E sua influência na popularização da música antiga e atual
O TikTok é o aplicativo mais popular entre a nova geração de adolescentes e crianças. Criado por chineses, em 2014, com outro nome e propósito, chamava-se “Musical.ly” e servia apenas para dublagem de músicas. Mais tarde, foi comprado por outra empresa da China e reformulado para compartilhamento de vídeos gerais. Atingiu o ápice de sua popularidade em 2020 e segue crescendo e se articulando entre conteúdos dos mais variados e inúmeros recursos para produção de vídeos.
Nestes vídeos, o aplicativo disponibiliza como opção de áudio as músicas que nele estejam registradas, que podem ser armazenadas no acervo de áudios de cada usuário, livres para serem utilizadas e reutilizadas. A partir desse mecanismo – e somado com a criação das chamadas “trends” (do inglês, significa tendência), correntes que consistem na reprodução de um tipo específico de vídeo por milhares de diferentes usuários – o aplicativo se consolida, hoje, como um dos principais facilitadores de divulgação de músicas e artistas.
Os artistas, sejam eles renomados ou anônimos em ascensão, passam, então, a incentivar a criação de trends com seus conteúdos ou a utilizar a plataforma do TikTok para promover os lançamentos de suas músicas. A cantora brasileira Anitta, que ganha cada vez mais notoriedade mundo afora, alcançou o pódio global do Spotify (aplicativo reprodutor de música mais usado no mundo), através da viralização de sua música Envolver em um dos trends do TikTok.
Um exemplo de um dos áudios que mais se popularizou nos vídeos do TikTok é a primeira frase da música Boys, da cantora pop inglesa Charli XCX, “I was busy thinking ‘bout…[boys]” (“eu estava ocupada pensando em... [garotos]”, em português), serve para representar nos vídeos alguma reflexão que esteja sendo feita, mesmo que não se relacione com “garotos” em si.
Dessa forma, a repercussão deste pequeno fragmento acabou por alavancar a popularidade da música, que havia sido lançada em 2017 e ganhou real notoriedade apenas três anos depois.
A música Cool for the summer, de cantore estadunidense Demi Lovato, também se popularizou em uma das trends das quais se cria uma coreografia própria para o recorte da música utilizada. Com o sucesso no aplicativo, a música lançada em 2015, retornou aos hits mais ouvidos no mundo inteiro e recebe, hoje, mais reconhecimento pelos ouvintes do que na época de seu lançamento.
A situação atual, considerando os fatores citados acima, estimula uma busca dos artistas para atingir a popularidade no TikTok, visto que o número de usuários continua crescente, gerando maiores números de visualizações e, portanto, engajamento. Em termos digitais, o engajamento diz respeito ao êxito em quantidade de interações com algum objeto na internet, o que, no mundo contemporâneo globalizado, cria o que se concebe por fama.
Dito isso, desde os primórdios dos meios de propagação de músicas, é natural que os artistas se adaptem ao veículo do momento – que já foi o rádio, os discos de vinil, os discos compactos (CD’s) e, hoje, a internet – para alcançar as pessoas com seu trabalho. Porém, em um cenário onde tudo pode ser encontrado, seja em sua forma digital ou material; cujas lojas online possuem um variado acervo de discos à venda e as plataformas de música possuem arquivos infinitos de gravações e diferentes versões, observa-se uma tendência ao consumo de tipos específicos de conteúdos, que acabam se generalizando. O objetivo deste artigo é pensar no papel do TikTok nessa padronização.
Sendo assim, atualmente a relação de dependência se encontra, neste ensaio, entre os artistas e o TikTok, que não é o único, mas sim um dos principais – e mais comuns – meios de se conhecer músicas novas e ser apresentado às antigas.
A nova geração de jovens e adolescentes reviveu e conheceu Dreams, sucesso da banda de rock setentista Fleetwood Mac, a partir de um vídeo viralizado no TikTok de um homem andando de skate ao som da música, vídeo que ganhou milhares de versões posteriores. Chico Buarque também atingiu a juventude em 2021, através da viralização de partes de sua música “João e Maria”, que foi utilizada como recurso de áudio em diversos vídeos no aplicativo.
