Sentada no meu habitual cantinho matinal, com as pernas esticadas em cima da cama, alterno entre a revista Piauí, “O médico e o monstro” e a Gal, que me abraça pelo disco girando no outro extremo do quarto. É esse o contexto em que leio mais uma crônica de Antonio Prata, meu melhor amigo durante esse isolamento, que me arranca sorrisos tímidos.
Não o conhecia, admito. Quando Sofia me deu ele em mãos, lá por julho, durante minha estadia em sua casa, agradeci despretensiosamente e li a primeira crônica: "Um escritor! Um escritor!", e assim fácil foi selada minha paixão. Os 20 dias que se seguiram foram deliciosamente iniciados e encerrados por suas páginas. Ele repousava na "minha" cabeceira e viajava comigo até a rede ou o sofá.
Tudo corria bem, até que me peguei em uma encruzilhada: em 3 dias voltaria pra minha casa e o terrível futuro em que abandonaria Antonio estava, a cada segundo, mais próximo. Naquele instante de desespero pensei em engolir o resto das crônicas ali mesmo, antes do almoço, mas eu não era capaz. Abdicar da rotina de ler uma ao acordar e desfrutar do frio na barriga da chegada da noite para poder finalmente ler uma outra era inconcebível, quase um insulto apressar nossa relação.
Não vou embora! decidi então, mas logo lembrei da família e das plantas que me aguardavam na Teixeira da Silva...também estava fora de cogitação. Arrumando minha mala, olhava pra ele e ele pra mim, "Mafê, me leva", ouvi ele sussurrar. Era fácil, enfiaria ele na bolsa e, quando Sofia se desse conta, eu já teria ido embora, apagado todas as redes sociais, mudado de número de celular, avisado o porteiro pra não deixar ela entrar em hipótese alguma.
Após respirar fundo, deixei Antonio em cima da escrivaninha da Sofia, fechei a porta do quarto, pra diminuir a tentação, e fui embora.
Um longo mês se passou e, apesar de não querer admitir, eram comuns as situações que me faziam lembrar dele. Sua falta era tanta que resolvi agir, em um pulo, depois das aulas de sexta: furei a quarentena. Fui apressada, em uma mistura de emoção e aflição até a livraria da esquina; passei Antonio no cartão.
De volta da fuga eu encarava-o recém tirado do plástico, tão brilhante e passado, não me descia, não o reconhecia. Demorei 2 dias para abrir suas páginas; nenhuma delas com a minha costumeira dobrinha no canto superior das que apertam o coração, mas engoli o orgulho e retomei nossa antiga rotina.
Crônica vai, crônica vem, falo de uma com minha analista, leio outra pra minha mãe, envio uma terceira e uma quarta pra amigas e me pego, enfim, distraída pela Gal, rindo na sua companhia. "Mafê, sua boba", ouço ele sussurrar.
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