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João Novazzi

Guerra das Malvinas: quem é a dona da ilha? Isso realmente importa?


Ilhas Malvinas ou Falkland? Dois nomes para um mesmo conjunto de ilhas no Atlântico Sul que foi capaz de gerar tensões entre América e Europa em plena Guerra Fria, mas que têm uma história ainda mais complexa e antiga.


As ilhas já eram relatadas em cartas de exploradores que viajavam pelo estreito de Magalhães, em viagens entre oceanos a caminho do Pacífico, desde os séculos XVIII e XIX [1], indicando que a região já era objeto de disputa por grandes potências navais europeias do período. No final do século XVII, pescadores franceses frequentavam aos montes a ilha, fascinados pela grande diversidade de animais que o mar da Antártida abriga [2]. Os franceses, inclusive, teriam começado a chamar as ilhas de “Îles Malouines”, originando, com o passar do tempo, o nome pelo qual elas são mais conhecidas pelo continente americano hoje em dia: Malvinas.


Enquanto os ingleses afirmam que as ilhas foram descobertas após uma expedição financiada por um homem conhecido como Lord Falkland [3], os argentinos afirmam que foi Fernando de Magalhães o responsável por descobrir a região, ainda em 1522 [4].


De todo modo, fato é que a primeira tentativa de colonização das ilhas ocorreu em 1764 pela França, que buscou utilizar o local como base para navios franceses que partiam em direção ao Pacífico. Ocorre que, um ano depois, os ingleses também demonstraram interesse em colonizar a ilha e passaram a disputar a região. Outro fator que impacta a história é a existência do Tratado de Tordesilhas [5], segundo o qual as terras das Malvinas pertenceriam à Espanha, que, por sua vez, também passou a lutar pela posse das ilhas [6].


A Espanha, em 1767, conseguiu assumir formalmente o controle das ilhas, passando a região para a administração política local de Buenos Aires. No ano seguinte, os espanhóis conseguiram iniciar um processo de expulsão dos ingleses das ilhas, o que foi tido como uma ofensa à honra inglesa, os quais se prepararam para a guerra. Contudo, devido à ausência de recursos e capacidade bélica para um confronto efetivo, as partes acabaram por negociar a retirada inglesa da região nos anos seguintes [7].


De qualquer maneira, a saída das ilhas não foi bem aceita pelos oficiais da coroa inglesa, conforme se pode perceber do seguinte relato:


“Saibam todas as nações, que as ilhas Falklands, com este forte, os armazéns, desembargadores, portos naturais, bahias e calhetas a ela pertencentes, são do exclusivo direito e propriedade de sua mais sagrada Majestade Jorge III, Rei da Grã Bretanha, França e Irlanda, defensor da fé, etc. Em testemunha pelo qual, se colocou aqui esta placa e as cores de sua Majestade Britânica que deixamos flameando como signo de possessão por S. W. Clayton, Oficial Comandante das Ilhas Falklands. AD. 1774”. [8].


A Espanha pôde administrar as Malvinas de forma pacífica até o início dos anos de 1810, quando eclodiram os movimentos da Revolução de Maio [9] e, em 1816, as Províncias Unidas do Rio da Prata alcançaram sua independência.


Consequentemente, com a independência, as Malvinas seriam, então, terra da Argentina que ainda estaria prestes a nascer. Os argentinos mantiveram o controle formal das ilhas até 1833, quando um navio inglês chegou na região expulsando os locais e fundando uma colônia inglesa que serviria de entreposto comercial e ponto de abastecimento para os navios que passavam pelo estreito de Magalhães [10]. A partir daí, a coroa inglesa manteve a soberania das, agora, Ilhas Falklands.


Desde então, a Argentina tentou diversas vezes reaver o controle sobre as ilhas de maneira diplomática, sendo que o tema foi objeto de análise pelas Nações Unidas por mais de uma vez [11]. Esse cenário, contudo, mudou em 1982, quando, em meio a uma crise social e econômica, o ditador argentino Leopoldo Galtieri resolveu investir para reconquistar as Malvinas, como forma de obter apoio popular.


A intenção de Galtieri, em um primeiro momento, surtiu efeitos, e, em plena Plaza de Mayo, centenas de argentinos aclamaram seu presidente pelo feito. Aos seus compatriotas, gritava que “se quiserem vir que venham, lhes daremos batalha!”, referindo-se aos ingleses [12].

Assim, no dia 2 de abril de 1982, 600 soldados foram enviados para as Malvinas. O historiador argentino Lorenz explica que, inicialmente, a ofensiva foi pensada com o objetivo de instalar uma situação de força que obrigasse a Inglaterra a negociar. "As forças armadas argentinas nunca esperavam uma guerra. Pode parecer louco, mas não se preparavam para uma guerra. Não esperavam que a Grã-Bretanha fosse responder" [13].


Os planos de Galtieri, contudo, não seguiram da forma esperada, e os Estados Unidos – grandes apoiadores da ditadura militar argentina do período – posicionaram-se a favor dos ingleses, sendo que várias das armas que seriam utilizadas pelos ingleses no conflito foram fornecidas pelos estadunidenses [14]. Outro ponto que vale destaque é que parceiros regionais, como o Chile, não se entusiasmaram em apoiar a Argentina no conflito, e – o mais importante – diversos políticos ingleses, encabeçados por Margaret Thatcher, concordaram em lutar politicamente pela reconquista das ilhas [15].