A maneira rápida e prática de se buscar pelas músicas com simples toques no celular (não mais através de horas gastas dedilhando lojas de discos ou esperando algo interessante e inusitado aparecer no rádio e, posteriormente, nos canais que exibiam vários videoclipes), ou até mesmo a ausência de busca substituída pela passividade de absorção de conteúdo através do TikTok, contribui para a padronização e massificação da arte?
O TikTok é uma plataforma muito vasta e rica em variedades de conteúdo, que vão desde receitas até vídeos sem roteiro e puramente humorísticos, mas direciona ao resto o que faz mais sucesso e, consequentemente, o que se presume que tem potencial de viralizar. Isto é, vídeos cujo algoritmo (sistema inteligente de dados que analisa e direciona os conteúdos) identifica que os efeitos e recursos se assemelham ao padrão de vídeos que se tornam mais populares e recebem resposta positiva do público.
Os efeitos produzidos seriam, então, a padronização e a influência sobre os métodos de criação e identidade dos artistas.
Partindo para a adição de pensamentos de Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt[1], descritos em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, a cultura se torna reprodutível, repassável, e surge da necessidade da própria sociedade de propagar padrões para se integrar.
A banalização passa a ser um termo pertinente na discussão, no dado momento em que o compartilhamento excessivo de um mesmo conteúdo acaba por esvaziar sua essência original. O fato de ter contato repetitivo e contínuo com um mesmo verso de João e Maria de Chico Buarque, que aparece nos áudios de vídeos do TikTok, por exemplo, não proporciona aos usuários a mesma experiência que ouvir a canção do início ao fim.
O mesmo ocorre com a tendência dos artistas de lançar faixas cada vez mais curtas para satisfazer o público que se habitua cada vez mais ao limite de três minutos dos vídeos, uma vez que o não encurtamento da duração pode acarretar num desenvolvimento limitado da música.
A cantora estadunidense Ariana Grande vem lançando faixas com menos de três minutos, devido à reação decepcionante das audiências à músicas que excedem esse tempo, consideradas, hoje, muito longas. É também o caso de artistas ascendentes como Doja Cat e Pabllo Vittar, cujos maiores sucessos são faixas muito curtas, que não ultrapassam os três minutos.
A influência recai na forma dos próprios artistas de produzirem seu trabalho, modelados conforme as tendências ou até mesmo criando contas no aplicativo para aproveitar a popularidade: a cantora estadunidense Taylor Swift, uma das artistas de maior sucesso de vendas e reproduções de músicas nas plataformas, criou uma conta no TikTok para promover seus novos álbuns. Tal mudança, importa aos usuários, que constroem formas generalizadas de consumir o conteúdo audiovisual; e refere-se ao conteúdo consumido, padronizado e distribuído de forma contínua, mesmo que estejam disponíveis, no mundo virtual, cada vez mais arquivos com grande parte das obras artísticas produzidas pelo homem (não é difícil encontrar, na internet, filmes que tenham sido lançados há mais de um século atrás).
[1] A escola de Frankfurt constitui um conjunto de filósofos e pensadores da Universidade de Frankfurt, na Alemanha do século XX, composto por Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin entre outros. Apesar de suas diferenças teóricas, a análise social dos membros da Escola permeava a massificação social, o esvaziamento do significado da produção e as críticas ao capitalismo.
Referências bibliográficas
ADORNO, Theodor W. Sobre música popular. In COHN, Gabriel (org). Coleção “Grandes Cientistas Sociais”. São Paulo. Ática, 1986, p.115-146.
BENJAMIN, Walter. "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica". In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Tudo sobre TikTok Canaltech: https://canaltech.com.br/empresa/tiktok/#:~:text=A%20TikTok%20%C3%A9%20uma%20plataforma,entrenimento%20e%20pessoas%20fazendo%20lipsync.
Comments