A vida em sociedade e a própria existência no mundo nos provocam, diariamente, inúmeras impressões a respeito dos constantes acontecimentos ao nosso redor. Uma vez que invadem nosso caminho de ser e estar, é inevitável que essas impressões estimulem todo tipo de atividade mental – reflexões, análises, indagações e até mesmo devaneios que correm longe.
Ao mesmo tempo que nossa própria consciência se encarrega de elaborar o que chega aos nossos olhos e ouvidos, tais acontecimentos (sejam eles grandiosos ou quase despercebidos) demandam alguns posicionamentos, atitudes e escolhas, principalmente quando envolvem injustiças e quando afetam um número considerável de pessoas.
Entretanto, nossas vivências individuais configuram e direcionam o olhar que temos para o que está além das esferas que compõem a vida de cada um. Os principais contextos sociais em que somos inseridos ao longo da vida – família, escola e trabalho – circulam e cultivam concepções próprias e comuns que consentem com as lógicas estabelecidas para cada ambiente e são absorvidas em diferentes graus durante os diálogos e interações.
O sociólogo estadunidense Charles Wright Mills (1969) afirma, na obra em que desenvolve o conceito de imaginação sociológica[1]: “tudo aquilo de que os homens comuns têm consciência direta e tudo o que tentam fazer está limitado pelas órbitas privadas em que vivem”. E, com isso, expressa que os contextos sociais próximos têm considerável influência na formação de pontos de vista e de opiniões. Muitas das opiniões que formulamos automaticamente podem ser marcadas por estereótipos ou preconceitos, especialmente se o objeto que as originam está de fora dos contextos predominantes, ou seja, não faz parte da lógica sustentada pelas relações fundamentais que mantemos.
O papel da imaginação sociológica é justamente o estímulo a transcender essas limitações sutilmente colocadas pelas relações próximas a partir do questionamento a tudo que parece sólido, concreto e absoluto. É, também, ir de encontro ao outro. A abertura para a dúvida induz o contato com novos sentidos, e o outro em questão é aquele que participa de outros contextos sociais, que atribui outros valores e outros significados ao que compõe a realidade.
Além disso, esse exercício permite identificar os “marcadores sociais” em eventos e aspectos que são, a olho nu, invisibilizados, como as estruturas sociais sustentadas pela desigualdade social, de gênero e de raça. Estes marcadores se intercalam e compõem, de maneira conjunta, estruturas de poder que fragilizam a democracia e as próprias noções de sua importância para um funcionamento justo de todas as camadas da sociedade.
Por isso, questionar, refletir e buscar o contato com o diferente é fundamental, principalmente nos anos de formação dos indivíduos, para que seja possível nos colocarmos além do nosso próprio eixo, para observarmos as riquezas de outros lados da realidade e proporcionar o desenvolvimento de uma consciência coletiva de reconhecer os direitos básicos e a dignidade do outro; cultivar a coexistência entre grupos com características culturais distintas; compreender quem é este outro em questão e porquê; compreender quais são os interesses que movimentam e consolidam as estruturas de poder.
Enfim, a imaginação sociológica guia o coletivo em meio à complexidade dos eventos sociais e investiga o que se esconde no mundo que conhecemos. Contudo, o inverso também ocorre: exercitar a imaginação sociológica leva à construção de subjetividades, isto é, instiga o indivíduo a não somente conhecer o mundo, mas a encontrar seu lugar nele e a se reconhecer como sujeito de direitos, sendo alguns deles o direito à participação, à expressão e à revolta, se necessário.
[1]”A Imaginação Sociológica”, livro publicado em 1959 por C. Wright Mills.
Referências:
MILLS, Wright C. A imaginação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
ความคิดเห็น