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Zabell Resende

Manifestações Culturais e a Apropriação das Artes pelo Colonizador

O que são as manifestações culturais?


De acordo com a Antropologia Cultural, as manifestações culturais são todas as formas de expressão humana escritas ou verbais, sendo elas através de celebrações e rituais. Desse modo, a arte se insere dentro desse conceito quando utilizada como expressão de uma determinada cultura, seja através de pinturas, esculturas, artesanatos, fotografias, cinema, entre outros diversos suportes que podem ser utilizados como arte.


  • Os azulejos: uma manifestação artística das culturas materiais do Brasil Colonial.


O termo azulejo é derivado da palavra árabe az-zulayi, que significa “pedra polida”. Esse material foi originado por civilizações antigas do oriente, como os egípcios e mesopotâmicos e, posteriormente, dispersado pelos muçulmanos árabes e mouros[1]. Segundo historiadores e antropólogos, os ladrilhos decorativos, também conhecidos por azulejo, foram muito populares durante todo o início da Idade Moderna[2], tanto no Brasil quanto em Portugal. Abrangendo a função de diversos elementos, o azulejo é um tipo de cerâmica utilizado em formato de mural e acaba sendo um meio de pintura, ou seja, ele constitui-se como um elemento visual dominante na vivência urbana devido a sua grande presença na arquitetura.


Inicialmente, o azulejo foi introduzido na Espanha medieval[3] por habitantes muçulmanos, tendo a função de fazer as fachadas das paredes e a cobertura de pisos. Esse material começou a se popularizar e passou a ser importado por Portugal nos séculos XV e XVI na construção de edifícios religiosos e privados. Os portugueses, então, passaram a exportar, no século XVII, esse material para o Brasil, criando, assim, uma forma de arte, tanto em Portugal quanto no Brasil, que desempenhou um papel muito complexo na transformação dos espaços urbanos. Dessa maneira, no caso do Brasil, todo azulejo que chegava era importado de Portugal, já que não havia uma indústria de manufatura nacional no início da Idade Moderna, e eram usados nas fachadas de edifícios por servir como decoração e ser uma alternativa durável ao clima quente e úmido do litoral.


Com o tempo o azulejo ganhou tanta popularidade no território brasileiro que acabou, em sua modernidade, sendo apropriado por artistas, como Athos Bulcão (1918-2008) e Candido Portinari (1903-1962), assim como pelos paisagistas Roberto Burle Marx (1907-2012) e Oscar Niemeyer (1907-2012) na elaboração de elementos visuais que fossem modernos para a capital modernista do país, Brasília. Também é possível ver a permanência da influência dos azulejos nas exposições artísticas de Adriana Varejão.


Portanto, os azulejos vêm de séculos de desenvolvimento de ferramentas complexas que carregam uma rica herança cultural e material, vindos de diferentes povos, que os adaptaram e utilizaram de diversas maneiras. Essas formas de criação desencadeiam expressões artísticas que oferecem um conhecimento do passado e desenvolvem a formação da vida cultural, política e social.


  • Trançado tupinambá contemporâneo: uma apropriação européia desse material artístico e cultural


A pesquisadora Cláudia Mattos notou que a crise atual da história da arte foi gerada por meio de uma insatisfação perante as teorias e métodos utilizados, sendo sua principal causa os problemas de interpretação das formas e objetos artísticos devido à tradição européia presente. Desse modo, a atual história da arte deve seguir um caminho que se contraponha ao ponto de vista eurocêntrico[4], assim, os objetos devem ser abordados como produções artísticas dentro dos seus nomes originais e respeitando toda manifestação cultural que determinado material artístico apresenta.


Segundo esse raciocínio, o trançado tupinambá sofreu uma forte apropriação europeia, o que acarretou em seu apagamento étnico por meio de uma moda, que transformou essa manifestação cultural indígena em mais um produto que entrou para a esfera global de vendas. Para melhor visualização, temos os seguintes processos:


1. A produção de objetos através da técnica desse trançado. Aqui temos a “bolsa menina”, atualmente produzida por caiçaras em Porto do Sauípe.

2. A recepção do mercado europeu perante esse material. Isso é possível por meio do programa Talentos do Brasil[5].


3. Configuração desse objeto para os padrões de moda eurocêntricos, ou seja, são incorporadas argolas, fecho, alça, correntes de metal nesses trançados para criar um visual ocidental e cosmopolita, que será facilmente aceito pelo mercado da moda.


4. Apagamento do trançado tupinambá, da história cultural por trás desse método artístico e de toda uma manifestação cultural do ambiente rural brasileiro.

É dessa maneira que muitas manifestações culturais acabam sendo apagadas, o que acaba por gerar uma grande crise dentro da história da arte não européia. O fato é que não existe uma ausência de história da arte ou manifestações culturais no território brasileiro, o que ocorre é uma apropriação de diversas culturas pelo mercado consumidor europeu e estadunidense, fazendo com que expressões culturais étnicas sejam transformadas em mercadorias globais que geram lucro aos países do centro do mercado financeiro global (como Estados Unidos e países ricos da Europa Ocidental, tal qual Inglaterra e França).


[1] Mouros: refere-se aos muçulmanos que viviam na Península Ibérica (Portugal e Espanha durante um período da idade Média)

[2] Idade Moderna: refere-se ao período que inicia-se com a queda do Império Bizantino e a tomada da cidade de Constantinopla pelo Império Turco-Otomano, em 1453. Seu recorte final está delimitado com a Revolução Francesa, em 1789.

[3] Espanha Medieval: diz respeito à época de expansão e feudalismo na Europa, sendo esse um sistema governado por uma minoria de aristocratas que, com os membros da Igreja, detinham a propriedade eminente da terra.

[4] Eurocêntrico: diz respeito à visão histórica que tem como foco principal países da Europa, excluindo as demais culturas de outros países, tal como sua cultura e diversidades étnicas.

[5] Talentos do Brasil: foi um programa governamental filiado à Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), cuja finalidade consistia em inserir a produção de artefatos provenientes de comunidades rurais do território brasileiro nos circuitos nacionais e internacionais da moda.


Referências Bibliográficas:

Livro: Arte não Europeia: conexões historiográficas a partir do Brasil.



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