguns anos, seja por uma descoberta ou por alguma mudança na historiografia[1], uma vez que muitos pontos de vista históricos têm mudado com o tempo e, assim, alterado como um período ou objeto são entendidos pela academia. Dessa forma, uma concepção sobre um evento histórico pode, por exemplo, mudar ao longo dos anos, porém a alteração deste conceito nas apostilas de escola pode demorar um pouco a acontecer.
A historiografia tem passado por revisões que são fundamentais para a produção de pesquisas que nos possibilitam enxergar questões não aprofundadas quando as primeiras escolas históricas começaram a se formar. A História das Mulheres, por exemplo, não era pesquisada até algumas décadas atrás, o que nos mostra que há muito o que rever e evoluir; muito o que questionar e avaliar. Contudo, não quero dizer que a historiografia está errada e precisa ser totalmente alterada, quero apontar aqui que há sim o que se rever, mas há muito o que manter, e que tais questões a serem reavaliadas precisam de um tempo para serem revistas para depois serem – possivelmente – colocadas, de alguma forma, nas escolas.
Como apontado anteriormente – no artigo “Das linhas do tempo das aulas de história para a historiografia”, publicado na primeira edição de nossa revista –, existem debates sobre alguns pontos da história que nem todos os historiadores, estudiosos de tais objetos, concordam entre si. Ora, seria pertinente levar tais debates para a sala de aula? Como explicar para crianças e adolescentes que certos períodos históricos são entendidos de maneiras diferentes pelos historiadores? Seria complicado, seria difícil e, sobretudo, não se teria tempo para explicar tais questões para a juventude. O tempo é um fator determinante para avaliarmos essa questão, uma vez que não há o bastante para transmitir ao aluno os temas que devem ser contemplados em um ano escolar. Uma ou duas aulas por semana de 50 minutos – ou até menos, pensando aqui que sempre existem imprevistos e atrasos que encurtam as aulas para 30/40 minutos – não são ideais e, portanto, não permitem que os professores de História tenham tempo para se aprofundarem em um assunto.
É preciso escolher questões a serem deixadas de lado, e, também, é preciso pensar na maturidade dos alunos: imagine entrar em uma sala de aula do Ensino Infantil e explicar que nem todos os historiadores concordam com as divisões da linha do tempo que vemos nos livros didáticos, que x historiador acredita que uma figura histórica A era esplêndida, enquanto o historiador y enxerga essa mesma figura de uma forma diferente. A confusão que seria causada nas cabeças das crianças seria grande e ainda maior se o seu primeiro contato com a história fosse assim. Mas também, não é como se mudanças historiográficas não fossem apontadas em sala de aula visto que há, até certo ponto, a apresentação de debates, como o recorrente exemplo: “Bandeirantes heróis ou vilões?”. Ora, essa discussão permite que os alunos entendam um pouco dos dilemas históricos e concluam que nem tudo é visto da mesma maneira por todos.
Os professores levam pontos importantes para a sala de aula, mas, como dito anteriormente, é preciso pensar no tempo e na maturidade dos seus alunos, já que não é possível abordar em classe todos os dilemas históricos, seja pelo conteúdo, complexidade ou, também, porque nem mesmo durante a graduação de História é possível falar sobre todos os eventos e personalidades que marcaram a humanidade.
Em suma, não existe uma grande verdade histórica sendo escondida dos alunos, o que existe é uma simplificação necessária para que estes consigam abstrair os conceitos e acontecimentos que lhes estão sendo ensinados de acordo com um programa educacional que foi pré-estabelecido. É possível distinguir debates historiográficos e até mesmo a influência de alguns historiadores ao analisarmos a estrutura do material didático utilizado, no entanto, não é condizente abordar certos aspectos históricos e historiográficos com alunos do ensino escolar, sobretudo do fundamental. Detalhes e curiosidades históricas precisam, na maior parte dos casos, ser deixados de lado para que o conteúdo consiga fluir.
PS: sejamos honestos, se um professor passasse oito aulas falando de um mesmo conteúdo de maneira aprofundada para uma sala do Fundamental, ele seria considerado tedioso e lento; poucas crianças se interessariam por estudar um conteúdo extenso dessa forma, imagine se todo o conteúdo de história fosse extenso e denso.
[1] Historiografia é a produção acadêmica da História, o ofício do historiador.
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