Acorda num sábado nublado e enrola na cama até às 11h, quando a fome passa a apertar, levanta e se direciona à cozinha pra matar sua fome de pão com manteiga. Cena cotidiana que é interceptada por uma mariposa-bruxa pousada na parede do corredor. Inseto grande, um cinza claro mesclado com cinza escuro que na hora fez vir à cabeça as palavras de uma tia por parte de pai "esse bicho aí é sinal de mau agouro, avisa que vai ter enterro ainda essa semana debaixo desse teto".
Ela, que mora sozinha e não é nada boba, já entende quem será a protagonista do tal enterro. Engole seco. Dá mais dois passos e abre a geladeira, toma um gole da água e logo para; e se for agora, 11h06, e meu óbito trazer as palavras “morreu de engasgo no primeiro copo de água”. Abandona o copo na pia. Seus olhos zanzam pelo resto da cozinha e ela vê o pão, desconfiada, será envenenamento a minha sina? As mãos vão à frente e o pão vai ao lixo.
A fome cede lugar ao medo, mas ele, sem coragem de aparecer, se esconde atrás da apatia, que logo pega o celular. O feed infinito rola com a ajuda dos dedos em busca de distração, nos segundos de intervalo os olhos não aguentam e investigam tímidos ao seu redor, indecisos se procuram a mariposa ou algo ainda pior. Preferem não descobrir e voltam sempre ao refúgio da tela que atualiza cada vez mais rápido, o medo ainda sem coragem não para de crescer e já não tem mais lugar para a inércia.
Chega! Ela respira. Não é mais menina pra se preocupar com bobagens como essa. Crendices antigas. Um banho frio vai ajudar a tirar essas ideias da cabeça. Enquanto o sabão ocupa suas mãos agitadas e a água lhe cai no corpo, a chuva atinge seus ouvidos, dá um pulo, deixa cair o sabonete e as mãos avançam a torneira, desliga o chuveiro com pressa. E se der um raio?
Ainda encharcada seus olhos encontram o espelho e percebem o pânico no próprio rosto. Pega o celular, vai ligar pra sua amiga, pedir ajuda. Estava louca! Louca???? Será que a mariposa veio então anunciar a morte da minha sanidade? O telefone chama duas vezes e ela ouve um barulho do lado de fora da casa. Vasculha na memória instantaneamente comprometida se trancou a porta dos fundos na noite anterior e o pânico a convence de que não tem certeza. Vai ser sequestrada! Roubo a mão armada! “Vão embora!” Ela grita. Mas o espelho denuncia que sua face não mexeu, a boca não abriu, e o grito não aconteceu.
Alô, o outro lado da linha atende, mas é tarde, o celular largado, o espelho rachado e a porta entreaberta não respondem, muito menos ela, escondida debaixo da cama até cair no sono alguma hora da madruga sem acordar mais. A lápide ela carrega todos os dias no rosto: morreu de medo ainda em vida.
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