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Manuela Buk de Araujo

O Café do Francês

O sino da porta faz “trim trilim”,anunciando a chegada de um novo cliente, e o Café do Francês é inundado por um perfume doce-azedo, que o homem reconhece como erva-cidreira e limão. Apesar de estonteado, ele procura se manter indiferente àquela invasão no ambiente.


Permanece sentado de costas para a porta, debruçado sobre o balcão de plástico marrom, aguardando pacientemente seu café preto, enquanto escreve no seu velho caderno sem pauta. Os passos da recém-chegada revelam seu molejo firme, e o som do salto alto contra o piso de madeira produz um tamborilado surdo e ritmado, que se torna cada vez mais alto nos ouvidos do homem. Até que tudo fica mudo por alguns segundos, como se a presença hesitasse em continuar a música.

Apesar dos dez bancos dispostos ao redor do balcão, ela escolheu se sentar ao lado do homem, que mantinha a expressão impassível. Ele seguia escrevendo, mas as mãos haviam adotado uma tremedeira discreta. A moça ajeitou-se no banco. Tirou a jaqueta jeans e passou as mãos nos cabelos. Enfim, virou a cabeça ligeiramente para a direita, de modo a poder encarar o homem de soslaio.

– Olá – ela disse em tom firme.

Como se aguardasse esse momento por anos, o homem endireitou a postura devagar e cresceu na cadeira, virando o corpo inteiramente para a moça. Encarou-a com os olhos pretos duros. Foi como se, em alguns segundos, tivesse evoluído de réptil a mamífero.

– Oi para você. – Ele a mediu de maneira serena. Ela tinha os cabelos cortados curtos chiques e o rosto longilíneo. Sentiu-se observada e abriu um pequeno sorriso, desviando o olhar. O coração dele galopava. A moça voltou-se para frente e se dirigiu para o garçom.

– Me veja um capuccino, sem açúcar – olhou para o relógio no pulso – Pra viagem. Bem embalado.


– Sim, senhorita. – o garçom virou-se para o homem – O café do senhor Pedro Henrique já está quase saindo.

A moça arqueou as sobrancelhas e franziu a testa.

– Senhor Pedro Henrique? - Deu uma risadinha sarcástica. Ele corou levemente.


– Bem.. É o meu nome!


– Soa sério. Distinto - ele assentiu e deu de ombros - Sabe, você deveria pedir o croissant, os daqui são uma delícia


– Sim, eu sei... Mas estou tentando cortar o açúcar.

Uma gargalhada alta escapou da moça, e ela se sentiu mais à vontade: os braços relaxaram e ela começou a estudar o homem livremente. Ele estava com a barba por fazer, e a camisa aberta nos botões de cima. Ela pousou a visão sobre o caderno, apertando os olhos. Ele trouxe o objeto para mais perto do corpo, como se o escondesse. Ela voltou o olhar curiosos para a face dele. Assim de perto, parecia encará-lo como uma criança.


– Sobre o que você está escrevendo? - Ele ponderou, piscando os olhos. Levou os dedos ao queixo.

– É uma história fictícia. Fala sobre um casal – Ela debruçou-se delicadamente na direção dele, como para ouvir melhor. Ele prosseguiu – se conheceram quando jovens e se apaixonaram. Vivem um romance de cinema, compram um cachorro, conhecem cachoeiras. Mas um dia, ela some, pega todas as coisas e “Puft”, desaparece sem deixar rastros. Leva até a aliança de noivado que ele lhe deu. O cachorro fica a ganir por dias, e o homem, bem… – Os olhos dele marejaram – o homem aceita a sua solidão. Depois de uns meses, descobre que ela está noiva de um outro cara, engomadinho. Mas ele não se zanga, ela avisou que era assim. Selvagem.


A moça escuta tudo com uma expressão compenetrada, sem fraquejar. Estica a mão, como se para tocar os cabelos dele, mas recua.


– E como a história acaba?


– Bem, passa um tempo, e eles se encontram em um café. Um café que ambos iam quando namoravam. O homem nunca deixou de ir. Gostavam de pedir o croissant. Ele vê que ela ainda usa a aliança dele no dedo. Conversam, percebem que ainda se amam e bem... começam tudo de novo! – Ele termina a frase abrindo um pouco os braços, com a respiração ofegante, como um apresentador que termina o show.


Ela abre a boca para dizer algo, mas o garçom a interrompe, entregando-a sacola com o capuccino dentro e deslizando o café para o homem. A moça olha para o garçom com olhos enormes, agora está com os lábios cerrados. Ela vira para trás e contempla o dia lá fora e, pela última vez, consulta o relógio.


– É uma bela história. Parece coisa da Disney – ela suspira – Só penso que a personagem da moça me parece pouco compreendida. Acho que falta dizer o que o homem fazia com ela, quando ficava frustrado com a sua escrita, e bebia demais.


Ela entrega para o homem uma pequena caixinha azul, que contém um anel de noivado. A porta faz “Trim Trilim”, anunciando sua saída.


Sozinho com o garçom, o homem pede um croissant de chocolate para acompanhar o café frio.



Sobre a autora: Meu nome é Manuela Buk de Araujo, mas prefiro que me chamem de Manu. Atualmente tenho 24 anos e estou me formando em psicologia na PUC, na vertente da fenomenologia. Já trabalhei muito com inclusão e diversidade em educação, mas hoje atuo em uma pequena editora nacional, na área da comunicação. Sou uma sagitariana do tipo clássico, devoradora de livros, frequentadora de boteco, viajante e viajada. Escrevo desde os cinco anos e faço isso por amor declarado a literatura.

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