Para se contrapor à invasão argentina, a coroa enviou mais de 100 navios e submarinos às Malvinas, e o ataque com maior número de mortos ficou por conta de um submarino inglês que derrubou o cruzador (espécie de navio) argentino General Belgrano, matando 323 soldados. Importante notar que este cruzador argentino estava fora da chamada zona de exclusão – isto é, a região em que a guerra efetivamente se daria – e, para muitos, tratou-se de um crime de guerra [16]. Ao longo dos três meses de conflito – o qual foi primordialmente aeronaval – a Argentina chegou a mobilizar cerca de 40 navios e 12 mil soldados, mas estes não foram suficientes para derrotar a reconhecidamente forte marinha britânica e seus 28 mil militares [17]. Apenas a título de exemplo, mais de 70 aviões militares argentinos foram derrubados durante a guerra.


Por mais que Galtieri tenha ganhado apoio popular no começo do conflito, as centenas de perdas argentinas e a ausência de planejamento estratégico da ditadura – que não imaginou que o conflito pudesse escalonar – pesaram no final da guerra contra o governo. A maior parte dos soldados era composta por jovens sem treinamento adequado e sem equipamentos capazes de combater em pé de igualdade com os ingleses e, no dia 14 de junho de 1982, os argentinos se renderam. A guerra das Malvinas terminou com 904 mortos, sendo que 649 eram argentinos. Além disso, restaram 2.000 feridos, 11.000 prisioneiros argentinos e 3 civis mortos [18].


O conflito acabou por ter papel relevante no aumento de popularidade de Thatcher e na queda da sangrenta ditadura argentina. Galtieri renunciou 1 mês após o final da guerra e o general que o sucedeu iniciou as negociações para a retomada da democracia na Argentina.

No final, inúmeros foram os relatos de fome, frio e, principalmente, torturas e maus-tratos infringidos por seus próprios oficiais. Nos anos que se sucederam ao conflito, houve registros de pelo menos 400 suicídios de ex-combatentes [19]. Em 2017, quase 23.000 argentinos ainda recebiam pensões pelo conflito [20].


Mais do que a discussão sobre o nome mais adequado para as ilhas – que, para os argentinos, será sempre Islas Malvinas (isso quando não há um acréscimo de “Argentinas” após o Malvinas) ou sobre a proximidade das ilhas para a Argentina e distância para a Inglaterra (estão a 500 km do litoral argentino e a 12.779 km de Londres) –, está a discussão a respeito do ilimitado colonialismo inglês, dos limites do uso da força dentro de conflitos bélicos (com a derrubada de um cruzador argentino fora de uma zona de exclusão) e, sobretudo, da utilização de jovens argentinos como massa de manobra para uma empreitada desesperada de uma ditadura latino-americana em busca de clamor popular para se manter no poder.


Importa relembrar a história desses - à época - jovens hermanos que, dos que sobreviveram, se veem obrigados a, até hoje, compartilhar o sofrido posto de veteranos de guerra com seus generais que, dentro de suas salas e sentados em suas cadeiras no continente, não correram nenhum risco durante o conflito.


Referências bibliográficas:

[1] Disponível em:<https://www.politize.com.br/guerra-das-malvinas/>. Último acesso em 05.08.2021.

[3] Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=hloW0sTdGbI>. Último acesso em 05.08.2021.

[4] Disponível em:<https://www.politize.com.br/guerra-das-malvinas/>. Último acesso em 05.08.2021.

[5] Pelo Tratado de Tordesilhas, o mundo a ser descoberto é dividido entre os dois países, por meio de uma linha imaginária que corta o oceano pela metade, entre dois pontos: Cabo Verde (território português) e o Caribe (ilhas descobertas pela Espanha). Essa linha meridiana passaria, portanto, na metade do caminho, a cerca de 370 léguas a oeste de Cabo Verde. A parte oeste daquela linha pertenceria a Espanha, e a parte leste, à Portugal. Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2019-jun-30/josemunhoz-tratado-tordesilhas-nao-foi-arbitragem>. Último acesso em 05.08.2021.

[8] Idem.

[9] O dia 25 de maio de 1810 é conhecido como Revolução de Maio ou Dia da Pátria na Argentina. Essa data ficou marcada pelo primeiro governo local, conhecido como Primera Junta. Além disso, foi neste mesmo dia que um crioulo — descendente de espanhóis nascidos na América — assumiu o governo da Argentina. A revolução aconteceu em Buenos Aires, capital do então Vice-Reino do Rio da Prata. Disponível em:< https://exclamacion.com.br/2021/05/15/o-que-foi-a-revolucao-de-maio/>. Último acesso em 05.08.2021.

[10] Disponível em:<https://www.politize.com.br/guerra-das-malvinas/>. Último acesso em 05.08.2021.

[12] Disponível em:< https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/02/internacional/1491155935_117217.html>. Último acesso em 05.08.2021.

[14] Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=hloW0sTdGbI>. Último acesso em 05.08.2021.

[15] Disponível em:< https://www.dw.com/pt-br/1982-come%C3%A7ava-a-guerra-das-malvinas/a-488473. Último acesso em 05.08.2021.

[16] Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=hloW0sTdGbI>. Último acesso em 05.08.2021.

[17] Disponível em:< http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-argentina-perde-nas-malvinas-1 >. Último acesso em 05.08.2021.

[18] Disponível em:< Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=hloW0sTdGbI>. Último acesso em 05.08.2021.>. Último acesso em 05.08.2021.

[19] Disponível em:< http://memorialdademocracia.com.br/card/ditadura-argentina-perde-nas-malvinas-1 >. Último acesso em 05.08.2021.

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