top of page
Buscar
Esther Martins de Carvalho Oliveira

Mulheres encarceradas: o exercício do direito à maternidade no cárcere

Atualizado: 15 de set. de 2021


Fonte: http://defensoria.sc.def.br/atuando-como-custos-vulnerabilis-nudem-solicita-concessao- de-prisao-domiciliar-em-favor-de-presas-gestantes-e-puerperas/

Em nosso país, apesar dos dispositivos legais que buscam garantir o mínimo de dignidade humana nos estabelecimentos prisionais, esses ambientes ainda são caracterizados por grande violação de direitos humanos fundamentais. O cárcere, em razão da violência institucional e das condições de insalubridade, fere o direito à vida, à saúde, à segurança alimentar e diversos aspectos que integram a dimensão da dignidade dos indivíduos encarcerados. Este cenário indica o estado de inconstitucionalidade da realidade carcerária, visto que os presídios se estruturam em flagrante desrespeito aos direitos que são previstos pela Constituição Federal e cuja garantia integral se estende a todos os cidadãos, sem exceções.


Esse quadro de inconstitucionalidade se agrava perante as penitenciárias femininas, as quais em sua forma de organização e dinâmica de funcionamento ignoram, abertamente, as especificidades do corpo feminino em relação à saúde e integridade de seus corpos, principalmente no que diz respeito à menstruação e às questões vinculadas à maternidade, como a realização do pré-natal, o parto e o acompanhamento médico no pós-parto. Em meio a essas problemáticas, neste artigo, será examinado com maior atenção o exercício do direito à maternidade no ambiente penitenciário, no que se refere à relação com os filhos.


Do ponto de vista dos direitos humanos, as mulheres encarceradas que deram à luz durante o cumprimento da pena privativa de liberdade ou pouco tempo antes de serem presas possuem o direito de exercer a maternidade junto de seus filhos. Todavia, apesar do reconhecimento legal deste direito, na realidade carcerária, desponta sistemática violação do direito à maternidade devido, em primeiro plano, às condições de hipermaternidade, e, em segundo plano, às condições de hipomaternidade. Entende-se que a hipermaternidade refere-se ao exercício excessivo da maternidade estritamente disciplinado pelos regulamentos internos dos estabelecimentos prisionais, enquanto a hipomaternidade é o momento marcado pela ausência do exercício dos direitos maternos, visto que a legislação penal brasileira prevê que, a partir dos seis meses, os bebês podem ser separados de suas mães.


Fonte: http://desacato.info/elas-nao-se-chamam-adriana-maes-pobres-e-bebes-condenados/.

Antes do desenvolvimento do debate sobre ser mãe no cárcere, em meio às condições mencionadas acima, é importante definirmos o que é o direito à maternidade. Compreende-se que o exercício da maternidade, além da garantia do devido acesso à saúde durante a gravidez e ao parto humanizado, está relacionado com a construção do vínculo afetivo entre mãe e filho, através da constante presença materna no crescimento da criança, da amamentação, do carinho, da liberdade de decisão da mãe sobre a educação, a saúde e a alimentação de seu filho, bem como a liberdade de decisão acerca do destino da criança após a separação prevista pela legislação penal.


Neste contexto, mediante as condições de hipermaternidade que marcam a vida das mulheres encarceradas, durante o período de permanência da criança no cárcere, as mulheres não possuem a liberdade e a autonomia para o exercício de seus direitos como mães, uma vez que diversas regras são impostas pela legislação e pela organização interna dos presídios sobre questões como a alimentação da criança, os horários de amamentação e o tempo que as mulheres devem permanecer durante o dia com os filhos. Em geral, as unidades penitenciárias apresentam espaços específicos para as mães e seus filhos, chamados de unidade materno-infantil, e nestes espaços, sem contato com as demais detentas e com outras atividades oferecidas pelo sistema, as mulheres exercem maternidade intensa e vigiada, sendo altamente controladas pelos funcionários da unidade.


Por outro lado, a condição de hipomaternidade é caracterizada pela separação prematura e repentina entre mãe e filho, prevista pela legislação nacional. Essa separação, ao gerar grande sofrimento emocional, viola expressamente os direitos maternos e os direitos da criança, produzindo danos psicológicos irreversíveis para ambas as partes. O trauma da perda dos filhos, além de impactos na saúde física (como o empedramento do leite nos seios), acarreta, também, sérios problemas emocionais e psicológicos para as mulheres encarceradas, as quais, na maioria dos casos, não possuem auxílio e atendimento médico adequado neste período. Em relação à criança, os impactos também são muito graves, tendo em vista que essa está em processo de formação e desenvolvimento, sendo a presença materna imprescindível.


Após a separação, as crianças costumam ser enviadas para permanecer com familiares e outros indivíduos que são indicados pela mãe e com os quais essas crianças possuam algum vínculo afetivo. Contudo, a condição de hipomaternidade se torna mais grave quando as mulheres não possuem família para o acolhimento de seus filhos e neste contexto nada podem decidir sobre seu destino. Nestes casos, a criança deve ser encaminhada para o acolhimento institucional, em que ficará no abrigo, podendo, em algumas circunstâncias, ser encaminhada para a adoção por determinação judicial – fato que extingue o poder familiar da mãe e a possibilidade do exercício do direito à maternidade.

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/02/19/interna- brasil,660839/stf-julga-habeas-corpus-para-mulheres-gravidas-em-prisao-preventiva.shtml.

Sob perspectiva geral, observa-se que o cárcere inviabiliza o pleno exercício do direito à maternidade pelas mulheres-mães encarceradas ao restringir sua liberdade e autonomia para decidir enquanto mãe, ao impossibilitar o convívio saudável com seus filhos e ao inviabilizar a construção dos laços maternos. Este cenário nos coloca em um grande dilema a ser refletido, pois, apesar do reconhecimento da importância da convivência entre mãe e filho, reconhece-se que o ambiente do cárcere, perante sua insalubridade e violência, não é apropriado para o desenvolvimento físico e psíquico da criança. Mas se identifica, também, que a separação repentina imposta pela lei não consiste em solução adequada, pois viola as diretrizes dos direitos humanos internacionalmente reconhecidas.


Nestes termos, a maternidade dentro do ambiente carcerário apresenta-se como uma dupla punição sobre a mãe encarcerada, que no cumprimento de sua pena de prisão não possui seus direitos fundamentais garantidos, e como condenação indireta de seus filhos, que além de estarem expostos aos riscos e à violência do ambiente penitenciário, também estão sujeitos aos graves impactos emocionais e psicológicos decorrente da separação abrupta de suas mães.


Destaca-se que houve alguns avanços jurídicos neste tema, como o reconhecimento, por alguns tribunais, da importância em se conceder a prisão domiciliar às mulheres grávidas, puérperas ou que possuam filhos pequenos. Contudo, ainda precisamos pensar em formas alternativas ao cárcere que garantam, simultaneamente, os direitos da criança e da mulher.


Referências bibliográficas:

BRAGA, Ana Gabriela Mendes; ANGOTTI, Bruna. Da hipermaternidade à hipomaternidade no cárcere feminino brasileiro. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 12, n. 22, p. 229 a 239, dez. de 2015

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Secretaria de Assuntos Legislativos. Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL); Ipea, 2015. 89 p. il. Color. Série pensando o direito, 51

NASCER NAS PRISÕES: gestar, nascer e cuidar. Direção: Bia Fioretti. Produção de Vídeo Saúde Distribuidora da Fiocruz. Porto Alegre: Vídeo Saúde Distribuidora da Fiocruz, 2017. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/23993



39 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page